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30 DE MARÇO DE 1973 4875

de certos objectos. A sua fama estende-se na localidade ou região. Trabalha num espaço profissionalmente delimitado, que pode ser ainda a sua casa, mas reveste já nítida peculiaridade, integrada embora nos quadros-ambiente da sociedade tradicional: o seu comportamento económico, as formas de produção e comercialização, o calendário de laboração continuam" a aderir intimamente aos padrões tradicionais, à sua cultura, estilos de vida, economia e sociedade.
A partir daí sofre o artesão um desdobramento, consoante a intensidade da vocação e dotes pessoais e as possibilidades que o ambiente lhe oferece: ou se transforma em artesão-empresário - caminhando para uma organização empresarial do tipo familiar, mista, ou já exclusivamente de operários -, ou se torna trabalhador por conta de outrem, nas mais diversas situações contratuais. Nessa fase começa a afirmar-se já certa industrialização ou semi-industrialização característica. A oficina volve-se em fábrica, especializa-se relativamente à habitação; o equipamento moderniza-se, o instrumental torna-se variado; a produção "normaliza-se"; a comercialização passa a fazer-se através de organizações ou pessoal especializado. As relações entre empresários e empregados tendem a conformar-se com os padrões gerais da indústria e da legislação do trabalho.
Estas quatro fases podem ser contemporâneas, coexistir lado a lado no mesmo território e tempo, variando apenas de artesanato para artesanato. Alguns não chegarão a sair da primeira fase, outros sofrerão um bloqueio na segunda ou terceira. Essa caracterização faseológica é, no entanto, fundamental para qualquer programa de assistência técnica ou financeira que diversificar se deve segundo o tipo de artesanatos prevalentes.
Não iremos fazer a história desenvolvida de como o artesão "nasce" ou "se faz". Seriam tantas aliás as motivações ou razões possíveis do surgimento que algumas haveriam de ficar no limbo do esquecimento.
Pode ter interesse reconhecer, no entanto, que a vocação se consolida muitas vezes no artesanato, ao desencadear-se a procura dos mercados, o atractivo do lucro. Dinheiro passa a ser, nessas sociedades em vias de desenvolvimento onde o artesão se faz ou individualiza, não apenas um meio de troca, mas símbolo de alguma libertação monetária, de maior independência económico-social, de realização pessoal.
Há, em muitos desses artífices, ao lado de um brio profissional que se afirma, a aspiração de independência económica e um prometedor espírito de promoção social. Interpretam sua actividade profissional como uma possibilidade de ascensão social.
A vontade de melhorar, de progredir, de ampliar o negócio ou o ofício, aparece repetidas vezes em inquéritos que se façam a artesãos a respeito de motivações.
São ideais típicos de uma classe média que balbucia, ensaia os primeiros passos. E, de facto, ao lado de atitudes e aspirações características dessa camada, muitos artesãos têm consciência já de integrá-la, de fazer parte dela ou se identificarem, ainda que de modo hesitante ou confuso.
Começam por vezes a aspirar ao comércio, consequência porventura do confronto que possibilita. Mas não é fácil estabelecerem-se comercialmente. Do artesanato ao comércio o salto é grande, representa
uma melhoria considerável, geralmente, uma mudança nítida de estrato social. Por isso, o comércio aparece como um ideal remoto na conversa de muitos desses artesãos.
Essa percepção das distâncias e das diferenças profissionais aparece frequentemente mesclada de sentimentos de frustração e algum desânimo.
Não é tão frequente como imaginar se possa, em sociedades ditas "abertas", o desejo de encaminhar os filhos para a sua "arte". Muitas querem vê-los longe dela. Um desejo de valorização inerente ao homem explica essa atitude face à profissionalização dos filhos.
Mas a frustração dos artífices em sociedades menos "bloqueadas" tem a sua explicação mais razoável nas dependências e tensões que envolvem a actividade artesanal na sua inserção e integração social.
Essas dependências são de vária ordem e intensidade. Variam muito de um artesanato para outro e consoante os tipos de artesão. A que mais pesa sobre as categorias inferiores de artífices é a dependência do dono da matéria-prima, mas não menos do comerciante - talvez mesmo mais, até -, pois no ramo pululam os intermediários e se formam, por vezes, avantajadas margens de comercialização. É por isso que, sempre que pode, o artesão procura vender directamente ao consumidor, em feiras e mercados tradicionais, às portas dos estabelecimentos hoteleiros, em gares de aeroportos às horas de movimento, em locais de maior concentração de turistas.
Aumentam as tensões entre artesãos e comerciantes à medida que a produção se amplia e a actividade se industrializa. Sente-se então mais fortemente a subordinação do artífice ao dono do capital, que muitas vezes é, igualmente, o intermediário, o comerciante.
A falta de financiamento, de crédito fácil e barato, é nitidamente uma das causas dessas tensões e ressentimentos contra o intermediário. Deve merecer, pois, a atenção dos Poderes Públicos.
Não há dúvida de que alguns, mesmo muitos, chegam a prosperar. Mas as dificuldades de melhoria e ascensão social são grandes se comparadas com a importância económica do artesanato e a massa humana que nele se ocupa. É matéria, pois, que bem importa considerar, conjuntamente com a de melhor organização produtiva e comercial.
Sr. Presidente: O artesanato, mais do que um conjunto de técnicas, é, sobretudo, um tipo de organização social. Fazendo parte de uma: sociedade e de uma cultura geralmente tradicionais, não escapa à influência da sua estrutura e instituições.
Actividade "socializante" e "socializada" - no sentido de que pretende tornar social, "sociabilizar", integrar o indivíduo na sociedade -, apoia-se o artesanato nos diversos grupos que a estruturam ou fundamentam.
O eixo à volta do qual gira quase toda a cultura tradicional é a família; não se estranha, pois, que em tais sociedades seja esse grupo ou elemento estrutural que se encarregue da "socialização" do indivíduo e da transmissão dos conhecimentos essenciais à vida - no meio rural, a família é berço, tem sido escola, faz as vezes, inclusive, de comunidade mais global.
O artesanato nessas sociedades em vias de desenvolvimento torna-se, assim, incompreensível sem a fa-