18 DE JUNHO DE 1971 2085
moldes se vazam recorrentemente; e também de imputações relevantes e essenciais, pois, à medida que aquelas inter-relações vão definindo grupos cada vez mais vastos ou afastados do puro domínio individual, surge uma vocação ide grupo, uma comunidade d" valores e finalidades que corresponde a uma verdadeira comunidade de destino, a uma linha de rumo autenticamente colectiva: esta comunidade torna-se sujeito e objecto das actuações específicas requeridas pela realização dos valores e fins que estão na base da sua existência, isto é, torna-se centro de imputações políticas.
Sabe-se como a ideia de estrutura política corresponde à integração sistemática dos princípios que regulam aquelas conexões especiais, definidoras de uma determinada fase história num âmbito social concreto; estrutura que, como já alguém sagazmente "notou, reflecte em .toda a sua grandeza o carácter pluridimensional da sociedade política. Simplesmente, tal integração sistemática opera-se tendo em conta os imputações essenciais há pouco referidas, ordena-se mediante o arranjo adequado das instituições reguladoras do viver colectivo - numa palavra, à estrutura política corresponde um regime político, definido pelo conjunto ide fins e forças políticas que inspiram e realizam o complexo normativo de que a sociedade necessita para sobreviver e progredir. A ordeira Constitucional encontrai aqui, na organização da sociedade como Estado, a expressão jurídico-politica de uma realidade sociológica.
Assim se compreende que, embora sobrepondo-se à realidade histórica de organização em que assentam, estrutura e (regime políticos não .possam perder de vista essa realidade subjacente, sob pena de invalidade funcional: adequação dos .princípios que regem os ordenações às formas concretas da convivência política que caracteriza o grupo; correspondência dos fins e forças políticas definidoras do regime aos valores e ideais à volta dos quais o grupo se agrega e se organiza - "sita correspondência e aquela adequação constituem exigências elementares de uma ordem constitucional válida.
E, pelo que toca ao regime, o facto, por evidente, não deixa, no entanto, de ser extremamente significativo. Pois de há muito se pensa que no conceito de regime não se contempla apenas o modo do exercício do poder, mas, também e indissociavelmente, a ideologia político-social que o anima. Assim, ao como dos processos constitucionais, juntar-se-ia o porquê justificativo da acção das forcas políticas: e um e outro transcenderiam o mero quadro jurídico-constitucional formal, exprimindo a organização do Estado numa construção porventura artificiosa ou falha de realismo, para tomar em consideração a razão de ser e o complexo de finalidades por que se orienta a organização política concreta.
Como autorizadamente se ensina, "em relação com os princípios político-sociais que determinam aquela razão de ser e essas finalidades, as instituições de governo não são mais do que processos neutros que transplantam aqueles princípios para a realidade, convertendo-os de potência em acto. Numa palavra: as formas constitucionais não operam, no vazio da razão abstracta, e constituem, em vez disso, métodos de assegurar o triunfo de certos fins, são modeladas por determinados desígnios".
Be ver uma constituição é, por isso, mais do que procurar a alteração de esquemas institucionais por si mesmos, averiguar a sua validade funcional perante o quadro sócio-político expresso nas estruturas e no regime que traduzem a ordem constitucional presente.
Rever uma constituição é tarefa que se desenvolve no plano da adequação institucional aos valores colectivos, fins e objectivos nacionais; é tarefa que se desenvolve no plano do ordenamento da vida colectiva em ordem à efectivação daqueles valores e fins.
Que sentido tem, então, nesse plano pragmático, a estabilidade do regime político em face da fenomenologia social essencialmente dinâmica? Que limites advirão do próprio conceito de ordem constitucional ao exercício do poder de revisão? Do que foi dito decorre que a estabilidade de um regime não se afere, exclusiva ou fundamentalmente, pela simples permanência formal das instituições que o acompanham, mas pelo modo como, nessa moldura institucional, se adequa a organização jurídico-politica da sociedade aos valores e fins que ela prossegue e quer realizar. Sendo assim, a estabilidade de um regime exige permanente esforço de adaptação às exigências impostas pela constante evolução das condições sociais em geral, frente aos objectivos essenciais visados pela Nação.
Em resposta à permanência dos valores, ideais, fins e concepções que definem a própria realidade nacional, um regime é algo de essencialmente dinâmico, cuja estabilidade nada terá a temer do dinamismo vital que a sociedade exiba enquanto responder ao desafio da vida com o entusiasmo da vida e não se condenar a opor utopicamente ao apelo da evolução colectiva a renúncia do ancilosamento injustificado e suicida.
Se, por um lado, este é o sentido que assume, no plano proposto, a estabilidade de um regime político em face da fenomenologia social essencialmente dinâmica, por outro lado, se bem penso, o próprio conceito de ordem sócio-política delimita o campo do exercício do chamado "poder de revisão".
Na verdade, ele há-de exercer-se sempre e apenas para manter a adequação das formas e arranjos institucionais aos elementos teleológicos e ideológicos que definem a própria realidade nacional e se plasmam no regime político por que a Nação se estrutura. Aquela adequação dá os parâmetros do poder de revisão, cujos limites respondem, assim, à permanência dos valores e fins essenciais da Nação.
Tomar o poder de revisão como um autêntico poder constituinte, no sentido da capacidade e legitimidade de criar um novo ordenamento global da vida colectiva, supõe, como premissa irrecusável, a aceitação do princípio do desacordo fundamental entre a essência do regime político, as suas traves mestras e os fundamentos ético-políticos em que o grupo nacional assenta.
Esta a questão; e não vale a pena pensar-se em a ladear, por mais hábil que seja a escolha das veredas, por mais sibilino que seja o formalismo de pensamento em que a tese da vacuidade do poder revisionista se envolva.
Comecemos, então, por esta questão prévia da nossa revisão constitucional.
Processou-se ela no quadro do regime instaurado e desenvolvido a partir da Constituição de 1933. Regime de cujas características se podem isolar, como fundamentais, a concepção orgânica da Nação, a sujeição de fórmulas totalitárias na estruturação estadual da vida colectiva, a defesa de uma concepção antipartidária no arranjo das forças políticas.
A primeira característica diz respeito à própria ideia de comunidade que é a Nação; ideia que se opõe, como é sabido, à concepção atomística de todas as sociedades, mesmo da sociedade nacional, tão em moda desde o último quartel do século XVIII, sob a influência da herança iluminista e dos enriquecimentos que os primeiros lustres do século XIX lhe haviam de proporcionar, levando-a à célebre formulação de Bentham. Sabe-se como tal concepção tem de assentar, logicamente, nos parâmetros clássicos do comportamento individual, definidores do próprio quadro colectivo; isto é: como tal concepção atomiza a pró-