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4800 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 238

Outrora, como largamente foi focado, as plantas eram as únicas fornecedoras de drogas. Actualmente, a química elabora constantemente novas substâncias capazes de transformar o comportamento do homem e as maneiras de viver e pensar. Preocupante, se admitirmos que o desenvolvimento da química ensaia pouco mais que os primeiros titubeantes passos e que o futuro nos pode reservar não poucas surpresas, também neste campo.

O Sr. Delfino Ribeiro: - Muito bem!

O Orador: - Por seu lado, e em outros tempos, o uso das drogas mostrava-se circunscrito a certas seitas, classes sociais ou grupos bem determinados. Hodiernamente, os mass media da informação, ao suprimirem ou abaterem em parte as fronteiras, sobretudo quando ao som juntam a imagem, servem a veicular com eficácia novos usos e costumes, mentalidades, aqui e além surgidos. O homem em suas deslocações mais favorece ou facilita, promove ou realiza, essas trocas de produtos, ideias, experiências.
Não admira, assim, que os hábitos de drogar que se desenvolveram na Califórnia há poucos anos se hajam rapidamente propagado de oeste à costa atlântica, nos Estados Unidos da América. E quanto mais essas práticas ou costumes são extravagantes, mais parecem generalizar-se facilmente. O fenómeno não é, aliás, exclusivo das drogas, nem sequer de agora.
Esta habituação induz impressionantes efeitos de demonstração-propaganda e explica a generalização que vêm tomando certos usos e costumes outrora limitados e ciosamente guardados no interior de uma comunidade ou estrato social.
A difusão de costumes é neste aspecto facilitada pela melhoria dos níveis reais de vida das populações, pelas disponibilidades monetárias para utilização em novos consumos, pela "libertação" do trabalho "escravizante" de outrora, pelo aumento dos tempos livres. A ter que ver com o desenvolvimento económico das nações o grupo social e a cultura que o anima.
Dizia certo autor que "um jovem de 16 anos que fazia uso de marijuana desde há algum tempo afirmava que seu pai lhe censurava o hábito e o repreendia com um cigarro numa mão e um copo de Martini na outra. E acrescentava que sua mãe, farta de ouvir a argumentação, ia para o seu quarto tomar um tranquilizante".
Esta história não é uma caricatura. Reflecte uma parte do estado actual do consumo de drogas na sociedade ocidental. Nem todas redundarão em toxicomanias, mas para lá caminham, ou tendem a predispor, ao criarem certa dependência.
O mundo adulto nessas sociedades mais "progressivas" do Ocidente faz uso de sedativos que não correspondem a fins médicos normais. Entre esses sedativos encontram-se: álcool, barbitúricos, tranquilizantes, sem contar numerosos outros produtos expostos e vendidos nas montras e balcões das farmácias e, até, em outros estabelecimentos comerciais.
Um inquérito recentemente levado a efeito na Califórnia pelo Stanford Research Institute revelou que se encontraram 2539 medicamentos diferentes em 86 fogos visitados. O que representa cerca de 30 produtos por "farmácia caseira". Entre estes medicamentos, apenas um em cada cinco tinha sido objecto de prescrição médica, muitos não deveriam estar à mão de semear de crianças e adolescentes, pelo menos. Surpreenderão certas tragédias de que os jornais frequentemente nos dão conta?
Um outro inquérito, realizado em 1969, esclarecia que em Washington, entre os produtos vendidos legalmente como medicamentos, 583 eram mais perigosos que o L. S. D. E, contudo, achava-se normal, pois era lícito utilizar esses medicamentos, essoutras drogas, sem excessivos cuidados, ao mesmo tempo que facilmente se escandalizava por vezes face à marijuana. Longe de defender esta ou outras, não podemos deixar de estranhar o acesso fácil e indiscriminado a certas drogas em algumas sociedades "permissivas". Não creio que o mesmo se passe, com igual amplitude, em outros mundos.
De qualquer modo, se aquele uso reflecte verdadeiramente a necessidade terapêutica das sociedades ditas mais "evoluídas" do mundo ocidental, convém interrogarmo-nos seriamente não apenas sobre o fenómeno da droga, ou das drogas, mas sobretudo acerca das razões que conduzem a pagar tal preço para viver e sonhar um pouco mais tranquilamente.
O corpo humano não é um laboratório que se possa facilmente reconstruir. Afigura-se perigoso efectuar experiências, aplicar a esse organismo, ainda cheio de incógnitas, produtos de que se não conhecem todos os efeitos residuais ou longínquos. "Nenhuma droga é isenta de perigos", escreveu conceituado autor. Ter-se-á um dia que pagar a conta, somente este argumento nem sempre convence.
O problema do uso e abuso, médico e não médico, de droga, de variadas drogas, parece ser uma das realidades dominantes da sociedade contemporânea. Dificuldades de ajustamento, de início pequenas, surgem e amplificam-se progressivamente entre o indivíduo, adulto ou jovem, e o meio social que o rodeia. A droga aparece então como um "sistema tampão" que amortece estes conflitos exacerbados, desencadeados no próprio universo do indivíduo, ou entre ele e o mundo envolvente.
A droga não modifica o homem, exterioriza a sua personalidade, indivíduos, tendo consumido idêntica quantidade de álcool, têm comportamentos diferentes: um tornar-se-á colérico, agressivo; outro mostrar-se-á passivo, sonolento; um terceiro, apaixonado, amorudo; outros não registarão qualquer mudança de comportamento.
A própria personalidade do indivíduo influencia a opção: o tímido dirigir-se-á para o álcool, procurando por esta via remédio para o seu temperamento; o sonhador preferirá a Cannabis; alguns nevróticos satisfazer-se-ão com calmantes, outros inclinar-se-ão para os estimulantes.
Uma anedota persa dar-nos-á ideia desta variedade de efeitos: Três homens viajavam conjuntamente para uma cidade amuralhada. O primeiro era grande apreciador de álcool, o segundo consumia marijuana, o terceiro recorria ao ópio. Ao cair da noite, depois de longa jornada, chegaram ao seu destino. As portas da cidade estavam já fechadas. O consumidor de ópio sugeriu que se deitassem e dormissem até ao dia seguinte, quando fossem abertas as portas, o apreciador de álcool propôs que se arrombassem as mesmas, enquanto o utilizador de marijuana se afirmava convencido de que podia passar pelo buraco da fechadura.