16 DE DEZEMBRO DE 1971 2979
lerado. Em poucos anos a agricultura cedeu a sua posição de actividade primordial a um sector industrial que arrancou em força mercê da convergência de disponibilidades financeiras e humanas. Em consequência, assiste-se a uma completa desagregação das estruturas rurais, com toda a série de problemas que a mesma levanta e se repercute profundamente na vida nacional.
Em dez anos o País viu partir 1 milhão de habitantes; o remanescente permanece no cumprimento das suas tareias de rotina ou procura também a sua promoção na cidade.
A pressão demográfica diminuiu em muitas áreas, com reflexos imediatos nos saldos fisiológicos, no tratamento das terras e na elevação dos salários A produtividade da mão-de-obra, por seu turno, não tem progredido ao ritmo que se impunha, porque ficaram os trabalhadores mais idosos e menos aptos.
A população respondeu com o abandono à manutenção de condições de vida difíceis na maior parte das áreas rurais. Mercê da atracção intensa exercida pelos principais centros urbanos e áreas industrializadas acentuaram-se os desequilíbrios espaciais que constituem, há muito, sério travão ao desenvolvimento. O Governo procurou responder a este desafio aquando da elaboração do actual Plano de Fomento, que previa o lançamento da orgânica regional hoje em funcionamento. Posteriormente mandou elaborar, e aprovou com alterações, um documento da maior importância a que várias vezes me tenho referido e que representa uma tentativa de definição das grandes linhas a que deverá obedecer o ordenamento do território no continente. Ele está a ser repensado a nível regional para ficar a constituir o cenário mais adequado à implantação de novas actividades e à distribuição racional das populações. Qualquer dos aspectos é largamente condicionado pela orientação imprimida pelo Plano aos investimentos públicos e por uma política de incentivos a lançar progressivamente. Daí a importância em definir essa orientação de uma forma coordenada, porque nenhum departamento do Governo possui, por si só, capacidade para resolver toda a gama de problemas que o apoio infra-estrutural ás populações levanta.
Há que procurar conciliar o aproveitamento máximo das potencialidades existentes com uma política de desenvolvimento equilibrado e a salvaguarda dos valores essenciais das paisagens humanizadas. Assim se atenderá simultaneamente ás necessidades do presente sem comprometer o futuro. Foi esta a óptica que presidiu ao lançamento da grande operação de Sinas, será ela, necessariamente, a condicionar o traçado das grandes vias rápidas ou a definição do programa de acção do órgão encarregado da defesa do ambiente.
Não me parece que no âmbito das preocupações invocadas a proposta de Lei contenha argumentação que nos possa deixar perfeitamente tranquilos a este respeito. Não é tanto a abolição do capítulo dedicado à política regional que me choca; em boa verdade, diz-se quase o mesmo nos artigos 17.° e 18.° O que me parece grave é não se dar o devido relevo ás posições já assumidas pelo Governo nesta matéria, porque ela, por si só, define um estado de espírito construtivo e uma salutar preocupação com o futuro.
Começa a ser tempo de concluir, e receio bem ter carregado de mais -as cores do quadro que tracei; mas, na realidade, as perspectivas não são nada risonhas. Além dos problemas de fundo levantados, e que requerem urgente solução, outros surgem a complicar as tarefas a que o Governo mete ombros com inegável vontade de cumprir. Refiro-me, por exemplo, ás deficiências de que ainda enfermam os nossos apuramentos estatísticos; à carência de dados sobre a verdadeira qualificação da nossa mão-de-obra; à incipiência e descoordenação dos sistemas de informática existentes, etc.
De tudo isto faz eco a proposta em discussão, reflectindo-se numa evidente falta de convicção perante os objectivos assinalados.
Em face das dificuldades pressentidas, houve como que uma retracção no enunciado das medidas a tomar. É honesto não prometer de mais, mas a conjuntura exige que nos superemos e realizemos, mesmo, de mais.
Por outro lado, há tarefas em curso de grande fôlego que precisam ser repensadas, num esforço de avaliação dos resultados já obtidos. E o caso, por exemplo, das grandes obras de rega, em que a Nação já investiu avultados capitais, cuja reprodutividade económica e social é necessário assegurar. Aqui está um tipo de investimento a requerer visão ampla em todos os sentidos, para que se não dê o caso de vir a constituir estruturas que só por acaso respondem ás necessidades reais das áreas beneficiadas.
A Sr. D. Maria Raquel Ribeiro: — Muito bem!
O Orador: — Outro elemento preponderante do ordenamento do território residirá na constituição dos parques e reservas destinados à protecção da Natureza. Apraz-me realçar a determinação com que o Governo está a encarar este aspecto do magno problema da defesa do ambiente; ele interessa não só a todos nós, cidadãos de um país intensamente ocupado, mas também a todos os estrangeiros que buscam a nossa hospitalidade.
Não duvido que o Governo ao elaborar esta proposta de lei tenha feito tudo o que estava ao seu alcance para esclarecer e justificar uma política de conjuntura. A minha insatisfação não incide tanto sobre o que o documento contém como sobre o facto de lhe reconhecer horizontes demasiado estreitos. A amplitude dos problemas que hoje se nos deparam requer que olhemos longe, muito para além dos passos do dia a dia.
E o Portugal de sempre que está em causa e não apenas a permanência por mais um ano. Por isso eu desejaria que a um intróito largo, prospectivo, a proposta fizesse seguir simplesmente um enunciado coordenado de medidas bem articuladas e devidamente orçamentadas.
Enquanto esta Assembleia votar apenas intenções, não estará prestando ao Governo grande serviço, porque lhe compete assumir também a sua quota-parte de responsabilidade na construção do futuro do País. E esse interessa a todos os portugueses.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Almeida Garrett: — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem a Câmara vindo a analisar a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1972. E, a seu propósito, tem vindo a chamar à colação os múltiplos aspectos da política económica e financeira, envolvidos em todo o processo da gestão anual, para que se pedem as autorizações da Assembleia.
Não serei eu quem, chegado ao termo do debate, o protele significativamente. E peço licença para duas palavras, muito breves, de reflexão pessoal, sobre temas em debate, a propósito de uma lei de autorização.
Meus Senhores: A autorização que, em obediência a preceitos constitucionais, se nos pede, respeita ao pagamento das despesas públicas e à arrecadação e obtenção dos recursos indispensáveis à administração financeira.