3934 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 199
preito, e às respectivas famílias manifesto por esta forma as minhas sentidas condolências.
Ilmos. Pares: Ao regressar à metrópole para reassumir os minhas funções como representante da província neste Colégio, após um período de férias que nem por isso deixou de ser de intensa actividade, uma única preocupação, trago e essa, é: esclarecer a Câmara em particular, e a opinião pública em geral, acerca da situação da nossa Guiné.
Como acabei de frisar, a minha estada na Guiné foi - e não podia deixar de ser, dada a minha condição de Deputado de uma província em estado de guerra subversiva - de intenso trabalho.
Percorri o território de norte a sul e de leste a oeste, utilizando vários meios de transporte, das cidades e vilas aos mais recônditos, lugares, para me inteirar do que ali se passa, em todos os domínios; visitei os serviços públicos tomando conhecimento dos seus problemas e das suas realizações; assisti a várias solenidades, manifestações e inaugurações; testemunhei muitos dos mais importantes acontecimentos que ali tiveram lugar nos últimos meses e troquei impressões com as mais variadas pessoas, desde as da mais humilde condição até as de maior responsabilidade nos destinos daquela parcela da Pátria comum. Estou, por isso, apto a dar testemunho dos factos mais relevantes da vida daquela nossa província no momento actual e é meu dever fazê-lo
De todos os factos registados, dignos de menção, tem para mim prioridade, quer pela sua actualidade, quer pela sua importância, quer ainda pela sua projecção no futuro, a discussão do Estatuto Político da Província, submetido à apreciação do conselho legislativo local, em cuja sessão participei a convite do respectivo Governo.
Por tais razões, dedicarei esta minha intervenção nesta 4.ª sessão da X Legislatura da Assembleia à análise da proposta que resultou da referida discussão, a qual obedeceu no apelo do Governo no sentido de que se procurasse elaborar um texto definitivo que correspondesse integralmente às realidades presentes e futuras da província.
Assisti, pois, com o maior interesse, às reuniões e acompanhei passo a passo o desenrolar dos trabalhos, tendo procurado dar o melhor do meu contributo. Foi, na verdade, uma tarefa difícil, que requeria esforço e ponderação, mas todos os elementos chamados a darem a sua colaboração o fizeram com dedicação e entusiasmo, não se poupando a canseiras. E valeu a pena.
Com efeito, o trabalho produzido traduz todo o cuidado, todo o senso prático e toda a objectividade postos na sua elaboração. À regra de ouro no acto de legislar é preservar o presente e garantir o futuro. Creio ter-se atingido este ideal na proposta em estudo.
Não sou tão ambicioso que possa pensar ser o projecto em apreciação atrasado em relação a época em que vivemos, nem sou tão conservador que o julgue revolucionário. Ao contrário, penso que se conseguiu o justo equilíbrio entre as duas tendências extremistas, combinando a ideia de evolução com a de continuidade.
Nesta ordem de ideias, penso que um estatuto político para a Guiné, segundo o texto da proposta submetida a aprovação do Governo Central, criará as condições necessárias para o progresso ao ritmo exigido pelos condicionalismos do mundo actual, garantindo, consequentemente, a paz neste território e cimentando a unidade nacional.
Para as grandes massas populares da Guiné o único problema que se põe é o da participação ou não participação dos africanos, em pleno pé de igualdade com todos os grupos humanos que compõem a Nação, na construção do progresso do País, já que também eles, por vontade própria, foram, são e querem continuar a ser portugueses. Parece-me a mim que o Novo Estatuto Político, tal como está redigido na proposta, garante a total satisfação daqueles anseios.
Como afirmou recentemente - e bem - o general António de Spinola no seu discurso, «é utópico continuarmos a pensar que os africanos apenas anseiam viver melhor, e que uma vez resolvido o problema de elevação do seu padrão de vida, teremos restituído a normalidade a província», do mesmo modo que «também caracerá de base o pensar-se que a grande massa dos africanos deseja, a qualquer preço, uma independência pela via da cedência perante movimentos que o não representam».
Felizmente que não constituem a maioria os que assim pensam.
Falei recentemente com vários antigos refugiados, que regressaram a província, vindos do Senegal, e alguns da República da Guiné, e cheguei à conclusão de que a ideia da independência já perdeu muito da sua força motivadora, mesmo entre os militantes dos diversos movimentos separatistas. Para eles, libertação já não significa independência, da qual já nem sequer querem ouvir falar, dada a experiência adquirida era contacto com as realidades nos países em que viveram ao longo dos últimos dez anos.
Contudo, nem eles, nem aqueles que nunca deixaram o seu torrão natal renunciam ao desejo de se sentirem realizados dentro de uma sociedade que reconheçam como verdadeiramente sua, onde possam encontrar, sem limitações injustas, a satisfação dos seus anseios de bem-estar e se sintam socialmente e politicamente realizados.
Trata-se, como é fácil de ver, de uma questão de prestígio, a que é sensível qualquer das etnias da Guiné, e de afirmação de personalidade, congénita nos guinéus.
Um dos graves erros cometidos em relação ao problema da Guiné por aqueles que não vivem as realidades locais é pensar nele em termos de mera defesa ou conservação de um território e não de populações a auxiliar, a proteger, a integrar ou conquistar. A verdade, porém, é que o território ficará automaticamente defendido na medida em que as populações se sintam cada vez mais portuguesas, cada vez mais identificadas com o País em que aquele se acha integrado, e isso só se consegue através de uma política de desenvolvimento sócio-económico assente em bases sólidas e apoiada por estruturas autênticas e capazes, dentro de um sistema de íntima cooperação e intercâmbio com a metrópole e outras partes do todo nacional.
Tal sistema de relações, implicando a mais ampla descentralização, a par de maior representação das populações locais, quer no nível nacional, quer ao regional, contribuíra, criando condições, para um estreitamento gradual dos laços que unem 'a província ao conjunto nacional português.
De todas as questões debatidas na sessão conjunta dos Conselhos Legislativo e de Governo da Guiné acerca do novo estatuto político três pontos se revestem porá mim de maior importância, por constituírem a essência daquele documento legislativo, fundamental para o futuro da província: o aumento do número de Deputados à Assembleia Nacional, a institucionalização dos congressos do povo e « designação por Estado, da província da Guiné, a exemplo de Angola, Moçambique e índia Portuguesa.
Quanto ao último ponto, recordo-me da veemência com que o assunto foi posto no Conselho Legislativo e do entusiasmo com que a notícia foi recebida pelos órgãos de informação locais, que largamente a difundiram. Mas, se