4064 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 206
Há-de chegar o dia em que teremos de prestar contas pela nossa imprevidência. Estamos a queimar trunfos, uns atrás dos outros, preferindo guardar um presente aprazível a prevenir um futuro negro. E para não carregar muito os tons vou evitar falar do segundo grande problema que enunciei - a guerra - para passar imediatamente à inflação.
Como não podia deixar de ser, a proposta de lei fez várias referências a este fenómeno, evitando, no entanto, todo o tom alarmista.
Circula dinheiro em excesso, mas o investimento é escasso; os preços galopam, os salários procuram acompanhá-los, mas a produtividade do trabalho nem sempre reage a esse estimulo. O Governo manifesta-se prudentemente receoso de que qualquer intervenção possa afectar o ritmo de crescimento e o volume de emprego (pp. 23-24).
Mas não sei até que ponto essa prudência não parecerá excessiva àqueles que mais directamente sofrem o impacte demolidor da inflação. Quero referir-me, aos funcionários públicos, àquela horda de serventuários, mais ou menos capazes, que não têm possibilidade de se dirigir ao patrão pedindo aumento de ordenado porque a vida está cara. Se pudessem ler a Lei de Meios, talvez achassem estranho que a certa altura se diga que "o montante das emissões de acções efectuadas de Janeiro a Outubro deste ano ascendem [. . .] a perto do triplo do valor registado em igual período de 1971" (pp. 44-45). E que em países estrangeiros, como na Suíça, uma das medidas decretadas contra a inflação consiste exactamente em limitar drasticamente a emissão de acções e obrigações. Poder-se-á objectar que por esta via a pequena poupança pode ser canalizada para o investimento produtivo. Em face do que se tem passado ultimamente, recuso-me a aceitar que isso seja verdade. Há quem beneficie, sim, mas não é o pequeno investidor. Esse nunca sabe verdadeiramente o que há-de fazer ao dinheiro quando pode constituir um pequeno pecúlio.
É que este aumentará sempre mais lentamente do que o custo dos bens que quer adquirir. Uma caso, por exemplo, é uma genuína aspiração, de muitos, mas dificilmente concretizável se não houver outros bens para venda ou disposição para emigrar.
Este monstro de sete cabeças que é a inflação, ao mesmo tempo que gera o dinheiro fácil, torna realmente a vida difícil a muita gente. Voltando ao funcionalismo público, e sem qualquer ponta de egoísmo, não posso deixar de dizer que me regozijo com a intenção manifestada pelo Governo de proceder a revisão das condições em que presta serviço.
Os termos em que a mesma é referida podem parecer talvez um pouco vagos, mus na justificação prévia esclarece-se que se trata de "dobar a máquina administrativa do pessoal qualificado que o seu bom funcionamento cada vez mais exige" (p. 106).
Receio bem que esse pessoal qualificado seja cada vez mais difícil de encontrar; mas restam os outros escalões, ainda apegados ao prestígio e segurança que a função traz.
Em que situação se encontram após quatro anos de congelamento de vencimentos e em face de uma deterioração do poder de compra da ordem dos 30 por cento?
Imagina-se o que será o seu dia-a-dia. Mas, enfim, em plena campanha anti-inflacionista o Governo entendeu por bem propor um novo imposto, um tímido imposto. Foi a melhor forma de chamar a atenção do publico para um documento que, de outro modo, passaria despercebido. Em face do elevado preço dos automóveis, da gasolina, das reparações, dos seguros e do estado das estradas, sentir-me-ia, naturalmente, inclinado a votar contra este imposto, até porque não creio que, com ele, venha melhorar-se muito seja o que for. Se se resolvesse por esta forma o problema da circulação em Lisboa! . . .
Por outro lodo, um veículo de duas ou quatro rodas é um bem estimável e uma ferramenta de trabalho importante, face à crescente insuficiência dos transportes colectivos. Não, decididamente creio que se vai cair num outro pequeno beco sem saída. A tributar, preferia que se optasse pelo tabaco, que ó o mais barato da Europa e indiscutível fonte de malefício. Um escudo em cada moço de tabaco renderia ao fisco, com muito menos trabalho e mais justiça, o equivalente ao rendimento do imposto que se tem em vista. Limitaria este apenas aos proprietários de automóveis de luxo (de preço superior a 150 contos, por exemplo), taxando fortemente aqueles que possuíssem mais do que um.
Começar-se-ia, assim, a dar corpo a uma ideia que surgiu, mas não fez carneira e que consiste em tentar limitar a ostentação tributando os índices exteriores de riqueza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas, enfim, não quero complicar mais as pesados tarefas que impendem sobre o Governo. Na realidade, é fácil propor, é fácil lamentar, é fácil criticar. O difícil é pôr de pé seja o que for, ainda que seja uma quarta edição da lei de meios que o Governo nos ofereceu em 1969.
O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A proposta da lei de meios ora em discussão, a semelhança das do último decénio, visa a adaptar-se às horas graves que o País atravessa, traduzindo primacialmente o firme e inabalável propósito de as enfrentar não só com dignidade, mas também com realismo de soluções.
Através de tão importante quão necessário documento - pois que constitui o plano de vida e da Administração do País para o ano de 1973 -, verifica-se que o programa financeiro a executar assenta numa escala de valores onde a prioridade é dada, conforme se dispõe no artigo 4.°, aos encargos com a defesa da integridade nacional, pois que continuam perfeitamente válidos "os fundamentos que têm presidido à sua formulação e inalteradas as circunstâncias especiais de conjuntura política no ultramar". O respeito pelo princípio da defesa da integridade da Pátria é da própria essência dos valores nacionais e continua a ser dele expressão legislativa a primeira prioridade que às despesas com a defesa vem sendo dada nas leis de meios.
Esta norma orientadora do toda a política de despesas, e que, como bem se sublinha, "materializa um compromisso do Governo perante a Nação quanto as mais altas metas a que visará a sua actuação política", não leva, porém, a descurar, mas antes a procurar harmonizar, este imperativo da defesa da integridade nacional com a continuidade do esforço para promover o mais rápido e profundo processar do desenvolvimento.
A Lei de Meios que estamos a apreciar vem vazada nos moldes técnicos e em princípios de equilíbrio ordenado e prudência administrativa instaurados em 1928 por Salazar e, desde então, seguidos por todos quantos lhe sucederam na gerência da pasta das Finanças. Continuando a definir as linhas mestras a que a administração pública deverá obedecer e constituindo como que o espelho da vida económica e financeira do País, a Lei de Meios que o Ministro Cotta Dias apresenta para vigorar no próximo ano vem acompanhada, como é já costume, de um extenso e bem elaborado relatório, em