5 DE NOVEMBRO DE 1982 213
tados, Srs. Membros do Governo: A interpelação feita ao Governo sobre política de comunicação social, nomeadamente sobre o caso ANOP, veio demonstrar o completo fracasso da AD e dos seus governantes na condução de tão importante sector da vida nacional. Não admira. Quem tão clamorosamente falha em todos os aspectos da governação não poderia abrir qualquer excepção para a comunicação social, tanto mais que o responsável pela Secretaria de Estado respectiva, já deu as provas de irresponsabilidade suficientes para que qualquer Primeiro-Ministro responsável tivesse já procedido à sua substituição.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Salvo raras e honrosas excepções - que se ficam a dever ao profissionalismo dos jornalistas e não a quaisquer opções governamentais -, a comunicação social estatizada, e particularmente os seus grandes meios, tem sido posta ao serviço da propaganda política e partidária da AD no continente e do PSD nas regiões autónomas. Tal instrumentalização acelera-se de forma escandalosa em vésperas de campanha eleitoral e na proporção do desgaste e da falta de segurança que o executivo patenteia. A propalada libertação da sociedade civil não teve a menor sequência no que respeita à comunicação social. Em vez de pluralismo, temos uniformização. Em vez de objectividade, temos auto-elogio. Em vez de independência, temos controle. Em vez de debate, temos «comunicação ao País». Em vez de crítica, temos apologia. Em vez de modernização e reforma, temos antes estagnação e retrocesso.
Caso paradigmático é o da ANOP, empresa cujo trabalho jornalístico o PS sublinha com a autoridade que lhe advém do facto de nenhum dos seus jornalistas ser militante ou inscrito socialista. Descapitalizada e mal administrada por conselhos de gerência nomeados pela AD, vem esta agência noticiosa a ser inopinadamente desmantelada pelo Governo, para, em substituição, e com vultuosos financiamentos públicos, se criar uma nova empresa sob forma de cooperativa mas que não dispensará no futuro importantes subsídios orçamentais. Razões políticas e não financeiras, relacionadas com um projecto mal disfarçado de controle da informação, ditaram uma decisão que compromete gravemente o Governo e o- PSD em especial, pois, como é do conhecimento geral, o Secretário de Estado José Alfaia, simboliza de forma muito notória, particularmente pelo seu estilo, a ortodoxia dos que permanecem fiéis ao actual Primeiro-Ministro. Ao controle directo da televisão, da rádio e da maioria dos jornais, urgia acrescentar o seu controle indirecto ao nível da agência noticiosa por via de um sofismado processo de selecção de pessoal resultante da extinção da ANOP e da criação da «Notícias de Portugal». O PSD, isoladamente nas ilhas e em conjunção de esforços com os seus parceiros da AD no continente, é uma formação política sobre a qual se tem vindo a acumular um pesadíssimo rol de incompetências e atropelos na área da comunicação social. Estando em causa uma questão de regime, essencial para o funcionamento da vida democrática, há que apontar sem qualquer ambiguidade as responsabilidades particulares do Primeiro-Ministro -de quem depende a Secretaria de Estado - e do PSD, partido a que igualmente pertence o seu titular.
No processo ANOP, o Governo destruiu uma empresa que existia e prestava serviços satisfatórios para constituir outra que também necessitará de subvenções públicas para poder funcionar. Isto sem ter encarado a sério qualquer hipótese de reestruturação da empresa. Sem dúvida o Governo agiu de má fé porque a ANOP, se é certo que não estava ao serviço das forças da oposição, não se pode considerar que estivesse ao serviço da propaganda governamental, funcionando no diapasão de um serviço oficial de propaganda e relações públicas. A extinção da ANOP atinge, por isso, a dimensão de um grave atentado contra o regime democrático e as liberdades públicas e o desenrolar da actuação do Governo nesta questão deixa sérias dúvidas quanto aos métodos e processos de que esta coligação está disposta a socorrer-se para atingir os seus fins e se perpetuar no poder.
O caso ANOP, bem como a análise criteriosa do que se passa nas restantes empresas públicas de comunicação social, justificam que se reconsidere o seu modelo institucional de modo a torná-las verdadeiramente independentes dos Governos ou das maiorias políticas. Não existirá verdadeira democracia em Portugal enquanto um fortíssimo sector público de comunicação social estiver colocado à inteira mercê de nomeações governamentais. Neste aspecto a prática AD só reforça ao limite os exageros de um erro que se me afigura estrutural. A alternância política exige por outro lado que se regulamentem os direitos do governo e da oposição quanto ao acesso à comunicação social, particularmente à televisão e à rádio, e que se criem efectivos mecanismos de controle democrático sobre administrações, direcções e todas as modalidades de informação praticadas na comunicação social estatizada, desenvolvendo, aliás, algumas possibilidades abertas pela revisão constitucional e seguindo o exemplo de modelos consolidados como a BBC. A institucionalização da democracia é indissociável da institucionalização do pluralismo, da independência e da objectividade dos meios de comunicação social.
O Sr. Secretário de Estado acabou por ficar quase só neste debate. Mas a sua política é, não o esqueçamos, a política do Governo.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - De um governo que, tristemente, lhe não deu a solidariedade que devia. O facto de a AD não ser capaz de assumir uma política isenta no terreno da comunicação social só atesta que a AD é uma coligação sem um projecto político, cultural e espiritual onde tenham pleno cabimento as liberdades públicas. A democracia faculta à AD o exercício por vezes insolente do poder - mas a democracia não é um ideário enraizado na política de comunicação social praticada pelos governantes da AD. Por isso o PS não se sente vinculado aos compromissos tomados por este Governo em relação à recém-constituída cooperativa e reserva-se o direito, no caso de assumir responsabilidades governamentais, de reexaminar todo o dossier ANOP bem como as vantagens de uma agência noticiosa constituída sob a forma de empresa pública pluralista, objectiva e independente.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O veto sobre o decreto-lei que extingue a ANOP abre à Assembleia da República a possibilidade de corrigir um gravíssimo erro do Governo. Teimará o Governo em permanecer arrogantemente nesse erro ou aproveitará para rever a sua política e aceitar discutir um novo modelo institucional de empresa pública de comunicação social?