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2424 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 119

dirigido uma palavra às suas populações. O Sr. Prof. Marcelo Caetano, com aquela humildade que todos lhe conhecemos, disse:

Não proferi, porque não podia. Eu estava tão comovido ao ver aquela massa de gente que me transportava, eu vi tanta gente à minha frente, que não podia.
A minha voz estava embargada de soluços, eu não pude dirigir uma palavra àquela gente que ali estava.

Continuo:

Por isso, outra atitude que não a assumida perante as eleições para Deputados à Assembleia Nacional poderia significar uma incoerência, se não, até, uma desonestidade do nosso pensamento. O que se plebiscita por iniciativa do povo não carece de ser equacionado em campanhas de eleição.
Quanto vem de dizer-se conduz a garantir a afirmação de que Angola se não absteve, como não abdicou do seu direito de intervir num momento político que consideramos crucial para o futuro da Nação. Bem ao contrario, sem necessidade de recorrer às urnas e muito antes da abertura destas definiu, com consciente intransigência, a sua irreversível determinação pela integridade da Pátria e pela confiança depositada em V. Ex.ª e nas forças armadas no sentido de a defenderem de uma luta iniciada e aumentada pelo neocolonialismo de certas potências, coadjuvado pela insensatez de pretensos ideais, que já não esconde a cobiça de um interesseirismo estruturalmente comercial, na busca ambiciosa de mercados aparentemente fáceis.
Entenderam, pois, as Associações Económicas de Angola, responsáveis que são por um vasto sector da economia da província, que não deveriam renunciar à obrigação de trazer a V. Ex.ª neste preciso e grave momento o testemunho directo da sua confiança, enquadrada nas afirmações que vimos de produzir.

Estas foram as palavras dirigidas pelas Associações Económicas de Angola, responsáveis por grande sector daquela província, quando decidiram abster-se ou não intervir no último acto eleitoral, depois das afirmações que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho fez, dirigidas ao ultramar.
Resta-me terminar. E, para fazê-lo, quero contar a VV. Ex.ªs uma pequena historia passada no Cuando Cubango com o então governador daquele distrito comandante Sousa Machado, que um dia, discutindo se determinado objecto era de origem quilengues ou de outra origem, de outra etnia, perguntou a uma criança, que era filha do homem que tinha feito aquela obra:
- Ouve lá, explica-me: o teu pai de que raça é? E quilengues ou é...? - não me recordo da outra. E o garoto, com a ingenuidade própria e com espontaneidade, disse:
Não, o meu pai é português.
Pois, com estas palavras parece-me que termino, dando a minha aprovação à proposta do Governo, que penso enquadrar-se perfeitamente na política actual da Nação portuguesa.
Tenho dito.

O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: Também eu, em certo sentido, me sinto desacompanhado - quase orgulhosamente só - em algumas atitudes que tomei em relação à proposta de revisão constitucional, nomeadamente no que se refere ao ultramar.
O facto não abala o meu espírito nem perturba a minha consciência.
Durante quase doze anos prestei no Governo a minha devotada colaboração a Salazar, e permaneço constante na minha devoção e inalterável na minha fidelidade.
Mas, no prolongamento daquela colaboração e na permanência dos meus sentimentos, dou a minha aprovação ao preceito que se encontra em debate, cônscio das minhas responsabilidades, dos deveres que decorrem do meu passado e sem renúncia de princípios ou abandono de posições, que, ao contrário, reafirmo na sua plenitude.
A proposta consagra, com efeito, a unidade da Nação, a integridade territorial, a solidariedade de todas as parcelas do conjunto português, a sua comunidade de vida e de destino.
São estes os valores supremos a salvaguardar e que a proposta governamental, na sua indiscutível autenticidade, acautela e proclama com intransigente portuguesismo e como imperativos indeclináveis.
Na continuidade do meu pensamento de sempre e de acordo com a minha ideia da Pátria, da sua vocação e do sentido da sua história, dou o meu acordo ao preceito em discussão e testemunho ao Governo a minha solidariedade.
Muito obrigado.

O Sr. Júlio Evangelista: - Nenhum de nós, Sr. Presidente, estou seguro disto, lava as mãos do passado ou pretende lavar os mãos do passado; as nossas mãos mergulham bem, mergulham bem na autenticidade e na legitimidade da tradição portuguesa. Nessa tradição, na tradição administrativa portuguesa, Sr. Presidente, se enquadram, como pontos permanentes, e isto já foi esclarecido nesta Câmara, o da descentralização e o da autonomia.
Segunda constante, Sr. Presidente, a constante secular do ataque externo ao nosso ultramar.
E destas constantes que saem as raízes profundas em que Portugal tem encontrado as mais hábeis ou mais dolorosas soluções, com as suas armas, o sangue dos seus soldados, o sangue dos seus filhos, e as soluções dos seus estadistas, da inteligência dos seus estadistas, do hábil e acutilante espírito dos seus diplomatas.
Pois, Sr. Presidente, este artigo 133.º, proposto para o texto constitucional, implica a referência aos estatutos próprios das províncias como regiões autónomas: estatutos próprios, regiões autónomas e designação de estados. Os estatutos que o artigo 133.º perconiza para as províncias ultramarinas mergulham na legitimidade da tradição portuguesa;, são nos tempos de hoje os velhos forais dos nossos concelhos ampliados à prodigiosa dimensão dos territórios de além-mar.
Só o racionalismo, com os códigos racionalistas do século passado, e o pensamento liberal vieram quebrar esta tradição do verdadeiro localismo e das leis locais na sua autenticidade e na sua tradição brilhante e pujante.
As regiões autónomas, quanto às províncias ultramarinas, também já se esclareceu, decorrem da singularidade do corpo e da singularidade da alma de Portugal. Da singularidade do corpo de Portugal pela descontinuidade geográfica; da alma de Portugal porque não somos um povo que se possa afirmar dispor de unidade étnica, de unidade religiosa, de unidade cultural. Pois são estas diversidades cultural, étnica e religiosa, conjugadas com a descontinuidade geográfica, que impõem a autonomia viva e vivida das províncias ultramarinas.