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4482 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 219

Este perigo pode traduzir-se, em trágica caricatura, pela conclusão do herói daquele estranho mundo nascido da fantasia de Huxley - e que ele baptizou de admirável -, no qual reinava a harmonia da servidão nascida do império da ciência e da técnica, segundo a qual cem repetições, três noites por semana, durante quatro anos, ou seja sessenta e duas mil e quatrocentas repetições faziam uma verdade.
Ao pensar no que já é hoje a publicidade, nos enormes interesses que movimenta, nos problemas que levanta, no lugar que ela já ocupa na economia, na política e até na guerra, dir-se-á que já não estamos longe afinal deste reino da utopia e que é bem justificado o alarme, sobretudo quando o requinte da técnica vai mesmo ao ponto de conseguir fazê-la sem podermos sequer dar conta disso.
De facto, se este risco existia já com a imprensa ou com a rádio, ele é agora muito maior, posto que - como fazia notar uma grande figura europeia contemporânea - "a nossa época está muito mais dependente da influência da imagem que do poder da palavra falada ou escrita e será útil lembrar que a televisão pode falsear a verdade muito mais facilmente e de maneira muito mais convincente que os outros meios de informação.
Além disso, dentro em pouco ela será capaz de concentrar a atenção do Mundo inteiro num só acontecimento ou numa só pessoa, criando heróis, mitos ou objectos de ódio e dissimulando tão bem determinados factos que ninguém jamais deles tomará conhecimento. A guerra das ideias e dos interesses assumirá uma nova dimensão a partir do momento em que o preço do receptor desça até ficar ao alcance da maioria dos homens".
Talvez por isso alguém tenha já escrito que "os maiores triunfos em matéria de propaganda foram conseguidos não com fazer qualquer coisa, mas com a abstenção de o fazer. Grande é a verdade, mas maior ainda, do ponto de vista prático, é o silêncio a respeito da verdade".
6. Daqui se conclui desde já qual a cautela de que os Estados deverão rodear o que respeita ao domínio. sobre este importantíssimo meio de comunicação social, pois, principalmente em países mais pequenos, sem condições para estabelecerem ampla concorrência nesta matéria, importa evitar que a televisão possa cair, como qualquer simples empresa, em mãos de interesses particulares. Assim, se um sistema totalmente comercial, operando com vista à obtenção de lucro, pode ter lugar, por exemplo, nos Estados Unidos da América, dadas as extraordinárias condições de concorrência, não sucede o mesmo em países de outras potencialidades. E, apesar disso, das 863 estações de televisão registadas nos Estados Unidos da América em Janeiro de 1970 185 eram consideradas de utilidade pública ou emissão educativa.
Na generalidade dos países, mesmo quando o Estado não quer tomar directamente a seu cargo o serviço de televisão, rodeia usualmente de certas cautelas a sua concessão à actividade privada. Assim, por exemplo, a televisão sueca está a cargo de uma sociedade anónima da qual o Estado não detém acções, impondo contudo que a sua distribuição seja feita de modo que um quinto caiba à imprensa, três quintos às grandes organizações nacionais e corporações públicas e o restante às actividades comerciais e industriais. O Governo reserva-se, porém, o direito de designar a maioria dos membros da sua administração.
A solução adoptada em Portugal, constituindo a radiotelevisão como uma empresa concessionária de um serviço público, parece-me portanto perfeitamente correcta, apenas havendo de acautelar que os dois terços do capital social que não estão por lei reservados ao Estado não venham porventura a cair alguma vez, directa ou indirectamente, em mãos que possam tentar pô-la ao serviço de interesses privados.
7. Este importantíssimo papel, que cabe ao Estado e que é fundamental que ele exerça para protecção do comum dos cidadãos, tem naturalmente também o seu reverso, pois pode facilmente resvalar para caminhos que transformem a TV em máquina que condiciona a opinião pública, mercê do seu poder mágico e das tais milhares de repetições que acabam por criar as verdades, em vez de ser um instrumento de captar, esclarecer e formar a opinião através do estudo objectivo dos problemas e do encontro salutar das ideias.
Por isso se torna cada vez mais necessário para a sã formação da opinião pública não só esclarecê-la como também apoiar todos os esforços que se façam para estimular e para fortalecer o pensamento independente.
Julgo, assim, de saudar como um animador progresso o crescente recurso que as entidades mais responsáveis do Governo vêm fazendo do pequeno écran: isso traduz claramente não só a consciência que existe do altíssimo valor da televisão, como também da necessidade de manter inteiramente esclarecido o País acerca dos seus problemas. Apenas me parece que outro grande passo se daria se nos pudéssemos também ir habituando a ver não só brilhantes exposições, mas igualmente pudéssemos assistir a autênticos diálogos de ideias entre espíritos superiores - pois que também os há nesta terra capazes de prestar esse alto serviço.
Esse confronto de pontos de vista seria a melhor forma de esclarecer e formar a opinião pública e, acima de tudo, a de ir radicando, num povo tão propenso a tudo discutir com paixão, a ideia fundamental de que a melhor forma de servir uma verdade é ter razão e o processo melhor para conhecê-la é saber honestamente procurá-la.
8. Farei apenas muito breves considerações acerca de alguns outros problemas mais estreitamente relacionados com o estabelecimento da televisão nos territórios ultramarinos. Em primeiro lugar, convém notar que, sendo, como e evidente, a televisão operada e orientada pelos estratos tecnicamente mais evoluídos da população desses territórios, que são ainda manifestamente uma minoria, a sua introdução, ou não teria significado social, se apenas a esses poucos se destinasse, ou, caso contrário, correria grave risco de estar desajustada em relação às camadas a promover, subestimando os valores da sua tradição e do seu estilo de vida e até os seus interesses. É frequente, de facto, que os homens que se pretendem civilizados olhem os povos de civilizações tecnicamente atrasadas como gente cuja promoção deverá ser feita segundo os velhos cânones paternalistas e consistir na pura e fiel cópia do seu próprio modelo social.