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17 DE MARÇO DE 1973 4801

A droga não é um facto primário, mas um sinal revelador de mal-estar psico-social, como a dor é a manifestação de um mal-estar biológico. Importa não fazer apenas uma terapêutica sintomática, tratar os sintomas externos, mas procurar ir mais a fundo, tentar um tratamento etiológico, investigar as causas.

O Sr. Delfino Ribeiro:- Muito bem!

O Orador: - No XIV Relatório da Comissão da O. M. S. de especialistas da saúde mental, pode ler-se, a p. 9 (Organisation mondiale de la Santé, Série de Rapports Techniques, n.° 363, Genebra, 1967):

É indispensável acreditar que a dependência a respeito das drogas cria problemas sanitários graves que devem ser estudados não apenas em relação às próprias substâncias mas também em função do homem e do meio.

Neste sentido, gostosamente aceitei o convite do Sr. Deputado avisante para participar no debate.
Sr. Presidente: É difícil determinar as razões que levam as pessoas a consumir drogas para fins não médicos. Mais se multiplicam os produtos e a heterogeneidade dos consumidores, mais se agrava o problema.
Sem pretender enquadrar todos, nem sequer a maioria, dos casos possíveis, um resumo apresentarei, convicto como Confúcio, que "mais do que maldizer as trevas, o que importa é acender uma candeia, por pequena que seja".
O uso das drogas está longe de ser apanágio de jovens, encontra-se largamente difundido - o de certas drogas - mesmo entre os adultos. Motivações múltiplas e bem complexas pelas quais o jovem procura o mundo de amanhã, um mundo de sonho, a dimensional, e o menos jovem, o adulto, deseja preservar o mundo de ontem, proteger o de hoje, o mundo das ideias e das coisas, quadridimensional, onde as coordenadas espaço e tempo são fundamentais para a devida compreensão e integração do indivíduo e das sociedades no contexto civilizacional.
É por isso que a compreensão plena do fenómeno não a podem alcançar especialistas de uma só ciência; é necessária toda uma investigação multidisciplinar, em que cada qual possa carrear suas pedras. Estou em boa companhia, não apenas por me situar no meio de formações profissionais as mais diversificadas na apreciação deste aviso prévio, como por ter presente, entre outras, as seguintes palavras do já referido relatório da O. M. S.:

Dado que os múltiplos problemas postos pela etiologia, a prevenção, o contrôle e o tratamento da dependência ultrapassam a competência de uma única profissão ou de um único grupo especializado e que os conhecimentos neste domínio são ainda limitados, só uma aproximação interdisciplinar permite esperar solução [...] A investigação deve considerar, assim, as relações existentes entre as diferentes disciplinas e a contribuição que cada uma é capaz de prestar. (P. 12.)

E depois de referir:

Entre os grupos que importa atingir, durante a sua formação profissional (dados os contactos que manterão com os utilizadores das drogas ou do álcool), devem citar-se os psiquiatras e outros médicos, os psicólogos, os sociólogos, as assistentes sociais, as enfermeiras (sobretudo de saúde pública), os padres, os "homens de leis" e os membros das corporações policiais.

Sem esgotar, aliás, todos os profissionais ou não (professores e demais educadores, os próprios pais, etc.), acaba por recordar que, por ser a dependência uma doença que resulta de uma inadaptação física, psicológica e social, se torna imperativo coordenar os esforços das mais diversas especializações, de todos nós, em suma.
Sr. Presidente: As drogas dos adultos, que são compostas quase que exclusivamente de sedativos e de estimulantes, são geralmente ou prescritas por um médico, ou recomendadas por um farmacêutico, ou louvadas por um vizinho, ou induzidas pela publicidade.
Já alguém escreveu que a farmácia, tendo-se transformado em drugstore nas Américas, obrigou o farmacêutico a pôr ao alcance de todos uma multidão de drogas. Charles Trenet, aliás, glosou o interesse de visitar "estas farmácias em que se vendem sacos às escondidas". O saudável assim como o doente aí encontram a droga que pode convir aos seus males actuais e futuros.
O terapeuta caseiro, se é propagandista do médico que o curou, encontra confiança sobretudo na pílula que lhe receitou. Todas as vezes que encontra alguém que se queixa de um mal-estar tem tendência para aconselhar a maravilhosa poção ou pílula que transforma seus achaques em saúde e energia.
A publicidade, por seu turno, não lhe fica atrás, enaltece as qualidades de certos produtos, propõe-no-los como uma necessidade: "Por causa do vosso fraco limiar de tolerância à dor", a tomada de um sedativo é não apenas uma necessidade, mas um direito, quase um dever. Em alguns países chega-se a promover, inclusive, "semanas da aspirina"... O homem-droga raramente é adepto de um só produto. A sua "farmácia caseira", como regra, está bem recheada e pronta a responder a todas as situações. Socialmente não se gaba das drogas que toma, a menos que esteja num meio íntimo, e então não visa mais do que ajudar os outros. O álcool e o tabaco são as únicas de que se orgulha, pois que, em geral, contrariamente às outras, são símbolo de maturidade e de virilidade. Ou assim entendidas.
Diverso é o caso de muitos jovens; as suas motivações são frequentemente bem mais complexas. O seu consumo não tem por origem, geralmente, uma prescrição, é mais o fruto de uma vaga pesquisa, de que a droga é a descoberta de momento.
Outrora, normas muito rígidas interditavam o acesso a certos actos ou diligências. A religião orientava os seus passos, vigiava atentamente o que se não deveria fazer. A obediência cega fazia abortar no subconsciente um sem-número de questões que não encontravam respostas racionais. As normas sociais eram rígidas, a censura impedia o mal de as atingir. Hoje, uma profunda transformação se instaurou, quase todo o sistema está em causa, é objecto de discussão. Como todas as revoluções, já fez suas vítimas; há quem acredite que entre extremos seja possível encontrar um dia, neste evoluir das sociedades, novos estádios civilizacionais dotados de certa estabilidade, ainda que dinâmica.