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29 DE JULHO DE 1971 2641

Depois, já neste século, e como reacção a este mesmo liberalismo, vem a estruturação de sociedades obedecendo ao princípio de que cada homem não vale em si mesmo, vale como parte ou átomo de um todo, que para o fascismo é nação, para o marxismo é classe proletária. Também aqui o homem não encontrou naturalmente o seu espaço indispensável de liberdade ao serviço de proclamados interesses colectivos, foi manipulado como mero objecto. Não admira que, particularmente a partir do fim da última grande guerra mundial, ressurgisse com pleno fulgor a concepção personalista cristã do homem. Cada homem é uma pessoa, ser inteligente; inteligência cujo sentido é busca da verdade, que tem como alavanca de acção a vontade e que implica necessariamente a liberdade.
Sendo cada homem pessoa responsável, integralmente, pelas suas opções, ele é essencialmente autónomo, o que de nenhum modo permite identificar esta concepção personalista com a concepção individualista.
Para o personalismo, embora cada homem seja efectivamente autónomo, e na medida que em cada um reside integralmente toda a natureza da pessoa humana, contudo, não por fatalidade, mas por imperativo da sua própria natureza, ele vive e convive com os outros homens, cada um dos quais como pessoa também.
As relações sociais estabelecem-nos assim num tecido de dar e de receber entre pessoas, isto é. estabelecem-se numa base personalizada de comunicação. Por isso, no plano dos princípios evidentemente que na prática as coisas não se passam com a mesma facilidade -, é inaceitável que se diga que a liberdade dos outros limita a minha liberdade ao contrário.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Almeida Garrett: - Se V. Ex.ª me consente, eu queria fazer-lhe uma pergunta.
Tenho-o ouvido com o máximo interesse, embora V. Ex.ª tenha feito uma prévia declaração de humildade, relativamente à sua exposição no plano científico ...

O Orador: - Á declaração foi sincera.

O Sr. Almeida Garrett: -... nomeadamente quanto ao problema das relações sociais e da comunicação. E é nesse ponto que eu queria pedir um esclarecimento a V. Ex.ª, parque ele é decisivo para poder acompanhar, em toda a sua dimensão e em todas as suas implicações, o raciocínio de V. Ex.ª
O pedido de esclarecimento é este: se as palavras que V. Ex.ª tem dito nos últimos momentos significam que a sociedade, como trama de relações sociais e certos processos da comunicação interpessoal - e até aí todos estamos de acordo e de acordo estão todos os autores de ciências sociais, como V. Ex.ª sabe -, se orienta apenas por aquilo que os sociólogos chamam orientações individuais, depreendo, aparentemente pelo menos, que as suas considerações se enquadram dentro de uma corrente muito difundida, mas talvez não perfeitamente actual
- desculpe que lhe diga - da famosa interdependência não planeada.
Como V. Ex.ª sabe, toda a orientação de interdependência não planeada, tendo como base a teoria muito conhecida de Darkheimm, é no sentido de cada homem, pela sua própria natureza, que busca as relações interpessoais, como processo de realizar, mais perfeitamente em sociedade, os seus fins próprios.
Ou seja: que a sociedade tenderia a ser orientada, fundamentalmente, por finalidades individuais. Portanto, a sociedade, como grupo, seria orientada por orientações individuais, e não por orientações colectivas.
Hoje, no pensamento das modernas escolas de filosofia, nomeadamente a escola norte americana, o que se acentua é que a sociedade, como grupo, se orienta para além das puras orientações individuais, fundamentalmente por valores colectivos.
Eu queria que V. Ex.ª precisasse o seu pensamento sobre isto, se fizesse o favor.

O Orador: - Muito obrigado pela intervenção do Sr. Deputado Almeida Garrett, porque me dá oportunidade de realmente, esclarecer aquilo que penso sobre isso, pois tem, evidentemente, a sua importância.
Devo, em primeiro lugar, dizer que não sou, como V. Ex.ª sabe, de maneira nenhuma um perito em ciências sociais.

O Sr. Almeida Garrett: - Eu também não ...

O Orador: - Mas tem mais obrigação de sê-lo do que eu ...

O Sr. Almeida Garrett: - Desculpe-me, obrigação não é o termo, pois sou um economista, não um sociólogo.

O Orador: - Mas está muito ligado, necessariamente. Senão seria um tecnocrata ...
Não gosto do termo «indivíduo» (isto não é uma opinião subjectiva), mas sim do termo «pessoa».
A pessoa é um sujeito inalienável enquanto tal, e isso é perfeitamente claro para o cristão.
Cada homem será julgado individualmente pelo que fez, pelas opções que tomou. Não será julgado em grupo. Simplesmente, embora, como eu disse, a natureza humana exista toda em cada homem - não em grupos -, contudo, faz parte da natureza do mesmo homem a vida de relação com os outros homens, tomados também enquanto sujeitos, relação esta tomada neste sentido, que não era, efectivamente, de nenhum modo, a do individualismo liberal. E, por isso, perfilho integralmente quer os documentos dos últimos Papas, quer do último concílio, no sentido de que a sociedade está ao serviço da pessoa e que o bem comum - como lá se define - é precisamente o conjunto das condições que permitem a cada homem a sua realização integral, realização que inclui, necessariamente
- mais do que inclui - vai ter a sua máxima expressão no serviço livre de cada um aos outros, aos outros tomados como seres livres. Eu creio que teríamos uma ideia muito clara do que seria um mundo sem liberdade, um mundo em que as descobertas recentes da genética, no nível bioquímico, por um lado nos abrem possibilidades extraordinárias, no sentido de extinguir muitos males, mas ao mesmo tempo possibilidades terríveis de fazer homens autómatos - o que me faz lembrar «O Admirável Mundo Novo», do Huxley. Começa a ser possível fazer-se isso...
Esse mundo, em que o condicionalismo já nem viria dos meios de comunicação: vinha do próprio código genético manipulado pelas possibilidades que a ciência oferece. Profunda desumanização a de um mundo desses.
Por isso, eu dizia que, no ponto de vista dos princípios - embora na prática a questão, evidentemente, não se passe com essa facilidade -, para que a minha doação seja verdadeiramente humana, isso implica que os outros tenham a liberdade ou não de a aceitar.