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13 DE DEZEMBRO DE 1972 4063

limitação geográfica, mas também cia circunstância de não se entrar em linha de conta com a totalidade das receitas da Previdência, dos serviços e fundos autónomos e da administração local. Em 1970, segundo dados provisórios, o seu montante ascenderia a cerca de 18 milhões de contos, ou seja, 55 por cento das receitas orçamentais do Estado para o mesmo ano. Esta observação, à força de ser repetida, já ganhou foros de rotineira. Mas, se a Constituição Política define o Estado português como uma República unitária, se o Orçamento Geral do Estado é unitário, como é possível imaginar que perdurem no seu seio áreas de gestão autónomos? Por outro lado, como também se dizia na proposta para 1970, impõe-se proceder cão ajustamento da organização corporativa aos princípios da Constituição e das leis fundamentais".
Pergunto: que se fez, entretanto, no sentido de ajustar a realidade as intenções manifestadas então pelo próprio Governo?

Outra falha importante reside na ausência de referências à política a seguir em alguns sectores, como a educação, obras públicas, transportes e comunicações, etc. Tudo isso terá de aparecer inserto no programa de execução para o próximo ano e deveria já estar disponível para acompanhar a proposta. Fica por definir o país a que ela se dirige e não se caracteriza suficientemente a situação em que se encontra o povo que aqui representamos. Esse povo, sabemo-lo todos, foi tocado intensamente pelo fenómeno emigratório ao longo da última década. Que se diz, a propósito, em toda a Lei de Meios? Que conjecturas se formulam sobre as deslocações internas, as transferências entre os diversos sectores de actividade, o grau de satisfação das necessidades primarias já alcançado? Nada.

A propósito do emprego, diz-se apenas que o mercado do trabalho evoluiu de forma positiva, mercê da acentuada diminuição da corrente emigratória verificada em 1971, e, quanto a orientação geral, consigna-se no artigo 3.° a intenção de o Governo "promover a elevação do nível de vida do povo português e assegurar a estabilidade económica interna". Neste mesmo ponto [alínea b)] deixou de se referir como intenção procurar-se atingir "um melhor equilíbrio regional no desenvolvimento da economia da Nação" (cito a proposta elaborada para 1972).

Na verdade, á bom que nos comecemos a habituar a ideia de que é ainda possível promover um desenvolvimento equilibrado do País. As distorsões tornaram-se tão acentuadas e as carências de certas áreas tão profundas que será utópico considerar ainda viáveis os esperançosos esquemas de ordenamento do território que trouxeram alguma novidade ao III Plano de Fomento. Bem desejaria estar enganado ao fazer esta afirmação porque a renúncia àqueles objectivos corresponde a meia derrota na batalha que estamos travando no campo económico.

Mas temos de ser realistas e por isso não posso deixar de compreender a prudência do Governo ao eliminar semelhante objectivo do rol de directrizes fundamentais a seguir. Em todo o texto pressente-se, aliás, uma sensível renúncia u invocação da política regional. Há que promover o desenvolvimento com base em investimentos concentrados nas áreas mais dinâmicas; e isso sem perda de tempo, porque também elas começam a acusar sintomas pouco tranquilizantes.

Não obstante os meritórios esforços desenvolvidos por todos os que lutaram pela definição e aplicação de uma política regional, o interior do País continuou a afundar-se no pântano da inércia e da descrença, sangrado dos seus melhores valores, impotente para resistir ao apelo que lhe chega das áreas naturalmente mais dotadas. Perdida esta batalha, Portugal ficará mais pobre, mais pequeno e também mais vulnerável. Nas áreas predestinadas ao abandono só será possível manter viva uma presença que dignifique, se se facilitar o acesso a elas a partir do litoral e das áreas fronteiriças espanholas; se se revigorarem alguns centros urbanos fundamentais, como Bragança, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, Portalegre e Beja; se se fizer acompanhar uma arborização maciça de uma política criteriosa de aproveitamento de recursos aquíferos e potencialidades turísticos. Para ser possível, o desenvolvimento terá de ser induzido do exterior através de estímulos sociais e económicos de vária ordem.

É evidente que a falência que acabo de referir se liga Intimamente à de uma agricultura de subsistência que todos sabíamos condenada ao insucesso. Vai agitar-se ainda por alguns anos, apenas o tempo suficiente para deixar morrer os velhos que restam, dar asas a alguns jovens e caírem em si alguns indecisos. Se a licito nos puder servir, olhe-se, enquanto é tempo, para as áreas onde a agricultura ainda é viável, incentivando a associação dos agricultores, interessando-os na transformação e comercialização dos seus produtos, integrando-os, em suma, nos circuitos económicos que se reconhecem válidos para outros sectores.

Mas se a emigração não afectou igualmente as áreas agrícolas e, em certa medida, até favoreceu algumas, que pensar dela como fenómeno global, transformador de homens e sociedades, agente de progresso ou de ruína? Nem todos nos apercebemos ainda das consequências profundas que o actual surto inevitavelmente trará a toda a economia portuguesa. A partir de 1966 a população começou a diminui e a composição etária a alterar-se com tendência para um progressivo envelhecimento. A rarefacção dos camadas jovens tornou mais difícil a mobilidade profissional e menos elástica a oferta de mão-de-obra, o que limita de algum, modo os transformações em curso. E evidente que se conseguiu assim evitar o desemprego (nos doze últimas anos o déficit de postos de trabalho teria subido a 600 000) e beneficia" de substanciais poupanças (mais de 18 milhões de contos, só em 1971).

Mas os valores oficiais relativos ao último ano e a intensidade da emigração clandestina polarizada para França, preocuparam-me sobremaneira. Porquê? Não esperava que em 1971 ainda fosse possível ver partir para cima de 150 000 pessoas, entre as quais mais de 100 000 seguiram o seu caminho com o rótulo de clandestinos. Neste movimento participaram amplamente mulheres e crianças, com relevo para o grupo etário até aos 14 anos; e, para cúmulo da surpresa, verifiquei que tinham partido especialmente da faixa litoral mais desenvolvida (distritos de Lisboa, Porto, Aveiro, Leiria e Braga, para além do de Ponta Delgada, já tradicional). Sei, por outro lado, que para o ano em curso a situação não melhorou muito e está começando a afectar seriamente o tal rectângulo mais estreito em que se concentram agora as nossas esperanças.

Em face da indiferença com que estes valores foram recebidos pelo grande público através da imprensa, pergunto a mim próprio se as pessoas tidas por mais responsáveis estão inconscientes ou incapazes de reagir. Uma vez seco o interior, o movimento envolve já áreas onde se vive razoavelmente, onde há trabalho e se paga decentemente; e não é só a agricultura que expulsa gente activa, são também as indústrias, que a deixara partir! Se possuímos uma estrutura produtiva tão vulnerável, com que tranquilidade podemos encarar o futuro? Para que servirá elaborar planos se não tivermos a quem os endossar?
Não estará realmente o povo português a divorciar-se dos destinos da sua pátria?
Sinto que estas palavras traduzem muita amargura, mas não podia deixar de as pronunciar.