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4806 DIÁRIO DAS SESSÕES N° 238

Aqui deixo um alarme e um apelo aos pensadores, aos escritores, aos que têm funções de magistério a qualquer nível e em qualquer especialização, aos homens da Igreja, aos intelectuais do meu país.
E termino, Sr. Presidente, com a frase célebre de um escritor célebre, Artur Koestler, que, parafraseando Clemenceau, disse:

O problema é demasiado importante para deixá-lo nas mãos dos psiquiatras. Para resolver uma situação cujas origens se encontram nas próprias origens da nossa sociedade actual é preciso a cooperação de todos, não só dos médicos, criminologistas, químicos e sociólogos, mas também e sobretudo, dos pais e mães de família.

E estes, acrescento eu, têm de ser consciencializados neste sentido - no sentido de levarem a efeito a sua revolução.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Ávila de Azevedo: - Sr. Presidente: Desejei corresponder à solicitação do Sr. Deputado avisante, Dr. Delfino Ribeiro, sobre a toxicomania. E aqui me encontro cumprindo o prometido, ainda que num assunto um tanto estranho à minha especialidade e às minhas predilecções. Além disso, tratado à saciedade pelo Sr. Deputado avisante e por outros dos nossos colegas.
Como já foi dito, o uso dos estupefacientes é tão velho como a própria humanidade. Num livro escrito por uma das glórias da ciência portuguesa, o botânico Félix de Avelar Brotero, lente da Universidade de Coimbra, impresso em 1824, deparou-se-me esta curiosa síntese dos efeitos produzidos pelo ópio:

O ópio passado uma hora causa nos que o tomam por costume agradáveis sensações de alegria e deleite, mais força para o trabalho; às vezes embriaguez, como também desprezo da morte; valor e ferocidade para os combates.

Acrescentava Brotero que os generais turcos o ministravam aos soldados...
Mas "passadas quatro ou cinco horas, ordinariamente, esfriava neles esta efervescência e ficavam imediatamente frouxos, enfastiados e mais ou menos sonolentos [...]" Retomavam então o uso da droga, que os tornava descorados, macilentos, lânguidos, tristes, taciturnos, inteiramente desmemoriados e estúpidos. Envelheciam muito depressa e acabavam prematuramente.
Esta página de um cientista português, escrita no primeiro quartel do século XIX, ainda não perdeu a actualidade, pela sua arguta observação e pelo seu vigor expressivo.
Não há muitos anos os estupefacientes só interessavam aos intelectuais, que neles procuravam sensações inéditas, aos neuróticos ou aos viajantes de torna-viagem de países exóticos. Restringiam-se a um grupo de indivíduos anormais.
Porém, um escritor inglês, Thomas de Quincey, adquiriu grande reputação literária publicando em 1821 um livro com o título de As Confissões de um Fumador de Ópio. Enquanto o vinho perturbava as faculdades mentais, o ópio introduzia, nelas a ordem e a harmonia...Comunicava-lhes ainda o sentimento profundo da disciplina e uma espécie de saúde divina.
Baudelaire, um dos mais originais poetas franceses, "o manganão das Flores do Mal", na frase de Fradique Mendes, celebrou "os paraísos artificiais" - os paraísos fabricados pelo ópio e pelo haxixe, ou cânhamo indiano. Para ele, o ser humano gozava do privilégio de poder extrair prazeres novos e subtis da dor, da catástrofe e da fatalidade. Aquelas duas substâncias eram as mais apropriadas ao que Baudelaire chamava "o ideal artificial". Conseguiam uma sensação de alegria imoderada ou de bem-estar e de plenitude de vida ou de um sono povoado por maravilhosos sonhos.
Infelizmente, esta apologia da droga, então limitada aos círculos literários e artísticos, foi divulgada nos nossos dias por intelectuais desequilibrados. Entre eles, cita-se Teófilo Leary, psicólogo americano, antigo professor da Universidade de Harvard, convertido ao hinduísmo, autor de uma obra insidiosa que exerceu influência nefasta na juventude. Por outro lado, o conhecido prosador britânico Aldous Huxley escreveu, pouco antes da sua morte, um romance, A Ilha, que nos constrói uma "utopia" moderna.
Conta-nos a história de um jornalista inglês que desembarca na ilha de Pala. Os seus habitantes praticam uma religião próxima do budismo e ingerem um cogumelo vermelho, a moksha, que provoca as visões mais agradáveis e reforça o poder da consciência. Em vez da ascese mística, voga-se no universo da droga...
Exaltada por estes mentores, dissolventes, a droga propaga-se entre a juventude, como um dos processos de contestação, a partir da década de 60.
Então, no uso dos estupefacientes podem divisar-se, entre outros aspectos patológicos, motivações psicológicas e motivações sociológicas, umas e outras originadas pela civilização racional, técnica e desumanizada que assinala o nosso tempo.
Segundo um médico e psicólogo francês e uma consciência cristã, Paulo Chauchard, a toxicomania tem a sua explicação nos seguintes factores mentais:
Em primeiro lugar, o uso da droga representa uma necessidade de imaginação, de sonho, de ascensão a um mundo irreal, de evasão da monotonia dos hábitos quotidianos e de uma vida demasiadamente chã e prosaica.
Em segundo lugar, pretende estimular a criatividade, suscitando artificialmente uma aparência do génio. A droga teria, assim, a sua justificação para os toxicomaníacos numa tradução subjectiva do inconsciente e na exaltação de valores estéticos.
Em terceiro lugar, o toxicómano encontra um meio de escapar às responsabilidades sociais, de repelir o mundo em que vive para se refugiar num outro mundo criado pelas seduções aliciantes da droga.
Em quarto lugar, aduz ainda o psicólogo francês, os estupefacientes criam no drogado uma atmosfera artificial de misticismo, como nas personagens do romance de Huxley. Os drogados, dentro da ética dos movimentos contestatários, revoltam-se contra os mecanismos da sociedade de abundância, contra a ausência de um poder espiritual que dignifique as acções humanas. É uma "pseudomística alucinatória e barata", como diz aquele autor.
A estas explicações de ordem psicológica sucedem outras de ordem sociológica, bem características da dinâmica dos grupos. A droga exerce na juventude