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3 DE MARÇO DE 1973 4727

Quando há pouco disse que na metrópole é pouco frequente ainda o uso de drogas, não esqueci que leva sempre algum tempo a vir à superfície o que se passa no underground da droga. E ainda que por volta de 1965, salvo erro, Sir George Godber, um dos responsáveis pela saúde pública na Grã-Bretanha, fizesse afirmações optimistas quanto ao consumo da droga, dois anos depois vinha, alarmado, fazer declarações opostas - já que a situação em dois anos se modificara totalmente.
Não esqueçamos que há poucos anos tentou-se distribuir a adolescentes, junto a estabelecimentos de ensino secundário, rebuçados drogados - tentativa que foi cortada cerce, mas que deve alertar-nos.
Sr. Presidente: Possui este tenebroso mundo da droga tantas incidências curiosas que, tendo procurado completar um pouco o muito que disse o Sr. Deputado avisante, e resumindo quanto pude ideias e conceitos, cheguei aqui, longe de chegar ao fim...
Tragédia humana vivida no presente, por muitos países ocidentais, projecta-se no futuro como uma tara gigantesca e como uma angustiosa incerteza.
Incerteza, se será dominável e extinguível tão grande mal...
Portugal corre riscos, como disse, embora o contágio não se afirme ainda na metrópole em escala alarmante.
Mas quem pode esquecer o papel da droga nos acontecimentos no Norte de Angola em 1969?
Drogados pelo haxixe, encorajados pela afirmação dos "feiticeiros" de que estavam imunes contra as balas, bandos de assassinos assaltavam a peito descoberto fazendas, aldeias e vilas daquele nosso Estado. E como disse há tempos um articulista da Brotéria, o que é triste no meio deste ambiente de droga e de fanatismo selvagem é que houve nesta altura brancos e pretos da nossa terra serrados vivos ou cruelmente escortejados, só por serem portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A droga já matou muitos portugueses no ultramar...
E deixou nos corpos e nas almas cicatrizes que não podem ser esquecidas, antes há que lembrá-las a alguns, os que buscam o caminho da derrota e abandono que pode às vezes coincidir com o da traição.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Roboredo e Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de se ouvir a completa, vibrante e exaustiva exposição sobre a matéria do seu aviso prévio com que ontem nos brindou o nosso ilustre colega Dr. Delfino Ribeiro, nada fica para se dizer. E a coisa torna-se ainda mais delicada após a brilhante intervenção de há pouco do não menos ilustre Deputado Dr. Agostinho Cardoso. Todavia, como audaces furtuna juvat não deixarei de trazer o meu magríssimo contributo para tão palpitante assunto, como é este que o aviso prévio contempla.
Os sãos conceitos de uma vida moral compensadora, no campo individual e familiar e verdadeiramente fortalecedores dos alicerces das nações, estão a esboroar-se, digamos assim, perante a complacência das pessoas e de muitos governos.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Parece que se receia enfrentar realidades e que haverá antes a intenção de tolerar situações graves, aceitando-se um provável desmoronamento da civilização ocidental em que nos criámos e para a qual não se enxerga substituto, nem legítimo, nem útil.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, parece que com alguma indiferença se consente na ridicularização dos princípios fundamentais da nossa ética e da nossa civilização. Em nome da literatura, do teatro, do cinema e da arte, em geral, da juventude, da evolução, da simbologia, jovens e não jovens, intelectuais e pseudo-intelectuais querem contestar, se não destruir, a priori, não só aquilo que tem de ser modificado acompanhando o progresso mental e espiritual do homem, mas também aqueles conceitos que, uma vez destruídos e não validamente substituídos, não permitirão às sociedades actuais sobreviver.
Está a deixar-se lavrar um incêndio de tais proporções que chega a duvidar-se se alguém o saberá ou poderá dominar. Reconstruir sobre escombros será admissível como objectivo futuro?
Este intróito vem a propósito dos vícios degradantes que assolam boa parte da humanidade.
O presidente Nixon dizia há tempos que a toxicomania nos Estados Unidos da América tem agora aspecto de uma catástrofe nacional. Se não pusermos fim a este flagelo, será ele que dará cabo de nós.
Nesta toxicomania temos de envolver os alucinogéneos, os estimulantes, os sedativos, os narcóticos e até o álcool quando ingerido em doses incontroladas.
Quem tem percorrido a Europa Ocidental encontra um popularidade crescente por tudo o que é imoral e erótico, pela justificação do uso da droga como provocadora de novas sensações, por uma liberdade sexual mal compreendida que, afinal, irá reduzir o homem a puro animal, por um louvor histérico do happening com forma de felicidade espontânea e remuneradora.
Em suma: droga, erotismo, prostituição, sex-boutiques, vendendo os artigos mais ousados e variados, revistas, livros, diapositivos, filmes, gravações eróticas, etc. E muitas vezes ao balcão encontram-se a atender os clientes raparigas com menos de 20 anos.
Já nem falo no tráfico e chantagem sobre mulheres e crianças, em que a Europa Ocidental é grande fornecedora de matéria-prima. Em média desaparecem umas 50 000 raparigas europeias por ano, destinadas a ser reduzidas à condição de escravas sexuais. A droga é um dos principais meios usados para lançar as mulheres na prostituição, vindo daí a designação de battery girls - raparigas mantidas sob o efeito da droga e guardadas em casas "apropriadas"; quando é necessário activar a acção da droga, diz-se simplesmente que há que recharger la batterie.
Recentemente vi uma notícia sobre o aumento do consumo da droga nos meios universitários canadianos, que em dois anos cresceu 12,2 por cento. Usando a heroína, marijuana e L. S. D., a proporção era de uns 30 por cento, ou seja quase de um estudante em cada grupo de três. O contraste é tanto mais impressionante quanto no resto da população o consumo da droga não excedia 3,5 por cento.
Esta individualização não teve qualquer significado particular, pois é sabido que a percentagem de jovens viciados na droga é assustadora na Europa Ocidental.