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4878 DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 24l

o empréstimo; quando se pergunta a certos artífices se já algum contraíram, protestam como se fora tentação demoníaca. Na perspectiva da economia tradicional, onde há sempre uma relação pessoal do tipo primário, directa, mesmo nos contratos aparentemente mais impessoais, tomar dinheiro envolve um cerimonial de obrigações que exige conhecimento mútuo entre quem toma e quem empresta, mesmo por interpostas pessoas. Não admira, assim, que muitos artífices ignorem e continuem a esquivar-se ao empréstimo, por confundi-lo com uma hipoteca que viria onerar seus bens.
Uma outra dificuldade na organização do artesanato é a falta de padronização, de normalização. As grandes oficinas já conseguem certa uniformidade do produto e atendem a compradores de fora, que buscam grandes quantidades. Essa uniformidade não é alcançada por pequenos fabricantes, que fazem peças de todos os tipos e tamanhos - é a maneira como enfrentam e se defendem da concorrência. É igualmente deficiência, que em parte importa superar através da integração de circuitos comerciais, nomeadamente para formas mais evoluídas da produção de artesanato.
A racionalização da produção, dos produtos, da sua fabricação e comércio só lentamente penetra no artesanato, mas não creio que possa conduzir muito longe se não vierem a ser estudados e revistos tais aspectos.
O artesanato, do ponto de vista económico, significa o suprimento de certas lacunas não preenchidas pela indústria, pela "grande indústria", e por esse facto se explica a sua existência, mesmo entre civilizações altamente desenvolvidas.
Recurso para aumento de rendimento, forma de absorção de mão-de-obra na precariedade das estruturas económicas ou na valorização individualizada de produtos de qualidade, o artesanato apresenta-se, numa visão social, como um conjunto de aptidões que podem vir a concluir na formação de um operariado técnico para uma industrialização mais avançada e na preparação de gerentes e directores de pequenas e médias empresas, que podem constituir a vanguarda de um desenvolvimento industrial. Também, por esse lado, importa ao crescimento económico e à promoção social do ultramar.
Para desenvolver o artesanato são necessários técnicos e técnicas, instrutores profissionais que possam desenhar produtos de bom gosto, de acordo com os materiais e padrões locais. Muitos objectos feitos à mão ou com forte incorporação de trabalho - riqueza que aí existe - começam a ter procura e poderão um dia ser vendidos em Nova Iorque e Londres, Paris ou Berlim, noutras cidades e países.
O que interessa é fomentar o que possa ter maiores possibilidades de desenvolvimento, de viabilidade comercial (nomeadamente objectos de arte, de luxo mesmo, recordações ou souvernirs, etc.), o que pressupõe prospecção.
Do mesmo modo não dispensa uma aprendizagem, habilitação profissional e técnica, não realizada de maneira empírica, assistemática, de que só pode resultar abaixamento do gosto artístico e da qualidade do produto. Antes, pela reestruturação do ensino e sua organização, se poderá alcançar a criação de oportunidade de emprego para mão-de-obra subempregada e economizar um factor escasso em todas as economias em vias de desenvolvimento: o capital, possibilitando melhores níveis de rendimento, concorrendo para o equilíbrio da balança comercial, preparando mão-de-obra qualificada para o futuro desenvolvimento industrial.
Sr. Presidente: Um último ponto, entre dezenas de outros possíveis, quereria abordar, e esse respeita precisamente à promoção e segurança sociais, à Previdência.
O artesão abraça o ofício, muitas vezes com um mal menor: porque não existe muito outra coisa, por o horizonte de possibilidades de encontrar emprego ou trabalho remunerador ser restrito, segue-se o ofício, a "arte". Quantas vocações e bons profissionais não serão assim sacrificados à falta de recursos, de oportunidades na vida e de escolaridade não facilitadas ou favorecidas nos tempos de juventude?
Não admira, pois, que mais tarde, já no exercício da sua actividade profissional, as dificuldades que encontra, a precariedade das remunerações, a instabilidade da vida, lhe confiram frequentemente um sentido de desencanto: "Só não deixo esta arte porque não conheço outra." E porque se trata frequentemente de uma ocupação aleatória, instável, incerta, sobretudo se tradicional, raro é o artesão que deseja para os seus filhos a mesma arte. "Deus os livre de trabalhar nisso."
Existem, evidentemente, excepções: "Nós gostamos dessa arte porque se come e bebe dela." Mas mesmo no caso destas atitudes, mais resignadas que concordantes, por adesão própria, pessoal: "Não tenho outro meio de ganhar a vida, por isso tenho de estar satisfeito com este trabalho", por vezes persiste no íntimo a aspiração: "Queria que os meus filhos tivessem outra carreira; se eu me capitalizasse levá-los-ia para outro meio." Apesar de tudo, pode o artesanato ser forma de capitalização e promoção social, pode importar do desenvolvimento do ultramar.
Nas formas de organização tradicional, porém, o tipo de estrutura predominante bloqueia a ascensão do artífice, a sua melhoria profissional e social, dificulta a maturidade e estabilidade como categoria profissional; a estrutura fechada gera frequentemente pessimismo, a frustração, o desânimo. Pode alastrar, assim, um pessimismo difuso que atinja não só as possibilidades de inovação e renovação artesanal, mas se propaga a quase todos os valores da vida. A abertura, ainda que nocturna, de escolas ou cursos profissionais para esses artífices é melhoria das perspectivas de formação e promoção sociais.
Não deve fechar-se por mais tempo os olhos a outras preocupações que angustiam os artífices. Entre elas sobressaem, por exemplo, as inseguranças quanto à doença e velhice: "Se eu ficasse doente..."; "Quando eu for velho..."
E o teor das missivas que nestes últimos tempos têm chegado a V. Exa. Sr. Presidente, é bem o sentimento de uma expressão que começa a generalizar-se entre os empresários artesanais e de mais trabalhadores por conta própria, e importa acolher, acarinhar em suas aspirações.
Ao procurar uma solução para estes problemas, os artesãos acabam por voltar-se para os Poderes Públicos de que, por outro lado, tanto descrêem (se até os médicos já fizeram chegar a sua voz, voz de profissionais, quantas vezes liberais no exercício da profissão...).