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20 DE OUTUBRO DE 1982 35

Mas onde a monstruosidade existe verdadeiramente é na condenação da parte como litigante de má-fé se não cumprir o despacho do juiz que ordene a apresentação de novo articulado, em conformidade com a letra da lei. Não é raro existirem magistrados capazes de uma interpretação ultraformalista da lei. Choveriam assim os despachos de aperfeiçoamento com o consequente risco da condenação em litigância de má-fé. Aqui, o legislador esqueceu mesmo o conceito de litigância de má-fé, tipicizado no n.° 2 do artigo 456.° do Código de Processo Civil, que o decreto-lei não altera.
Discordamos ainda da «inovação» do n.º l do artigo 678.° Mais uma vez, aqui, o legislador quer aliviar os tribunais, e agora os tribunais superiores. Já o fez com a subida excessiva das alçadas, tapando a via de recurso a muitas acções. Ao estabelecer que o vencido ou prejudicado apenas pode recorrer se as decisões lhe forem desfavoráveis em valor manifestamente igual ou inferior à alçada do tribunal de que se recorre, pretende, mais uma vez, aliviar os tribunais à custa dos direitos dos cidadãos.
Tal dispositivo pode permitir arranjos para impedir recursos, e é altamente gravoso. Vejamos um exemplo. Uma mulher (ou um homem) - mas, neste caso concreto, é mais vulgar serem as mulheres - propõe uma acção de alimentos definitivos, pedindo uma pensão de 4000$ por mês, pedido que admite recurso. Perante os factos provados, o tribunal apenas lhe concede 1500$ por mês. Tal mulher ou homem fica, assim, impossibilitado de recorrer à apreciação do tribunal superior. É, de facto, inadmissível!
E que dizer, por outro lado, da anulação parcial do julgamento das questões de facto? Vai permitir arranjinhos nas respostas aos quesitos para os contornar com resposta dadas a outros, já que tal representará menos incomodidade. O artigo é já de si um convite ao alijar de trabalho que, na prática, poderá redundar numa justiça formal, bem afastada da material.
Muitas outras questões se nos colocam relativamente ao diploma. Como, por exemplo, a redução do prazo do rol de testemunhas de 10 para 7 dias (já aqui referido), que na prática redundará num encurtamento maior, pois se contarão os sábados, domingos e feriados, ao contrário do que hoje sucede. Isto é também uma lesão grave dos direitos das partes.
Por outro lado, e ainda, que certeza ou segurança jurídica resultará do regime experimental previsto para tribunais a definir por portaria do Ministério da Justiça? Será mesmo que o Governo pretende eximir-se ao controle desta Assembleia, já que a portaria não admite pedidos de ratificação?
Dissemos no inicio que considerávamos este decreto-lei índice de que a reforma não iria avançar o desejável. Com efeito, não vemos tocadas algumas das questões que consideramos fundamentais. Será ou não de reduzir o número de articulados nas acções ordinárias, já que, pelo menos a tréplica e a resposta à tréplica, se têm revelado peças processuais que embaraçam o andamento do processo. Será ou não de eliminar a especificação e o questionário? Há quem continue a considerar esta uma peça fundamental do processo. Mas há também quem alegue que tal peça processual espartilha a matéria fáctica, impedindo muitas vezes a justiça material. E, por outro lado, será ou não de permitir a gravação de depoimentos das testemunhas, mesmo perante o tribunal colectivo, como forma de realização da tal justiça material, sabendo-se, como se sabe, que em caso de recurso
para a Relação nenhuma - ou quase nenhuma - possibilidade tem as partes de vencer aquilo que ficou provado na 1.ª instância?
Nasceu sob mau signo este decreto-lei. Por um lado, sofre ataques dos que são avessos a inovações e se satisfazem com o status quo. Por outro lado, no meio de soluções incorrectas, está de facto esvaziado do fundamental em matéria de revisão de processo civil.
No seu pretendido, mas não conseguido, meio termo, este decreto-lei não podia, por isso mesmo, ter acolhimento favorável.
Como até agora resulta claramente do debate e das propostas apresentadas na Mesa pêlos grupos parlamentares da maioria, o decreto-lei vai sair desta Assembleia retalhado e emendado. O que se pode temer é que saia ainda mais desfigurado do que quando entrou. Da nossa parte, com as propostas que apresentaremos, tudo faremos para que isso não suceda.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faço notar que dispomos apenas de 15 minutos até ao encerramento da sessão, tempo que espero seja compatível com a intervenção que o Sr. Deputado Jorge Sampaio vai produzir.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Isto é um exemplo típico daquela velha frase: «V. Ex.ª poderá estar mal com os políticos por via da política e mal com os advogados por via do processo.» Pela nossa parte não se trata nem de uma coisa nem de outra porque não me parece que em tomo deste Decreto-Lei n.° 242/82 esteja, digamos, em risco a posição do Governo, nem certamente estará em risco u posição da oposição.
Com isto quero dizer, Sr. Ministro, que é absolutamente indispensável desdramatizar este debate. Desdramatizá-lo é absolutamente indispensável porque temos aqui, sob o fogo cruzado de críticas que até agora foram feitas, e que são justas, aquilo que é a verdadeira angústia do nosso tempo, em Portugal, e que se resume, quer a propósito do processo, da balança da pagamentos, do orçamento ou das nacionalizações, numa verdadeira, frontal e dramática falta de discussão entre os interessados. E quando esta discussão não existe, e quando porventura (oxalá assim não seja) o Sr. Ministro quase que vê, digamos, todo o seu Ministério em torno do Decreto-Lei n.° 224/82, penso que nós todos exageramos e que vai sendo altura de nos debruçarmos sobre isto numa perspectiva que tem, necessariamente, de ser de consenso em relação a coisas tão elementares, tão comezinhas e, ao mesmo tempo, tão pouco ideológicas como os prazos judiciais ou as funções das secretarias judiciais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a primeira coisa, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro, será a de que nós temos de evitar a armadilha que este debate, como em debates semelhantes, põe sempre a esta Câmara, que é, por um lado, a de criticar qualquer reforma numa perspectiva conservadora, ou, por outro lado, a de dar guarida àquilo que é a trágica corporativização dos interesses em Portugal.
Este importante exemplar que V. Ex.ª fez distribuir, segundo me consta por todas as bancadas, e que tem por