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2088 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 103

É isso que precisamente visa o Estado social, em cuja construção todos estamos empenhados, e que corresponde, com a exactidão das coisas humanas, aos anseios e interesses da sociedade nacional dos nossos dias, embaraçada em capciosas opções e verdadeiramente ameaçada nos seus fundamentos valorativos e nas possibilidades da sua efectivação.

Estado social não é, nem nunca foi, estado socialista ou totalitário. Estado social é sim aquele que, respeitando as liberdades individuais, as limita para que se tornem efectivas e intervém na vida colectiva a fim de assegurar que tais liberdades sejam de todos e não só de alguns e postula uma igualdade que, da simples igualdade formal dos sistemas liberais se transforme em autêntica igualdade substancial.

Estado social, como afirmou a nossa maior autoridade na matéria, "é um poder político que insere nos seus fins essenciais o progresso moral, cultural e material da colectividade, numa ascensão equilibrada e harmoniosa que, pela valorização dos indivíduos, e pela repartição justa das riquezas, dignifique o trabalho".

Já o acentuámos: na concepção personalista que informa a nossa ordem jurídica, o homem é fim das instituições e por elas servido, havendo sem dúvida limites intransponíveis no respeito pela dignidade da pessoa humana, que se reflectem no reconhecimento de direitos e garantias fundamentais. Por isso, e ainda bem, nunca deixam os indivíduos de se impressionar com o quadro pintado a negras cores, do amordaçamento da personalidade no estado totalitário.

Mas é já difícil reconduzir a esse quadro, com logicismo simplista e impugnável apreciação factual, sociedades baseadas, como a nossa o está, naquela concepção personalista e cristã.

Não será forçar a lógica o querer relacionar com o direito ao trabalho pretensas limitações drásticas da actividade sindical? E não existirá um desvio factual em ver a negação daquele direito num desumano impedimento da emigração,? Valeria a pena, a este e outros propósitos, ver como neles "e envolveu pelo menos muito exagero, com risco de criar um grande equívoco à volta de tudo. E, assim, ver também como, de degrau em .degrau, se levam os problemas à zona da pura abstracção em que se criam mitos com. um gáudio intelectual que pode ser grandioso, mas que em utilidade efectiva para o progresso social não consegue deixar de ser magro.

Mas passo ao ponto seguinte.

O Sr. Sá Carneiro: -V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faça favor.

O Sr. Sá Carneiro: - Tenho ouvido o que V. Ex.ª disse com o maior gosto e muita atenção e tenho realmente sido levado uma ou outra vez a tentar interrompê-lo para pedir um ou outro esclarecimento, mas tenho-me abstido, porque naquela altura precisamente em que V. Ex.ª parece que vai dar resposta às perguntas, deixa-as em suspenso e passa adiante (risos), e só por isso não intervi mais vezes.

Directamente com respeito ao direito ao trabalho, de que ontem aqui falei, precisamente nos termos que V. Ex.ª reproduz, afirma que poderá haver alguma confusão na relação estabelecida entre liberdade "indicai e direito ao trabalho, entre limitação ao direito à emigração e direito ao trabalho. Eu não vejo bem como, confesso, e era esse esclarecimento que gostava de pedir, lembrando que, inclusivamente a Câmara Corporativa, pela primeira vez, creio eu, no seu parecer reconhece expressamente que os direitos de greve e de lock-out são autênticos direitos que entre nós são negados, denegados - na expressão da Câmara Corporativa -, por virtude de nos situarmos numa economia em desenvolvimento.

Lembrando, designadamente, esse passo do parecer, eu pergunto realmente se não há íntima relação entre a liberdade fundamental do direito ao trabalho e a liberdade instrumental que, quanto à emigração, é simultaneamente instrumental em .relação ao direito ao trabalho e em relação ao próprio direito à vida. Quanto à liberdade sindical, é evidentemente instrumental em relação ao direito ao trabalho.

Era esse .esclarecimento que gostava de pedir. Então essas liberdades não são instrumentais em relação ao direito ao trabalho e a sua denegação não implica que este é coarctado na medida em que, não fornecendo os meios, estamos a coarctar os fins, a denegá-los?

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª toda a atenção com que me ouviu, deferência que não estranho, dada a circunstância de representarmos o mesmo círculo e de sermos ambos, desde o início, construtores e defensores de um são pluralismo político. Suponho que a presença de V. Ex.ª nesta Casa dispensaria, mesmo, estas explicações.

Relativamente à pergunta de V. Ex.ª, eu devo pôr o problema nos precisos termos em que o enunciei. O que eu disse, ao referir a minha dúvida (dúvida, e não afirmação) de se não seria forçar a lógica o querer relacionar aqueles factos e as afirmações pretensamente decorrentes deles, foi que me parecia existir uma certa vaguidade, um certo carácter vago na ligação entre a afirmação realizada e a situação de facto. E acentuava, fundamentalmente - começarei por isso, se mo permite -, o problema da emigração.

Os números dizem que emigraram legalmente, nos últimos cinco anos, isto é, de 1966 a 1970, 428 846 indivíduos, enquanto de 1961 a 1965 apenas tinham emigrado 261 285 e de 1956 e 1960 162 179. Quer dizer: no campo da emigração, da emigração legal, o que se encontra é o crescimento espectacular no número de pessoas emigradas. E, a menos que haja outros números, outras (indicações que porventura existam, mas que eu não possuo, sinto-me um bocadinho perplexo, perguntando a mim mesmo como é que esta evolução das correntes migratórias se pode ligar precisamente a uma atitude de desumana limitação, em .sentido inverso à da situação de facto de que tentei dar ideia através destes números.

O Sr. Sá Carneiro: - Eu não falei em números, falei em legislação. A minha dúvida é essa. O que me impressionava era a disciplina jurídica da emigração, não os números da emigração legal.

Foi nesse sentido que falei na desumana disciplina - de a emigração coarctar desumanamente a emigração.

O Orador: - Mas mesmo assim os números aumentaram.

O Sr. Sá Carneiro: - Não, olhe que não, e os clandestinos possivelmente serão muitos mais.

O Orador: - São com certeza.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Garrett, V. Ex.ª está a aproximar-se muito do limite regimental dos 45 minutos. Depende da generosidade de V. Ex.ª dar o seu tempo a outrem, é claro.