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18 DE JUNHO DE 1971 2083

tigo 108.º). Ë, pois, íntima a solidariedade entre o Governo e o Presidente da República e a política realizada por aquele é necessariamente aprovada - se não inspirada - por este.

Tanto basta para ser inaceitável o conceito apresentado pela Câmara Corporativa sobre a eleição presidencial. Se o Chefe do Estado fosse apenas o titular de um poder moderador, com única autoridade para prevenir e resolver os conflitos entre os outros poderes, então não haveria, de facto, lugar para debate político a preceder a eleição presidencial: tratava-se apeai as de escolher o homem cujas qualidades assegurassem ser capaz de cumprir tal função com sabedoria, firmeza e independência. E como discutir publicamente pessoas - em seus méritos e deméritos - não só viola o foro íntimo - que não é coisa de rua- como ainda pode afectar a aceitação nacional do eleito e proscrever os vencidos, conveniente seria a eleição por colégio restrito -de composição parlamentar e extraparlamentar -, sem debate prévio.

Admitir, porém, este sistema eleitoral quando o Presidente da República é o mais alto responsável da política do Governo, seria defender que não cabe à Nação apreciar tal política, que não tem o direito de dizer o que nela lhe agrada e o que lhe desagrada, que não lhe compete declarar o que quer e o que não quer. Seria reconhecer que a Nação apenas tem de decidir-se, ou pelo que esta, ou por uma coisa diferente que não sabe o que é: num como noutro caso, assinar um cheque em branco.

Exigir civismo e civilidade, verberar excessos, preveni-los e puni-los, é louvável, desejável e indispensável; amordaçar a Nação soberana é reprovável, intolerável, inadmissível num Estado de direito.

Portanto, também no que concerne à campanha eleitoral, não estou com a Câmara Corporativa ao reprovar, em 1959, a eleição do Presidente da República por sufrágio universal e directo.

Procurei demonstrar que o sistema vigente de eleição presidencial não decorre necessariamente, nem da estrutura fundamental da Constituição, nem do direito constitucional comparado. Reconheço, contudo, que tal não basta para o reprovar; há que estudá-lo em si mesmo e nas suas relações com o interesse nacional.

Desde logo, há duas perguntas fundamentais que exigem resposta clara: Quem elege? Por que elege?

Da análise do artigo 72.º, o que imediatamente chama a atenção é a representação fortemente minoritária da "Nação inorgânica". De facto, o número máximo de Deputados eleitores é de 130 (artigo 85.º) e a Câmara Corporativa, por si só, concorre com mais de 200 eleitores. Há ainda que acrescentar os representantes municipais e os dos conselhos legislativos e de governo das províncias ultramarinas, cujo número é fixado por lei ordinária, o que significa - pelo Governo.

Mas não é apenas quanto ao número dos seus membros que o colégio eleitoral depende do Governo: também quanto à forma de designação dos representantes dos municípios e dos concelhos do ultramar.

Tal dependência resulta ainda do facto de número significativo de procuradores à Câmara Corporativa serem de nomeação governamental: a) todos os da secção XII (Interesses de ordem administrativa"), os quais, segundo o Decreto-Lei n.º 43 178, de 23 de Setembro de 1960, podem atingir um terço do total; b) todos os das autarquias locais (presidentes e vice-presidentes de câmaras municipais); todos os das secções que não possam constituir-se.

A composição numérica e qualitativa do colégio eleitoral está, pois, fortemente dependente do Governo e, através dele, do Presidente da República.

Encaremos agora a organicidade do colégio eleitoral.
Não vou levantar o problema da fonte de que retiram a representatividade os Procuradores à Câmara Corporativa. Detenho-me num ponto mais singular: o da não representação das famílias no colégio eleitoral.

Em todos os tempos, sociedades e regimes políticos, a família foi, é c será a célula base da organização e da vida sociais, o elemento estrutural verdadeiramente essencial de qualquer sociedade, o único que, por direito natural, é sujeito de direitos inalienáveis e das garantias indispensáveis à prossecução dos seus fins próprios e u sua legítima intervenção na sociedade civil e política, que desses fins decorre.

O valor ímpar da família é claramente reconhecido no artigo 12.º da Constituição: por isso, e dada a concepção corporativa do Estado, espanta sobremaneira que os seus direitos políticos se limitem à eleição das juntas de freguesia. A família, enquanto tal, não está representada na Câmara Corporativa.

A organicidade do colégio a quem compete eleger o Chefe do Estado está, pois, amputada do seu elemento fundamental.

E eis que vem a segunda pergunta: Quem vota, por que vota?

Para que um voto singular seja realmente orgânico, tem de exprimir uma vontade colectiva. Por exemplo: para ser orgânico o voto do procurador que representa o sindicato nacional X, esse voto teria de traduzir o querer da maioria dos respectivos associados, Ora tal não é possível, pois não há campanha eleitoral. Dir-se-á que os membros da Câmara Corporativa são Procuradores com plenos poderes que lhes conferem a faculdade de, por si, decidirem em tudo o que convém aos seus representados. Não fazendo questão deste conceito de procuradoria, o que não consigo compreender é como o voto de um indivíduo traduz uma vontade colectiva a que não foi dada possibilidade de se manifestar. De facto, tal voto é individualista, e não orgânico.

E porque se decide o eleitor "orgânico", ao votar? Pelo interesse sectorial que representa e lhe confere o direito de votar? Pelas belas-artes? Pêlos desportos? Pela lavoura? Por certo ramo de comércio? Por determinada actividade industrial? Pela pesca e conservas? Pêlos transportes? Pelo turismo? Pela imprensa? Pelo teatro? Pêlos bancos? Pelo seu município? Pela sua província? Ou, plenamente consciente de que se trata de eleger o mais alto responsável pelos destinos da Pátria, vota em função do interesse nacional - como em recta intenção o interpreta-, vota como cidadão português, tout cairt? E se o eleitor "orgânico" vota assim, onde está a organicidade - dele e do voto?

Decorre desta análise, que:

1) O colégio eleitoral consignado no artigo 72.º da

Constituição só teoricamente é orgânico-individualista - na prática, é efectivamente individualista;

2) A Nação não se reconhece representada nesse colégio, pois só os Deputados foram eleitos por sufrágio universal e directo, tendo o Governo intervindo, directa ou indirectamente, na nomeação de muitos dos eleitores;

. 3). Por tal motivo, o sistema é altamente inconveniente, já que, como aqui foi dito em 1959 pelo Deputado José Saraiva, "não basta que se diga que é a Nação que elege o Chefe do Estado; também é necessário que a Nação sinta que o Chefe .do Estado é eleito por ela".