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2618 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 13

sinaram a literatura barroca, mas a historiografia e a crítica contemporâneas comprovaram a inanidade de tal tese.
É indispensável não confundir, em primeiro lugar, obra literária com panfleto, com escrito propagandístico ou similar, e que de natureza estética possua apenas a máscara. Até sob o regime dirigista russo se escreveram e publicaram grandes obras literárias e, em casos extremos, nem a «cortina de ferro» pôde impedir que os prelos do Ocidente difundissem obras-primas de escritores russos tidos como «revisionistas» e «heréticos». Não há, efectivamente, barreiras e cárceres que logrem suspender o curso das ideias e o voo do génio. Mas é corrente, isso sim, na vida intelectual e artística, a busca de um alibi que possa dissimular a impotência criadora.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois, é necessário reconhecer, como há diais escrevia Virgílio Ferreira em A Capital, que há muitos e grandes escritores que foram e são politicamente «reaccianarias», não sofreado contestação que o teor de uma ideologia é um factor não pertinente no universo dos valores estéticos, por muito que pese aos marxistas dogmáticos e aos intolerantes provincianos que apenas sagram com o sinete do talento ou do génio os camaradas de trincheira e os confrades de «capela».
Apesar de todos os prejuízos e resultados nocivos advenientes, repito, do regime de censura, Aquilino Ribeiro escreveu e publicou obras-primas como essa cáustica e irreverente Casa Grande de Romarigães, Miguel Torga e José Régio escreveram alguns dos mais belos poemas da língua portuguesa, e afirmou-se, nos últimos vinte anos, uma magnífica plêiade de romancistas e poetas.
Estas palavras, se pretendem ser um contributo para a apreciação e a avaliação serenas de um passado recente, não são, como decorre de quanto ficou dito, uma defesa. Entendo que, na tarefa de renovação e revitalização da vida política nacional que o Sr. Presidente do Conselho se propôs levar a efeito, com coragem e prudência, a aprovação parlamentar de uma lei de imprensa representa um ponto culminante, pois tal diploma vai possibilitar um novo alento às liberdades públicas e permitir uma respiração mais sadia às manifestações da cultura e da informação. Não haverá sector da vida nacional, pública e privada, que deixe de colher benefícios do regime de imprensa agora proposto, pois a discussão objectiva e fundamentada, o espírito crítico, ai independência de opinião e juízos, quando exercidos tendo em vista o bem comum, não estiolam, antes revigoram e dignificam os indivíduos e as comunidades.
A proposta de lei n.º 13/X, como se lê no seu preâmbulo, apresenta como postulado fundamental o asseguramento da liberdade de imprensa, dentro dos limites «marcados pelo interesse superior da colectividade e pelos interesses individuais dignos de protecção». Em matéria de tal importância e melindre, afrontam-se, como é sabido, duas teorias radicalmente distintas. Uma, formulada primeiramente por Platão, com o vigor dialéctico que lhe é habitual, não no diálogo A República, como, por lapso, se diz no parecer da Câmara Corporativa, mas no diálogo As Leis, e segundo a qual o Estado não pode consentir na difusão de doutrinas que, de qualquer modo, colidam com a verdade do mesmo Estado. Tal teoria, retomada por J. J. Rousseau nessa bíblia do totalitarismo democrático que é Du Contrat Social (ct. liv. IV, cap. VII), informa substancialmente, através da matriz hegeliana, a filosofia política dos estados totalitários contemporâneos.
Outra teoria expressa pioneiramente por Milton no panfleto intitulado Aeropagitica, For the Liberty of Unlicensed Printing, solenemente acolhida e consagrada no artigo XI da Déclaration des Droits de l'Homme et du Cïtoyen, e difundida depois pelo ideário da revolução Francesa e do Liberalismo europeu, proclama a liberdade de imprensa como «um dos direitos mais preciosos do homem», indo mesmo ao ponto de estabelecer que «o direito de manifestar o seu pensamento pela imprensa é absoluto. Não pode ser interdito (apud Jacques Bourquim, la Liberté de la presse, Paris, s. d. pp. 71-72).
Ora, a proposta de lei em apreço, adoptando uma solução que se inscreve tipicamente na filosofia política do Estado social de direito, reconhece expressamente, numa das suas bases, o direito de liberdade de imprensa, mas, em vez de o definir e consagrar em dermos de estrito individualismo, como acontecia no Estado liberal de direito, define-o e situa-o num plano meta-individual, caracterizando o seu exercício como uma função social e uma actividade de interesse público. Desta atitude doutrinária fundamental, cujo espírito informa todo o nosso ordenamento político-jurídico, decorre, logicamente, o estabelecimento, em bases subsequentes, das garantias e dos limiteis do direito de liberdade de imprensa.
Esta intervenção do Estado, consubstanciada em várias medidas jurídico-administrativas na actividade da imprensa - e refiro-me agora, em particular, à imprensa periódica -, poderá suscitar apreensões e reacções hostis em espíritos afeiçoados, por formação ideológica ou até por pendor de temperamento ao credo liberal. E provavelmente não faltará quem, contraditando tal intervenção em nome dos principies, a venha aceitar apenas em nome da conveniência imposta pelas circunstâncias, adoptando assim uma forma de pragmatismo que poderá constituir tão-só um disfarce de um anonalismo oportunista. Pois, eu creio: que semelhante intervenção do Estado se justifica tanto no plano doutrinário como no plano pragmático. E direi porquê.
Vejamos, em primeiro lugar, as razões que derivam da consideração do plano estritamente pragmático. Vai longe o tempo em que o jusracionalismo, firmado nos ditames e nas exigências dia razão, sucedâneo laico da inteligência divina, conduziu à conceituação do direito positivo como uma actualização das normas intemporais e universais do direito natural. A experiência dos povos e os horizontes rasgados por novos sistemas filosóficos vieram demonstrar a historicidade dos próprios «conteúdos jurídicos naturais» e nem o político nem o legislador podem hoje esquecer que não lidam com homens abstractos e com sociedades idealmente situadas fora do tempo e do espaço.
Esta lei, que agora nos cabe discutir e votar, foi elaborada para um pais que viveu, durante perto de quarenta anos, sob um regime de censura prévia; que possui uma imprensa periódica mal preparada, sob vários aspectos, para enfrentar as exigências e as responsabilidades inerentes ao seu novo estatuto; que tem soldados a lutar e a morrer em nome de imperativos nacionais; que sofre, nesta hora tão revolta das sociedades burguesas ocidentais, o assalto de um multiforme terrorismo pré-revolucionário. O Governo e a Assembleia legislam para este país concreto e têm de atender, com realismo e lucidez, ao seu condicionalismo geral.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não se trata de impor ardilosamente uma espécie de determinismo fatalista, expediente bem conhecido de déspotas, ávidos de prolongar indefinidamente o seu