O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

4874 DIÁRIO DAS SESSÕES N.°241

cupam com o homem e sua realização pessoal, e seu ambiente e qualidade de vida.
A conservação das actividades artesanais deixou de ser considerada, assim, como nas últimas décadas do século passado, uma tentativa romântica de reacção do homem pela máquina - começa a ser encarada, inclusive, como podendo constituir um empreendimento económico de assaz interesse ou rentabilidade se tiver em atenção os padrões, os níveis de vida, não apenas materiais, mas igualmente espirituais, das populações, das civilizações. Não revestirá as mesmas formas do passado, forçosamente terá de evoluir.
"Um dos paradoxos da economia moderna", diz Marcel Laloire, "é a sobrevivência das pequenas empresas industriais ao lado de empresas gigantescas que tendem à concentração". Paradoxo porquê? Certamente em face do preconceito que, oriundo desse século já passado, se repercute ainda em nossos dias na concepção de uma sociedade marcada pelo gigantismo das concentrações industriais.
Em muitos países o artesanato, o florescimento e expansão de pequenas e médias empresas a ele dedicadas está sendo largamente compreendido e utilizado como importante etapa e, ao mesmo tempo, complemento do processo industrial, como meio natural de formação de futuros operários qualificados e empresários - pode revestir assim interesse para o processo de crescimento económico e de desenvolvimento social das populações ultramarinas, pode ter que ver com o turismo interno às mesmas ou do exterior proveniente.
Importa, assim, dilatar o conceito de desenvolvimento económico e social, alargar o campo de entendimento da industrialização. Não é apenas a criação de altos-fornos, por muito necessários que se tornem para o crescimento explosivo de economias a partir de, pelo menos, certo estádio de desenvolvimento, mas também a manutenção e fomento de pequenas e médias empresas voltadas para produções artesanais e outras, interessando a ocupação de mão-de-obra disponível e a satisfação de necessidades mais elementares ou menos "sofisticadas" de populações."Apesar das forças hostis", di-lo Melvin M. Knight em Encyclopedia of Social Sciences, "o artesanato permanece o método essencial de produção e manufactura, não só porque produz artigos artisticamente superiores (por vezes) aos fabricados pela máquina", como por ser, em muitos casos, actividade essencial à vida das populações - e a qualidade ou estética dos produtos, a individualização dos artífices, tendem em numerosos casos a ser devidamente apreciados, valorizados.
Importa não esquecer, além disso, o peso dos tradicionais mercados consumidores, que a própria movimentação interna das populações fomenta, e também esse é turismo, e também esse se abastece de artigos, cujos hábitos, transmitidos de geração em geração, criam uma preferência marcada pelo produto artesanal.
Não sei mesmo se em muitos casos, inclusive em sociedades economicamente mais evoluídas, se não estará mesmo a regressar a certas formas de descoberta e valorização de produções artesanais, de que talvez pudessem ser exemplos as procuras de peças de mobiliário manualmente trabalhadas, de artigos de decoração ou ménage fora de série, de peças de estatuária de madeira ou pedra, de obras de joalharia, ouro e prata finamente lavradas e apreciadas mesmo, ou, sobretudo, pelos estratos economicamente mais possidentes das "sociedades de abundância".
Essa permanência do artesanato não se limita aos países da órbita capitalista. Na Rússia, mesmo já bastante depois da revolução marxista, a atitude do Governo Soviético foi de apoio e estímulo aos pequenos ofícios. "Durante muito tempo ainda", escrevia-se em decreto, "a indústria não será capaz de produzir o suficiente para as necessidades do país, nem poderá absorver todo o excedente da mão-de-obra" (drama que atinge outros espaços e sociedades). A indústria artesanal, em pequena escala, poderá empregar esse excedente, sobretudo entre as camadas mais pobres do campesinato e satisfazer em certa extensão as necessidades dos mercados rural e urbano. Isso explica a sua enorme importância para a economia nacional, a ênfase concedida, para além do estímulo e fomento da indústria pesada, ao artesanato em seus planos de fomento.
Não aprovámos nós ainda há bem pouco tempo os agrupamentos complementares de empresas e não assistimos, na apreciação da sua base I, à defesa viva do direito à sobrevivência e protecção de pequenas e médias empresas, que terá levado alguns Srs. Deputados a tentar justificar, inclusive, a exclusão de todos os fenómenos de integração vertical do âmbito legislativo da matéria em discussão?
Mas regressemos ao "artesanato e desenvolvimento", aos seus diversos estádios no processo de crescimento.
Sr. Presidente: Parece existir uma tipologia do artesão, que vai dos graus mais baixos da qualificação profissional à plena e especializada profissionalização.
No extremo inferior da escala, que mergulha na sociedade e economias tradicionais, vislumbra-se uma poeira de aptidões artesanais que não chegam a incorporar-se num tipo de artesão definido, muito menos de profissional do artesanato. São, antes, linhas artesanais que fazem parte integrante do património cultural. Transmitindo-se de geração em geração pelos mecanismos da transmissão cultural (a sugestão verbal, o ensino oral e a prática acopulada, a influência dos mais velhos ou chegados, a imitação, etc.), a sua instrumentalidade é simples, dispensa mesmo locais especializados. Nessa etapa civilizacional, as exigências da vida quotidiana, lúdicas ou utilitárias, orientam a aptidão, inspiram a actividade artesanal, imprimem sentido ao acto criador ou ao objecto criado.
Numa segunda fase, a actividade artesanal começa a distinguir-se das demais, embora o artesão ainda não exista como tipo social suficientemente diferenciado. Essa aurora do artesanato parece coincidir com a aparição de um mercado, com a possibilidade de relação permanente produtor-consumidor, ainda que ditada por normas meramente tradicionais, sem nenhuma implicação da chamada "economia de mercado". O artesanato, a "arte", como o povo lhe chama, constitui ocupação de algumas horas, dias da semana ou épocas do ano, ao acaso da oportunidade ou do tempo livre, à margem de outras tarefas consideradas principais ou essenciais. É uma actividade mista ou complementar, visando a melhoria da subsistência.
Dessa actividade intercalar e aleatória decorre mais tarde o artesão, que profissionaliza e especializa as suas aptidões e se identifica pessoalmente à produção