29 DE JULHO DE 1971 2635
todos os sectores e da própria opinião pública. Põe à prova o civismo destas duas forças. O projecto de lei dos Srs. Deputados Sá Carneiro e Pinto Balsemão representa contribuição de interesse, pela sinceridade das suas intenções.
A opinião pública, não o esqueçamos, é uma misteriosa força facilmente impressionável e que não é constituída só por intelectuais. Tem consciência e reacções próprias, as quais nem sempre representam a maioria numérica ou coincidem com as realidades e o interesse comunitário.
A formação e informação da opinião pública obriga os meios de comunicação de uma deontologia interior e exterior, onde predominem o civismo, o amor à verdade e o sentido de uma responsabilidade altíssima na hora do Mundo, em que eles são os factores principais da transformação de uma civilização de elites em civilização de massas, ao porem cada homem, em contacto com os outros homens e ao influírem decisivamente sobre as situações sociais, políticas e até religiosas.
É que a imprensa, como todos os meios de comunicação, não impulsiona apenas o facto bruto.
A interpretação dos factos, a valorização dos aspectos de que interessa tirar lição e a intencionalidade e saliência que se lhes dá conduzem, orientam e «comprometem».
O caso do «abominável homem das neves» ou do «monstro de Lockness» são índice da capacidade dos meios de comunicação em tornar verosímeis as maiores irrealidades.
É nesta panorâmica, e quando os jornalistas se procuram libertar dos males em que se debatem os meios de comunicação, que no nosso país vai ser votada a nova lei de imprensa.
Na hora do requiem pela censura, tenho de dizer que ela prestou ao País, em muitas circunstâncias, relevantes serviços. Não podendo ter ao seu serviço intelectuais de certo nível a todos os escalões, era desigual, inoportuna e muitas vezes paradoxal nas suas decisões.
Mas, como o futuro o demonstrará, ela fez, por vezes, a cobertura de muitos dos que a atacam, serviu muitas vezes de pretexto e explicação para a censura interna dos jornais; para justificar atitudes acomodatícias ou simplificar responsabilidades.
Se nenhuma lei é definitiva, esta menos o será, surgindo experimentalmente, em face da múltipla fenomenologia política e social a que me venho referindo.
Mais uma vez a Câmara Corporativa deu notável e minucioso parecer, na sequência de uma tradição respeitável e utilíssima. Fica este, como os outros, a constituir estudo doutrinário profundo e .documentação preciosa. A comissão eventual justificou plenamente, como as anteriores, um estilo de trabalho utilíssimo também. Fez síntese difícil e benéfica, clarificou a proposta de lei, dispôs melhor alguns assuntos, acrescentou uma base indispensável sobre o ensino do jornalismo e outra sobre a imprensa regional.
É pena que não contemple em qualquer das suas bases VDS giornalisti publicisti a que se refere a lei italiana, citada pela crítica do Sindicato Nacional dos Jornalistas.
Fico também com dúvidas se o cidadão é suficientemente protegido contra os abusos da imprensa - aspecto importantíssimo, sobretudo nas terras de província.
Houve quem falasse em «tribunais especializados», em vez dos tribunais comuns para a tutela destes casos. Até agora, as acções postas pelos ofendidos arrastavam-se, . algumas vezes, durante longos meses pelas três instâncias e acabavam as penas, suspensas ou não, por serem abrangidas por uma amnistia. Ora, o castigo do prevaricador neste caso, para ter efeito educativo, profiláctico, exemplar, e constituir justa compensação para o ofendido, tem de ser imediato. De outro modo, é quase inútil. As bases da lei permitem todavia regulamentação que firme neste (aspecto. Quero salientar a base da lei que se refere ao estímulo e ajuda à imprensa regional, submersa em enorme dificuldade. Presto nesta tribuna homenagem à valorosa pequena imprensa regional, sempre presente e sempre firme nas horas graves da Nação, chegando com sua reduzida tiragem ao âmago das pequenas terras e servida por homens que nela escrevem com sacrifício e idealismo. E fico por aqui. Nas actuais circunstâncias, tem-se sempre o complexo de ter-se falado de mais ou pouco utilmente. Uma referência final ao esforço do Governo para evitar os males da concentração excessiva das empresas jornalísticas e apoiar o profissional de imprensa na defesa da sua personalidade profissional.
Aprovo, pois, a proposta do Governo na generalidade. E termino, endereçando à imprensa do meu país as palavras que o cardeal Colombo dirigiu aos jornalistas em Janeiro de 1970:
Jamais a vossa palavra sirva ou encoraje a violência e o erro, mas antes seja semente e germe de amor e verdade.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Vaz Pinto Alves: - Sr. Presidente: Ouve-se, por vezes, dizer, nem sempre traduzindo uma realidade objectiva, que a liberdade está em crise e que o homem a vê limitada na sua livre expressão de pensamento.
O problema da livre expressão do pensamento tem evoluído no tempo através das diversas concepções históricas e das perspectivas que a estrutura comunitária lhe configurou, reconhecendo-se, desde há muito, e como património universal, a existência de um direito individual que legitima a liberdade de pensamento nas suas mais diversas formas. Ora, é evidente que, no contexto geral das liberdades individuais, o problema da livre expressão do pensamento assume uma relevância especial e o seu conteúdo não é isento de dificuldades, consoante o prisma pelo qual se encara e a tónica que se acentua. E por de mais evidente que, tal como no campo dos outros direitos humanos, a liberdade de cada um é limitada pela liberdade dos outros, e vice-versa, a fim de que a ordem e a paz floresçam no bem comum. A liberdade traz consigo o pluralismo, a diversidade, o esforço de compreensão, mas exige grande sentido cívico e responsabilidade.
Daí que não pareça exacto falar-se na crise da liberdade. É que o seu exercício, por exemplo através da livre expressão do pensamento, se exige como pressuposto prévio, a liberdade, não pode deixar de conter limites na sua manifestação, antepondo a sua função social ao livre alvedrio de cada um.
A lei há-de ter como finalidade o equilíbrio salutar do conjunto das liberdades, isto é, as de cada um em si mesmas consideradas e a sua relação com as dos demais, bem como a cooperação de todos, com vista ao bem do corpo social! Ora, se a liberdade de imprensa deve expressar uma função social, convenhamos que o que se terá produzido, por imperativos das realidades sociais, é ter-se transladado o centro de gravidade do campo individual - segunda a configuração do Estado liberal - para o social, como natural exigência de um Estado social do direito de configuração pluralista. Efectivamente, se o exercício dos direitos políticos se deve caracterizar pela participação das várias correntes de opinião, à excepção da anarquista e marxista-leninista, numa expressão consciente de busca