O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2144 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 106

A vida dos textos legais não reside na correcção geométrica com que são elaborados.
Depende, essencialmente, da sua aplicação prática, isto é, da sua «respiração humana».
As leis só terão autenticidade se lhes for dado funcionar e se forem executadas com verdade e sem desvios.

O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!

O Orador: - Neste quadro, a experiência é significativa, (podendo ate servir de exemplo muitos preceitos constitucionais que têm permanecido no limbo do esquecimento como letra morta ou têm sido postergados por leis extravagantes que os negam ou desvirtuam.
Oxalá que esta fase de desrespeito pelo diploma fundamental esteja ultrapassada e a presente revisão contribua para o reanimar, de forma a ser autenticamente acatado e observado, tanto na letra como no espírito.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - O contrário seria criar, mais lima vez, a indiferença e o vazio na vida pública, com a irremediável consequência de o País vir a encontrar-se, entre céptico e alheado, diante do cadáver de uma lei à espera de sepultura.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Magalhães Mota: - Sr. Presidente: Sinto como sempre, mas hoje de modo especial, a responsabilidade de subir a esta tribuna.
Creio que foi com um misto paradoxal de orgulho e humildade que Oliveira Martins disse: «Pela minha boca, Senhor, falam oito mil súbditos.»
Pela minha boca, perdoe-se-me a ousadia, penso, falam alguns portugueses.
Aí está toda a autoridade com que falo. Outros títulos não trago, nem tenho.
Há alguns meses tive ocasião de, nesta mesma Câmara, expor algumas interrogações sobre as consequências políticas do urbanismo.
Dizia então que «as massas rurais chegadas à cidade ficam numa situação de marginalidade política, isto é, sem participação.
«O processo político é-lhes alheio, não se sentem representados, nem se identificam com as opções que lhe são oferecidas», e acrescentei: «creio que é a altura de traçarmos os caminhos que permitam que esta deixe de ser a situação da maior parte dos portugueses»
Repito hoje:
Creio que é altura de traçarmos os caminhos que permitam que esta deixe de ser a situação da maior parte dos portugueses.
Na verdade, julgo eu que o problema transcende o próprio fenómeno da urbanização, isto é, a não participação verifica-se que só em relação aos rurais chegados à cidade, mas em relação à «maior parte dos portugueses».
Não me parece útil transformar esta tribuna em lugar adequado para a investigação ou os estudos sócio-políticos.
Por isso não procurarei situar-me historicamente nas origens da questão, mas tão-sòmente recuar um pouco para ganhar perspectiva e evitar confrontos apaixonados e descabidos.
Assim, diria simplesmente que no após-monarquia português continuou o poder político a ter carácter oligárquico ou quase oligárquico.
Muito curiosamente o comprovam os estudos do Doutor Oliveira Marques 1, demonstrando como existe relativa proximidade, por exemplo, entre as percentagens de Ministros não nobres nos períodos de 1910 a 1917, 1917 a 1919, 1919 a 1926 e 1926 a 1933, acentuando-se que a partir da década iniciada em 1870 o número de titulares no Governo já decrescera aceleradamente - o duque de Ávila, Presidente do Conselho entre Março de 1877 e Janeiro de 1878 foi o último titular a constituir ministério, e entre 1900 e 1910 apenas três titulares (os condes de Paçô-Vieira, Penha Garcia e Castro e Sola, aliás titulares de fresca data) foram Ministros.
Igualmente, a escolaridade e os graus académicos dos governantes não revelam sensíveis diferenças em relação ao período monárquico, e o mesmo volta a verificar-se com a profissão dos governantes, em que na República de 1910 a 1932 continua a predominar o funcionalismo público, superando mesmo a percentagem atingida nos últimos tempos da Monarquia.
Claro que tudo isto são meros índices sociológicos.
Mas, para além do rigor da investigação histórica, quereria eu colocar-me numa perspectiva essencialmente política, qual é a de que a situação do País no período consagrado era a de um poder político fundado numa participação política limitada e também no compromisso político de sectores sociais em número reduzido.
Creio, aliás, que só numa situação de participação política extremamente limitada é possível compreender que, como previra João Chagas, a República tenha sido «proclamada pelo telégrafo».
Léon Poinsard não se sente sequer obrigado a alterar profundamente o seu trabalho: «Não basta mudar de rótulo político [...] para renovar uma nação Socialmente, Portugal continua o que era antes do 5 de Outubro [...] 2, escreve.
Fialho de Almeida entende o 5 de Outubro como «primeiro acto de um drama cuja acção nem sequer ainda se esboçou» 3.
Mais ainda: Ramalho podia lucidamente não distinguir diferença entre «monarquia constitucional parlamentar e república parlamentar constitucional» 4.
Que noutras perspectivas diferenças houve, e grandes, tenho-o como certo.
Pretendo apenas afirmar as semelhanças num campo.
Penso que me farão facilmente a justiça de acreditar ter eu previsto uma objecção fácil: a que consiste em assinalar a existência das «oposições» no jogo político nacional até 1926, o que invalidada a minha tentativa de não fazer distinção.
Sem aprofundar por agora a questão, quereria recordar que comecei por situar-me num plano em que considerei o poder político fundado numa participação política limitada e no compromisso político de sectores sociais em número reduzido. (Empreguei precisamente estas palavras.)
Participar no «compromisso político» não impede estar contra a política governamental: é o caso típico da britânica «oposição de Sua Majestade» - o que significa

1 Designadamente in O Tempo e o Modo, n.ºs 62/68, pp. 700 e segs., 67, pp. 67 e sege., ë 71/72, pp. 473 e segs.
2 Léon Poinsard, Le Portugal Inconnu, p. 418.
3 Saibam Quantos ..., p. 15.
4 Ultimas Farpas, p. 15.