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2084 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103

Outra razão poderosa reforça a minha convicção quanto à inconveniência do sistema vigente da eleição (presidencial. Oito das doze secções da Câmara Corporativa correspondem a interesses de ordem económica (trinta e oito subsecções em cinquenta e uma) e representantes desses interesses concorrem na eleição das câmaras municipais. Ora, se valorizarmos, em todas as suas possíveis consequências, a tendência crescente e ultimamente revigorada da concentração em poucas mãos das instituições de crédito e dos meios de produção estreitamente ligados, teremos de reconhecer que assumem hoje particular relevância as seguintes palavras pronunciadas nesta Assembleia, em 1951, pelo Deputado Cerqueira Gomes, também em debate de revisão constitucional e a propósito da eleição do Chefe do Estado:

Mesmo que uma verdadeira representação orgânica fosse possível, mesmo que os interesses vivos da Nação pudessem genuinamente exprimir-se, nunca por meio deles poderiam designar-se convenientemente os órgãos soberanos do Estado. O sufrágio orgânico é bom no seu lugar, para a escolha dos que hão-de reger legitimamente a actividade própria dos grupos e para. os representar devidamente junto do Poder. Organizar corporativamente a Nação é organizar egoísmo, torná-los mais fortes!

Sr. Presidente: Eis expostos, como soube e pude, os dados desta questão - que tenho como fundamental - da eleição do Presidente da República. Exposição naturalmente condicionada pelo tempo e pela minha formação moldada noutros domínios, que não estes.

Procurei estudar o assunto com seriedade para poder decidir-me com objectividade, e o juízo que se me impõe é o da necessidade de regresso à eleição presidencial por sufrágio universal e directo.

E, a terminar, queria recordar - e não seria necessário, pois todos o temos presente - que nunca o povo português traiu a Nação. Se percorrermos, a traços largos, a nossa história, encontramo-lo com o Mestre de Avis, com o Prior do Grato, com D. João IV ...

O Sr. Agostinho Cardoso: - Esteve, sem votar!

O Sr. Casal Ribeiro: - E esteve também com a Nação no 28 de Maio!

O Orador: - E é a "Nação inorgânica", o povo português que verte o seu sangue no ultramar em defesa da integridade nacional.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem l

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Almeida Garrett: -"Sr. Presidente: Subo a esta tribuna consciente das responsabilidades que sobre todos nós impendem ao intervir, de um modo ou outro, na modelação da lei fundamental do País. Responsabilidades que começam por encontrar a sua dimensão mais significativa no mandato que a Nação nos confiou no acto eleitoral por que se constituiu esta Câmara.

A validade política desse mandato impõe-nos, hoje como em Outubro de 1969, o respeito dos valores e princípios que informaram a sua concessão; e, porque os aceitámos ao propor-nos ao sufrágio e por eles obtivemos de .modo inequívoco a confiança da Nação, como seus Deputados não nos basta um respeito platónico, subtil

ou menos afadigado, exige-se-nos uma defesa prosseguida sem desfalecimentos nem desvios.

Para tal, necessário se torna estar duplamente atento: atento ao que significam os dados fundamentais do problema da institucionalização sócio-política para a marcha do nosso viver colectivo, segundo os reais e profundos sentimentos e anseios da consciência nacional; e atentos à nossa própria consciência, na serenidade indispensável de quem tem a obrigação de, por ela, colher, para além de si, as raízes e os ditames dias suas atitudes, sem se deixar aturdir por um ou outro assomo, natural mas indesejável, de um mero pessoalismo, que corresse atrás da tentação de construir à sua semelhança o mundo de ideias e de vontades que forjam e exprimem o verdadeiro querer colectivo da Nação.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Estamos a debater o problema da revisão constitucional. E para que nos entendamos claramente sobre os termos do debate, importa, antes de mais, apurar algumas questões prévias.

Comecemos pelo alcance da revisão.

Não são estes o momento nem d local apropriados para nos determos no delicado problema dos poderes de revisão; mas, porque se trata de tema fundamental sobre que já ouvimos vozes diversas e entendimentos desencontrados, penso que devemos atentar na dimensão válida da nossa tarefa no presente debate, dimensão que resulta, mais directamente do que poderia julgar-se, do próprio sentido da Constituição a rever perante o quadro sócio-político em que tem de actuar.

Pois que é, no fundo, uma Constituição? Mais que o sentido evidente e tradicional, de expressão as mais das vezes escrita, de uma organização racional dos poderes públicos - uma Constituição é a tradução de determinadas concepções fundamentais sobre a própria colectividade e a sua vida; há-de retratar aquela e ordenar esta, primeiro que tudo em obediência aos próprios fundamentos da solidariedade agregativa que lhe está na base, da comunhão de fins e de valores que molda o grupo como uma autêntica nação, que, sem negar os indivíduos e a sua personalidade, transcende o que neles há de parcial e efémero para contemplar, também o geral e duradouro. Uma constituição é, assim, antes de mais, a expressão de uma ordem, no sentido que o termo correntemente reveste nas ciências sociais: a tradução, estabilizada e estruturada, de um certo arranjo das relações que definem a própria vida do grupo, na medida em que este assuma dimensão validamente colectiva, isto é, na medida em que supere a simples junção de elementos individuais, com os seus interesses, as suas posições relativas ou de classes, os seus processos e as orientações que daí exclusivamente decorrem.

Compreende-se, assim, que esta ordem constitucional, sejam quais forem as vias técnicas por que venha a exprimir-se, para ser válida, tenha de responder às exigências que lhe são impostas pelos valores B fins, pelos ideais e concepções, pelo património cultural e histórico em que assenta a própria definição do grupo nacional: emergente dos termos e factores que o precipitam como realidade autónoma, aquela ordem só tem sentido inteligível enquanto o exprime adequadamente no campo da institucionalização sócio-política.

E assim em todo e qualquer grupo, em toda e qualquer sociedade. Quando nos debruçamos sobre uma sociedade concreta, situada no espaço e no tempo, sempre haveremos de isolá-la coimo um centro específico de conexões e de imputações: de conexões entre indivíduos e grupos menores, conexões que se formalizam e se tornam progressivamente independentes dos conteúdos concretos ou históricos das relações interindividuais que nos seus