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2980 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 147

Tem-se afirmado nesta Câmara, e de modo cada vez mais pacífico, a ideia de ser o quadro geral daquela administração o que verdadeiramente está em causa neste debate.

Nesse plano situo as minhas breves considerações.

Qual vem a ser, efectivamente, esse quadro geral da administração? Nos termos e condicionalismo da proposta sobre que administração nos é pedido um voto? Constitui lugar-comum dizer-se que a administração é algo mais do que manobrar verbas, montar e fazer funcionar serviços, cobrar receitas ou obter fundos, colmatar as eventuais brechas financeiras do nosso dia a dia.

Administrar pressupõe um «para quê» complexo, mas claramente definido, um «para quê» intransigentemente mantido como linha permanente de orientação para objectivos inquestionados. Daí que o quadro geral da administração — retiro-lhe intencionalmente a qualificação de financeira — comece precisamente por ser definido por esse «para quê» complexo.

Os objectivos e as linhas de orientação adoptados apresentam-se, assim, como um suporte fundamental de toda e qualquer acção; é, nesse quadro, a adaptação dos instrumentos de que se dispõe às condições verificadas no espaço e no tempo é que constitui a essência da administração.

Sobre aquele suporte essencial deve incidir o novo voto, pois esse suporte constituem-no os objectivos e as linhas de orientação que definem a utilização das autorizações; o resto é matéria de permanente actividade governativa e de permanente controle parlamentar.

O Governo tem de saber o que quer, mas tem também de saber o que se quer, o que se está disposto a sacrificar e a ordenar, para realizar em prioridades.

A administração, como efectivação das políticas traçadas, é uma tarefa que exige um suporte nacional, uma verdadeira comunhão e adesão. A este respeito estou de acordo com o Sr. Deputado Correia da Cunha quando dizia há pouco ter a representação nacional a este propósito a maior responsabilidade e não lhe poder fugir; mas não deve, quanto a mim, de uma vez por todas, no fim de cada ano, enredar-se nos termos concretos da efectivação das suas orientações.

E ao longo do exercício e também, no momento oportuno do seu julgamento através das contas, que deverá acompanhar cuidadosamente, vigilantemente, a efectivação das orientações formuladas e certificar-se da sua validade e do seu êxio. Outro seria, quanto a mim, um entendimento anacrónico da função da representação nacional.

Pois bem: a administração financeira que se propõe para 1972 não poderia legitimamente esquecer, por um lado, este pano de fundo de política geral. Um pano de fundo que nos aparece não como calamidade a cercear as suas potencialidades de realização, mas como elemento constitutivo da sua própria formulação.

E sobre este ponto, supomos que não logramos dissipar, nesta Casa, todas as dúvidas ou ambiguidades.

O progresso da Nação una, a todos os seus níveis, em todos os seus espaços e sobre todas as formas que, como imperativo inescusável se apresente, é e tem de ser o objectivo último da nossa política e da consequente acção governativa.

Nenhum dos elementos que o integram, sejam eles quais forem, podem ser, um momento sequer, considerados fora deste conceito, pois são sempre, e em qualquer posição por que sejam vistos, partes constitutivas do próprio objectivo a prosseguir.

A administração financeira proposta para 1972 não poderia esquecer esse pano de fundo de política geral; e, efectivamente, não o esqueceu.

Por outro lado, vive-se hoje um período de transição, de expectativa nos arranjos externos, porque o mundo ocidental busca, no plano da economia, e até no da política, construções que lhe permitam responder melhor às exigências das suas responsabilidades para com os seus povos e para com o resto do mundo. E o processo, como todos sabem, não é isento de sobressaltos, de receios, de indecisões, de retracções e até de desequilíbrios.

Tudo isso cria um clima de instabilidade, de instabilidade interrogante; e é nesse clima que se tem de trabalhar, na prossecução quotidiana dos grandes objectivos nacionais. Daí outra característica da administração em analisei: a determinação tem de ser aliada à maior prudência e a uma flexibilidade que permita os ajustamentos requeridos pelos condicionalismos em que se vive e viverá nos próximos tempos. Suponho que, também quanto a este aspecto, não poderia a proposta apresentar-se honestamente com outra roupagem, nem com outras promessas do que aquelas que contém.

Visando a curto prazo a possível estabilização dos preços e a sua compatibilização com as necessidades de desenvolvimento económico e progresso social, a Administração propõe-se, por um lado, o ataque anti-inflacionista em todas as frentes, por outro, a melhor adaptação da oferta à procura, um melhor ordenamento geral do território, a expansão selectiva da economia e melhoria dos seus quadros gerais e o estímulo da iniciativa privada e sua orientação e correcção.

Permitam-me VV. Ex.as que termine com uma palavra sobre os dois últimos pontos. A política geral de investimento deve constituir o nosso verdadeiro caso de consciência neste momento, pois, a menos que nos demitamos das nossas responsabilidades ou aceitemos o risco da incoerência, há que enveredar progressiva mas intransigentemente por uma política selectiva a nível global. E há que ter a coragem de aceitar todas as implicações que ela comporte, quer no que respeita às indispensáveis alterações estruturais da nossa economia, quer mesmo no que respeita às exigências que uma política global faz às possibilidades de actuação coerente do próprio Estado. Há que situar este no campo pleno das suas responsabilidades, que, se não dispensa a unidade de decisão, também não enjeita a participação que a Nação inteira tem o direito e o dever de prestar. Nesse plano se insere a iniciativa privada, uma iniciativa a estimular, apoiar e, eventualmente, orientar pelo Estado.

Decerto todos estamos de acordo com o princípio, que é, aliás, constitucional.

A intervenção corredora ou supletiva do Estado aparece como remedeio de situações indesejáveis, para evitar males maiores e encontrar na gravidade desses males a sua plena justificação, correspondendo às indeclináveis responsabilidades do Estado, como expressão de todo o agregado1 nacional.

E a este, e à Nação toda, que, no fundo, cabe a última palavra em matéria de política, e nomeadamente de política económica e social, como seu destinatário e até como seu último autor.

Vamos nós, que a representamos aqui, enjeitar esta responsabilidade?

Por mim, respondo que não.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.