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2978 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 147

Talvez assim aconteça em teoria. No nosso país, a um pronunciado aumento de aforro, bem evidenciado pela proposta de. lei, tem correspondido um investimento medíocre, em valor relativo e em qualidade.

Como explicar tal facto, se ele só favorece a inflação e impede a formação de capital fixo? Entre outras razões, podem referir-se a carência de atractivos por parte da indústria; a inexistência de uma bolsa de valores eficaz; o perfeito abandono a que foram votadas as poupanças dos emigrantes; a facilidade com que se colocam capitais no estrangeiro e, naturalmente, a concentração a que já me referi.

A facilidade com que milhões de contos são fraudulentamente transferidos para outros países em termos de, nos momentos mais inoportunos, voltarem a inundar o nosso mercado de capitais, deixa-me verdadeiramente atónito e a duvidar da razão que assistia às autoridades quando metiam na cadeia os desgraçados que eram levados a emigrar clandestinamente.

Esses, porque transitavam o seu próprio corpo, eram taxados de traidores; os outros, porque sujeitam os interesses do País às suas próprias maquinações de grandes financeiros, gozam da consideração e respeito que só a fortuna concede.

Vozes: — Muito bem!

O Orador: — Enfim, prefere-se o oportunismo ao esforço criador, a traficância ao

trabalho esclarecido. E por isso não admira que, de 1966 para cá, o investimento total tenha estagnado, mercê de uma diminuição progressiva do investimento privado. De acordo com elementos apurados por Alfredo de Sousa verifica-se, decompondo o investimento bruto dos últimos anos, que:

a) Enquanto a parte do sector secundário tende a diminuir, aumenta a do sector terciário (34,5 e 56,6 por cento, respectivamente, em 1969);

ò) A parte correspondente à indústria transformadora tem decrescido constantemente;

c) O investimento em casas de habitação tem aumentado progressivamente para, em 1969, se tornar maior do que o relativo à indústria transformadora (26 e 25 por cento, respectivamente) ;

d) A parte correspondente à agricultura é irrelevante (5,8 por cento em 1969).

Estes números traduzem, realmente, uma situação preocupante no que respeita à confiança que os investidores nacionais depositam no futuro da nossa economia.

A agricultura enferma de males tradicionais e sujeita a jugos que a estrangulam, serviu de esteio e trampolim a uma política de industrialização em larga medida tornada irresponsável por proteccionismos e benesses de toda a ordem. Sem empresários à altura a nossa indústria fez figura de progressiva enquanto pode manobrar o mercado interno, incluindo o do ultramar, a seu bel-prazer.

Hoje, no dealbar do tal mundo novo, sente esboroar o seu pedestal de barro. Por isso não atrai o investimento de quem pode e sabe investir, de quem conhece horizontes mais largos do que as nossas fronteiras. Para a média e pequena poupanças fica aberto o campo do investimento imobiliário canseirosamente acarinhado por toda uma cáfila de especuladores de terrenos muito difíceis de dominar pela Administração. E à sombra dessa política habitacional temos visto, graças a Deus, surgir de tudo.

O Sr. Ávila de Ázevedo: —Muito bem!

O Orador: — Os clamores que se levantam encontram pouco eco e muitos milhões têm sido, desta forma, subvertidos pela ânsia de aproveitar a onda de especulação que se abateu sobre a grande Lisboa. O País, em si mesmo, pouco lucrou com isso; mas a inflação tornou-se galopante.

Vozes: — Muito beml

O Orador: — O Governo tem procurado, por todas as formas, combater este processo constante de desvitalização. Mas o investimento público só representa 20 por cento do total e é naturalmente coarctado pelas elevadíssimas despesas operadas no sector militar. Temos, por consequência, neste momento, um poder de compra que excede de longe a nossa capacidade de produção de bens de consumo. Não admira, pois, que o deficit da nossa balança comercial aumente sem cessar e só possa ser coberto pelas remessas de invisíveis resultantes do trabalho de emigrantes ou da visita de turistas.

Praza a Deus que essas remessas se mantenham. Praza a Deus que a nossa indústria seja capaz de superar a crise de adaptação aos novos condicionalismos a que não nos podemos furtar. Praza a Deus que possam surgir, a breve trecho, os novos empresários agrícolas capazes de conduzir o sector a bom termo quando os que hoje são velhos puderem, finalmente, descansar.

Em boa verdade, ao ritmo a que o desenvolvimento hoje se processa, bem se pode pensar que em cada geração se criam as condições necessárias ao surto de uma nova sociedade. É o crescimento do produto, a urbanização, a facilidade das comunicações, a permeabilidade a novas ideias, é toda uma nova atitude perante a vida a não permitir a adopção, por tempo indefinido, do esquema de valores que o passado nos transmitiu. No último decénio a estabilidade que caracterizou a nossa sociedade foi violentamente abalada pela necessidade de acudir em força ao ultramar e pela partida em massa de homens válidos e populações inteiras para alguns países da Europa. Da conjugação destes dois fenómenos resultaram as perturbações inevitáveis, de índole económica, política e social. Não estão ainda suficientemente estudadas para se poder ponderar sobre as vantagens e inconvenientes que delas advieram; mas não se lhes pode recusar a amplitude e vigor suficientes para alterarem por completo os equilíbrios laboriosamente mantidos ao longo dos últimos decénios. Estamos, pois, caminhando ràpidamente para um mundo novo.

Uma vez radicada esta convicção, toma-se indispensável fazer um esforço no sentido de definir, a traços largos, o que queremos que seja o quadro de vida e a nossa sociedade no dealbar do novo milénio. Pede-se aos responsáveis uma atitude voluntarista e uma grande disponibilidade ao serviço de uma forte curiosidade para interrogar o futuro. Algumas premissas podem já ser adoptadas como realidades irreversíveis: uma solidariedade internacional cada vez mais forte e uma tendência para adoptar sem reservas os padrões de vida dos países mais desenvolvidos.

A primeira leva a considerar obsoleta a ideia de que seja possível, a qualquer país, viver à margem da grande sociedade das nações, por muito que se discorde dos seus fundamentos e doutrinas; a segunda admite, quanto a mim, uma atitude mais independente, baseada numa reflexão selectiva. E exactamente sobre ela que procurarei adiantar algumas ideias.

Encontramo-nos numa fase crucial de adaptação das nossas estruturas económicas e sociais a condicionalismos impostos pelas necessidades de um desenvolvimento ace-