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2634 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 131

É uma dessas a palavra «liberdade», de quem Herculano já dizia não ser um meio, mas um fim, e que Mme. Roland, a célebre girondina, invectivou ao subir para o cadafalso em plena Revolução Francesa: «Liberdade - quantos crimes se cometem em teu nome?»
As liberdades - o uso desta palavra no plural tira-lhe o aspecto mítico e dá-lhe carácter realista -, as liberdades da pessoa, ia a dizer, que se deseja cada vez mais florescentes, encontram, como sabemos, seu limite no interesse comunitário, ou seja, ao atingirem, a- fronteira dia liberdade dos outros - tal como mo3 ensinam os «direitos do homem».
Tem-se dividido o mundo moderno em dois mundos:
O mundo socialista - que para lá da «cortina de ferro» ou de «bambu», com os satélites que o imitam ou para ele se encaminham nos diversos continentes -, o mundo socialista, dizia, cultiva o materialismo dialéctico, em que as liberdades pessoais se restringem em holocausto à comunidade endeusada como fim último de todas as coisas -, sob a égide do Estado e do partido, patrões do espírito e do corpo.
No mundo livre, como lhe chamam, há uma grande diversificação de ideias e atitudes, mas um pressuposto comum: o apego às liberdades pessoais.
Na corrida do progresso, procurar fortalecer as liberdades da pessoa humana no justo equilíbrio com a interdependência dos cidadãos e com o interesse comunitário - eis o ponto do encontro proposto a todos os homens, neste Ocidente ainda cristão.
É assim aspiração de todo o homem que as suas actividades se exerçam dentro das mais amplas liberdades.
Mas messe Ocidente, pátria comum das liberdades humanas, o progresso tem tido como preço, em certos aspectos, a restrição das liberdades individuais. O interesse comunitário, a promoção humana, a produtividade, a necessidade do trabalho em, equipa, a própria engrenagem social a que o progresso nos levou, cada. vez mais obrigam, de certo modo, a disciplina, restrição, método, obediência às regras, abdicação da vontade. Já não se pode atravessar uma rua onde e quando se quer.
E a liberdade de pensar, pelo menos em relação às massas, é às vezes condicionada pelo que as editoriais, a imprensa, as livrarias ou a rádio Lhe fornecem ou sugerem. A publicidade, a moda, a necessidade de gastar o que dá dinheiro ao produzir-se constituem pecado mortal da sociedade de consumo, onde os bens materiais a usufruir preocupam mais do que as coisas do espírito. O exercício das liberdades políticas continuas por força da complexidade da vida comunitária, do primado do social e do económico, a só poder exercer-se através da participação pouco directa de cada cidadão nas decisões muito genéricas da comunidade.
Sr. Presidente: Não nos traz acalentadoras lições à história da liberdade de imprensa em Portugal. À agitação que na 1.ª República ela fomentou - com assaltos aos jornais, mão impedidos pela polícia e tantas vezes aliciamento à subversão - sobreveio um regime de censura prévia, que começou por ser justificado pela necessidade de ordem nas ruas e da reconstrução do País, a saque. Continuou depois a tentar explicar-se pela necessidade de defesa do Estado a guerra de Espanha, a 2.º Guerra Mundial e o período de guerra ultramarina, que vem de 1961 para cá.
A saída do actual regime de imprensa obriga a uma educação progressiva da pena que escreve e da opinião pública que lê e ouve, em ordem ao bem comum e à paz comunitária serem servidos. E, sobretudo, para que nada se perca, quando se trate do interesse nacional, como a esmagadora maioria dos portugueses o entende. Compreende-se assim que seja proposta uma lei de bases genéricas e que entremos num período de adaptação, em que, por civismo, todos devemos colaborar. Todos - excepto os que por objectivo político pois tão interessados no quanto pior, melhor.
A legislação do «direito de imprensa» foi sempre difícil.
Em França, quando em 1881 se fez a primeira lei de imprensa, havia já quarenta e dois diplomas legislativos com as mais contraditórias disposições. Em 1959, no prefácio do Dictionnaire de Press, de Lucien Solal, lê-se que eram centenas os textos legislativas e regulamentares, e cento e vinte infracções diferentes podiam ser cometidas em relação a essas leis.
Não pode dizer-se, aliás, que seja reconfortante o panorama da liberdade de imprensa no mundo do nosso tempo. Ao lado do his master's voice dos países socialistas vemos os meios de comunicação nas restantes nações mais ou menos comprometidos ou enfeudados a grandes grupos económico-financeiros, com os seus interesses, alianças e limitações, a grupos políticos ou confessionais, à exploração anódina da publicidade.
O homem mão engagé e sem dinheiro, se não constitui «isca» publicitária, está inseguro de difundir o que pense, de fazer campainha contra determinado mal que detecte ou de bater-se por um ideal de justiça em que esteja empenhado.
A desenvoltura sarídica e livre do Canard enchainé ou ais cooperativas de jornalistas livres de interesses acessórios não são ainda florescência exuberante no nosso século. E na diversidade dos interesses em jogo, as leis de imprensa têm de adaptar-se a cada caso e a cada solução conjuntural, em ordem a aproximarem-se o mais que possam da justiça que sirva a ordem pública e o bem da comunidade nacional.
Há tempos, alguns milhares de católicos holandeses quiseram publicar nos jornais daquele país uma exposição que haviam dirigido à hierarquia. Fechadas quase todas as portas dos diários do seu país, conseguiram-no apenas em dois jornais secundários, de tiragem pequena e a título de publicidade paga. Não ia esse documento ao encontro da. moda progressista perante o público leitor - logo não era publicável pela grande imprensa comprometida.
Diz-nos, um pouco duramente, Luís Castelo num artigo da Brotéria:

De facto, rebus sic stantibus, a informação encontra-se hoje tomada entre as duas pontas de uma mesma tenaz: o dinheiro e o poder. O dinheiro a oeste, o poder a leste.
Certo homem da esquerda escrevia algures que liberdade de imprensa é igual a maturidade social e índice de desenvolvimento. Sem dar por isso, estava a chamar adolescentes e subdesenvolvidos aos seus amigos de além «cortina, de ferro» e a quantos querem utilizar a liberdade de informação para implantar a ditadura socialista.
Sr. Presidente: No testemunho de uma afirmação feita pouco depois de chegar ao Poder, o Sr. Presidente do Conselho trouxe, pela pasta da Justiça, à discussão pública e à Assembleia Nacional a lei de imprensa. Corajosa e coerente atitude, nas delicadas circunstâncias da actualidade nacional e da vida do Mundo!
Teve a proposta de ser corolário dessas múltiplas circunstâncias; representa uma evolução de base em relação aos quarenta anos de censura prévia. Tem de prever nos riscos da sua execução as reacções do jornalismo de