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4802 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 238

No contexto desta transformação, a droga, as diferentes drogas apareceram a alguns como solução. No ponto de vista da maioria dos comentadores, parece ser solução que não vai longe, um beco sem saída: permitirá quanto muito a alguns, e para algumas, adquirir a experiência necessária a um rendimento mais eficaz, mas para outros tem sido, é, e certamente continuará a ser, uma experiência sem amanhã. Parece impor-se aos espíritos, através das suas vítimas e por via de experiências fracassadas, por esse mundo além, que a higiene mental é uma necessidade mesmo, ou, sobretudo, em sociedades mais tolerantes, "permissivas".
Mas não deriva apenas deste contexto de evolução civilizacional a popularidade que a droga vem assumindo, em algumas dessas sociedades.
O objectivo principal do seu consumo é a felicidade, o prazer. Parte da humanidade deseja desfrutar já nesta terra o paraíso que lhe prometem as religiões na outra vida, e a droga tem sido apresentada como passaporte para esse paraíso artificial.
Os perigos inerentes, como os que podem sobrevir, aliás, em corridas de automóveis e competições similares, em vez de desencorajarem parecem acrescentar aliciantes à experiência de drogar-se.
Os jovens sempre procuraram identificar-se a modelos capazes de satisfazer o seu desejo de superação. Nas sociedades rurais tradicionais, era a vida dos santos o modelo proposto; o cinema veio-nos trazer outros heróis, justiceiros ou gangsters extraordinários, as bandas desenhadas nos propõem os Superman, Ultraman, Batman, etc., fazendo coisas excepcionais com meios fora do vulgar. Breve reconhecem os jovens, aliás, que estes modelos, por muito aliciantes que sejam, não são de forma alguma acessíveis, antes desencorajam ou desequilibram os que pretendem imitá-los.
Por seu turno, olhando à sua volta, o jovem que contempla o mundo dos adultos dá-se conta de que não terá muito que aprender com algumas dessas figuras familiares. Efectivamente, quantos não vivem em tensão, por vezes extrema, estão em permanente contradição consigo, e as ideias que dizem defender, numa palavra, não lograram ultrapassar, porventura, a "crise da adolescência".
Diante desta ausência de modelos mais chegados, o jovem idealista, sonhador, é tentado a procurar nos produtos vegetais ou químicos um meio de se ultrapassar. A droga parece conceder-lhe, por algumas horas, esta satisfação. Durante esse período de euforia, sente-se engrandecido, o mundo retoma um sentido maravilhoso, a realidade desaparece e é substituída por um mundo "ideal". Vive então experiências "enriquecedoras". Os utilizadores das drogas tornam-se rapidamente profetas, fazem figuras de heróis e os jovens olham-nos como modelos a imitar.
O nosso século de síntese torna, aliás, mais fácil esta identificação. Com efeito, crê-se hoje menos nos princípios ou definições do que nos homens que os encarnam ou deram vida. Foi e é assim que certas correntes de pensamento tomaram o nome dos seus autores ou fundadores: o marxismo, o estalinismo, o maoísmo, o "degaulismo", o fenómeno Kennedy, etc. Não poderia Portugal dar também uma imagem pedagogicamente mais adulta, esclarecida, popular, dos vultos da sua história?
Por outro lado, a sociedade materialista tem vindo a sacrificar desde há bastante tempo os valores espirituais. Esta "dessacralização" começou pela rejeição dos ritos, das práticas que simbolizavam esses valores espirituais. Mais tarde prosseguiu pela dúvida do espírito que animava essas práticas, seguidamente orgulha-se da sua falta de fé. E, um dia, os valores espirituais deixaram de ter sentido e passou-se a deificar somente os valores materiais: "homem realizado" foi o que conseguiu reunir em sua vida uma grande fortuna.
Novas juventudes, um pouco por todo o mundo, nasceram desta geração. Não tendo passado pelo processo de dessacralização, esta juventude ressente-se do vazio espiritual que não sabe explicar. Face a esse vácuo, procura-se nas drogas com que preencher tal lacuna. Anote-se que certos alucinogéneos são chamados "psicadélicos", quer dizer, "libertadores do espírito". O uso dessas drogas faz-se acompanhar, por vezes, de um rito, de uma "liturgia", conduzida por um guia a que chamam "profeta", nalguns casos mesmo "o grande padre" ou "sacerdote". Cai-se assim na "religião psicadélica", que não dispensa, inclusive, "sessões de meditação". Face à religião, dita o "ópio dos pobres", não se cairá no ópio... religão dos ricos?
Um relatório nacional, que no continente americano recolheu numerosos testemunhos, chega mesmo a afirmar:
Parece evidenciar-se que o uso das drogas no mundo contemporâneo está de algum modo ligado ao declínio dos valores espirituais, à incapacidade de encontrar na vida um significado (ou sentido) de tal natureza. Os valores que os homens querem encontrar graças ao uso da droga assemelham-se de um modo particular aos valores religiosos tradicionais: a alma, o eu interior, o espírito de renúncia, a disponibilidade, o "amor" de todo o mundo numa doação geral, a interdependência comunitária. Parece assinalar-se, contudo, um elemento novo, que vem juntar-se, porventura, aos valores tradicionais: o sentimento de se identificar a qualquer coisa mais vasta, de que cada qual faça parte na qualidade de ser humano.

Há aí qualquer coisa de aproveitável.
Mas outras causas vêm juntar-se ainda às explicações desta procura da droga, das drogas.
Na sociedade moderna os fracassos possíveis são cada vez mais numerosos. O tédio invade uma sociedade adulta tornada passiva e demasiado opulenta. Para os jovens, aliás, as perspectivas do futuro nem sempre serão brilhantes.
Para que servirão, dentro de alguns anos - interrogam-se alguns -, esses milhares de diplomados num mundo onde o desemprego aumenta, em seu dizer, a ritmo espantoso entre os licenciados? O nosso século, em que a palavra "planificação" anda nos lábios de quase toda a gente, saberá como manter os graduados desempregados de amanhã?
Os jovens começam a interrogar-se ou a julgar-se conscientes de algumas destas perspectivas. O futuro tornou-se fonte de tensão, mais do que de arrebatamento ou êxtase. Procuram meios de distensão, sem terem sido ensinados a servir-se deles. Os seus professores deixaram muitas vezes de ser educadores, pois demitiram-se face à impossibilidade de, compreenderem e darem resposta capaz.