O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

23 DE JUNHO DE 1971 2145

é estar dentro da legitimidade política vigente e aceitar as regras do jogo.
Desculpando-se-me o plebeísmo: não quero dizer que não houvesse mudanças de parceiros ou até alternância ao que se refere ao «parceiro» vencedor; o que quero dizer é que sempre o jogo foi jogado por poucos.
Por outras palavras: a vida política portuguesa de há um século a esta parte, pelo menos, tem assentado num compromisso de minorias, muito longe, portanto, da participação política total.
O facto, como facto, não me parece possa ser contestado.
O ponto está em achar bem ou mal; optarmos, decidida e corajosamente, por um caminho para o futuro.
Se queremos usar o povo como fonte de poéticas invocações ou moldura mais ou menos cenográfica dos acontecimentos, o caminho será um; se aceitamos e queremos uma pátria de todos, não madrasta de alguns, em que todos temos lugar com a mesma dignidade de pessoas, com a mesma virtual comparticipação no traçar do destino comum ... outro será e«se caminho.
É evidente que aceito a discussão: seja ela serena e leal, como todas deviam ser.
O que me desgosta são as «portas falsas», as fugas cómodas aos problemas incómodos, os ideais de rejeição na generalidade para evitar a discussão dos problemas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... o «olímpico» desdém ou a agressividade das costas quentes ..., o enredar-se em palavras disso acusando.
Retomando o ponto de partida, eu diria que até há relativamente pouco tempo aquele que passava a ter participação política se integrava com relativa facilidade, quer no quadro de actuação existente, quer na aceitação da liderança vigente nesse quadro.
Numa sociedade de tipo rural, por via do «cacique» ou do «galopim», que o mesmo é dizer por via de toda uma série de laços pessoais, familiares, profissionais e sociais, tudo era mais fácil.
Mas já aqui referi - e não vou agora aborrecer-vos de novo - que esses tempos estão passados; que as migrações, internas e para o exterior, a urbanização e as mudanças psicológicas e sociais que as acompanham, mudaram radicalmente a situação.
Gostaria, tão-sòmente, de repisar que, como então disse, há uma só resposta política: «dar aquilo a que aspiram os que se deslocam: um desenvolvimento económico mais acelerado; uma redistribuição de rendimentos de acordo, ao manos, com as aspirações populares à participação e ao consumo.
O caminho é o das reformas, cada dia mais necessárias e urgentes.»

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Quero ainda acrescentar um outro ângulo do problema: é que um compromisso político minoritário é, por natureza, instável, já que existem conflitos entre os grupos participantes, quer no que respeita à repartição entre si do poder, quer quanto à exclusão de outros grupos.
Não será necessário meditar longamente no problema nem ir buscar exemplos muito longínquos: é o caso dos regimes (parlamentares sem fortes maiorias, é o caso dos regimes da América do Sul, em que as forças armadas deixam de remeter-se «ao papel que lhes pertence de escudo defensivo da Nação».
Aí também a importância da participação política total: desmistificando os falsos profetas, os «únicos» guardiões da Pátria.

O Sr. Sá Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Este é, pois, o momento e o lugar.
Revendo a Constituição, havemos de interrogar-nos e escolher.
Pedir-nos-ão contas os portugueses que hão-de vir. Creio que a perspectiva que acabo de delinear importa mais a cima assembleia política do que o problema da natureza constituinte ou não do poder de revisão.
Não posso até deixar de exprimir alguma perplexidade por só a propósito da actual revisão o problema ser suscitado. É que a questão («em querer ir até à Antiguidade Grega) põe-se desde que o domínio político perdeu a sanção religiosa e a distinção, nos seus precisos termos, foi feita quando da Revolução Francesa 5.
Julgamos, aliás, que o problema só é clarificável numa óptica do direito como «contrôle social» próxima da de Pound.
O que tudo demonstra como o (problema não tem nesta Câmara o seu lugar próprio.
Por isso me ficarei numa noção extremamente simples: tenho para mim que, aceite a ideia de que a soberania reside em a Nação, sempre, e em qualquer momento, a Nação terá, necessariamente, poderes constituintes.
Sempre a Nação conserva a liberdade de, em qualquer momento, exercer esses poderes de soberania organizando-se sob novas formas, uma vez que tenha adquirido a consciência jurídica da necessidade destas novas formas.
Pode ela organizar-se de forma a querer, em prazos e por modos que determinou, rever essa organização.
Mas, a verdade é que o facto de a revisão se exercer em certo prazo e por certo modo não retira à Nação a sua força e o seu poder constituinte. E, por isso, exclusivamente a Nação quem, em cada momento histórico, fixa quais as alterações que se lhe afiguram necessárias ou, inclusivamente, opta por novo texto constitucional.
Daqui é que não há que fugir: nem percebo a coerência que possa existir nos defensores da tese do poder «constituído» com a oposição que manifestam ao sufrágio universal e directo como processo de escolha do Chefe do Estado, uma vez que esta é a fórmula plebiscitada em 1933 ...
Mas, seja como for, o problema não me parece justificar o relevo que lhe vem sendo dado, a menos que se procure uma «manobra de diversão».
É que nem a proposta, nem os projectos n.ºs 6/X e 7/X estão, de nenhum modo, em desacordo com a essência constitucional vigente.
Não se descortinam assim razões para o relevo dado à questão, a menos que também ela seja manifestação de preferência pelo imobilismo «ocultador» de problemas.
A verdade é que, para não pensarmos sequer no futuro que começou, a vida portuguesa mudou radicalmente nos últimos anos. Em 1950, o País era ainda predominantemente rural, com cerca de metade da população activa na agricultura, e o produto das indústrias transformadoras

5 Foi Sieyès quem distinguiu entre pouvoir constituant e pouvoir constitué.
Não sei até que ponto se esquecerá que normalmente a teoria de Sieyès é vista como um processo de substituir «a monarquia, ou domínio de um só homem, pela democracia, ou domínio da maioria». É, por exemplo, a posição de Hannah Arendt, in Sobre a Revolução, ed. portuguesa de Morais Editores, p. 161.