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4876 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 241

mília. A identificação entre esta e o quadro oficinal é, por vezes, tão íntima que se torna difícil distinguir; é na família que o indivíduo aprende o ofício; é através da família que se organiza para garantir a sobrevivência ou ganhar a vida, e é ainda apoiado na família que sobe na hierarquia social.
A aprendizagem processa-se naturalmente no quadro da oficina fortemente familiar. Começa geralmente cedo: junto de quase todos os artesãos há crianças rondando, fazendo trabalhos ligeiros, levando recados; breve começam a pegar nas ferramentas - ainda não são "aprendizes" verdadeiramente, ajudam nos trabalhos e vão aproveitando para aprender, passam mais tarde a ganhar alguma coisa.
O candidato(a) a artífice faz a sua primeira aprendizagem com o pai ou a mãe, consoante a natureza do artesanato, com o irmão, o parente mais próximo, o vizinho. Quando há diversificação entre a ocupação da família e a "arte" para a qual desejam encaminhar a criança ou o adolescente, é confiado a parente, amigo ou conhecido que o inicie nessoutra "arte".
A relação mestre-aprendiz confunde-se, assim, frequentemente, com as relações de parentesco. O grupo familiar aparece como uma escola profissional, onde o saber de ciência adquirido na prática se transmite de geração em geração. Essa transmissão repetitiva de gestos é tão espontânea que artífices, interrogados como aprenderam c ofício, respondem vagamente: "aprendi comigo mesmo" ou "isso não tem que se aprender: a gente vê os outros e vai fazendo também".
Raramente se encontra em tais sociedades um condicionamento formal, encaminhando para a assimilação de uma técnica ou de um ofício; escolas ou cursos técnicos são raros.
Compreende-se que no sistema de relações dentro do qual os conhecimentos se transmitem, a sistematização seja pequena, a transmissão frouxa, a inovação rara. Compreensívelmente também nem sempre o mestre revela todos os segredos ao aprendiz do ofício.
"Arte", no dizer de mestre, "é o que nem todos fazem, nem talvez convenha que façam [...]" Por isso, toda a arte é cercada de certo véu de mistério, de saber abstraio. "Há segredos que não se transmitem a qualquer um." Os segredos constituem assim o âmago da arte, a quinta-essência do aperfeiçoamento profissional, ligado ao status do artífice, à sua inserção sócio-profissional.
Apesar de tudo, certos artesãos atraem aprendizes, criam tradição de mestres. São mestres verdadeiramente, têm a noção da sua função de instrutor profissional; em alguns casos têm até consciência dos graus que levam os aprendizes à maturidade profissional.
Quantos não foram focos de difusão, de irradiação artesanal, em dada área? Os seus discípulos espalharam-se pelos corredores, revê-os com certo orgulho. Mestres, na acepção da palavra.
Pode alegar-se que a transmissão das técnicas nestas sociedades tradicionais se faz muito ao acaso do nascimento, por "escolas" familiares, geralmente, mas também entra a todo o tempo a cópia de objecto que eventualmente cai à mão ou sob o alcance dos olhos, como entre igualmente a improvisação ou inspiração de momento. À transmissão do ofício ou "arte" pelo exemplo ou compulsão paterna ou de outro mestre mistura-se por esta forma a transmissão casual,
muito importante no caso de inovações e mudanças tecnológicas.
Parece que os artesãos mais necessitados não inovam, ou por acomodação pura e simples à tradição que assegura livre curso ao seu produto, ou por falta de tempos livres para repensarem sua "arte". Artistas pertencentes a camadas sociais medianamente prósperas podem arriscar-se a perder tempo e trabalho em tentativas de melhoria, ainda que conduzam a maior parte das vezes ao fracasso.
Neste processo, frequentemente individual de habilitação profissional, os dons pessoais dos artífices - mestre e aprendiz - têm enorme importância, primam mesmo sobre qualquer outro sistema formal de transmissão de conhecimentos. "A gente aprende vendo (ou ensinando), depois aperfeiçoa-se por conta própria."
Em tais sociedades rurais tradicionais são extraordinariamente reduzidas as escolas profissionais de artes e ofícios, o seu número e especializações. Pior do que isso: nem sempre procuram adaptar os programas às características da zona onde se inserem (veja-se, por exemplo, o caso da agricultura e certas "artes" rurais), menos ainda às necessidades, potencialidades ou perspectivas da sua economia e comunidades. Falta-lhes, sobremaneira, a visão prospectiva do que tempos vindouros poderão vir e exigir-lhes.
Visam - têm visado normalmente - apenas a criança ou o adolescente. Deixam de lado o adulto, o artífice formado na escola da vida, que em quase todos os ramos e graduação do seu ofício está igualmente, tantas das vezes, ansioso por aprender. Tem até a mais forte das motivações: trabalho para viver e melhorar a sua condição social. É, no entanto, nessas sociedades e sistemas de ensino demasiado fechados o mais esquecido ou sacrificado.
Contra essas e outras forças adversas luta o artesão. Prodigioso é o esforço de certos artífices dotados de rara inventividade, que se esforçam por galgar barreiras institucionais, bloqueios de estrutura - do sistema escolar ao demais social.
Bem merecem a nossa compreensão e o nosso carinho, o estímulo de uma palavra, sobretudo o de uma acção.
Há, no entanto, estímulos de mudança, internos ou externos ao artesão e à sua arte.
A criatividade do artífice consegue vencer barreiras que o mundo geralmente desconhece. Quantas conquistas da ciência e da tecnologia se não ficaram a dever a esses artífices desconhecidos, a esses obscuros cidadãos da sua pátria e do mundo?
Catálogos que circulam ocasionalmente, modelos provindos quiçá de outras paragens, produtos, objectos novos que lhe chegam podem ser assim preciosos estímulos de inovação no artesanato - para além das visitas tradicionais a museus de arte popular, de etnologia ultramarina, como o que se irá erguer agora nas encostas do Restelo e mais importaria difundir também pelo ultramar.
Raramente surgem mencionados os livros profissionais nos inquéritos a artesãos tradicionais de países ou territórios em vias de desenvolvimento. A falta dessa literatura como motivo de inovação prende-se, sem dúvida, ao grau de instrução geral, muitos sendo analfabetos ou com baixo grau de escolaridade, como facilmente se compreende. Profunda transformação