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10 DE NOVEMBRO DE 1982 257

direitos que muito especialmente dizem respeito à mulher. E caso para dizer que já não era sem tempo! Reveste-se de grande significado este facto, só possível por o PCP ter usado para o efeito os seus direitos constitucionais e regimentais. O pais poderá assim assistir a um debate e à tomada de resoluções sobre problemas a que ninguém é alheio e dizem respeito à vida e ao viver de todos nós, mulheres e homens.
É positivo que tal suceda, contrastando salutarmente com as tentativas de redução da Assembleia da República a um órgão que não legisla sobre os grandes problemas nacionais, perdido entre quezílias e oratórias estéreis.
Tratando-se de temas como a maternidade, o planeamento familiar e a IVG, é evidente que é muito particularmente à mulher que este debate se destina, e é sobretudo para resolver alguns dos mais graves problemas com que elas se defrontam que o assumimos. Consagrar estes direitos, fundamentais da mulher portuguesa, exige coragem e frontalidade, coerência e transparência. Foi com esse espírito que o PCP tomou a iniciativa de trazer à Assembleia da República este debate. Na verdade, as mulheres, tão faladas e pretendidas na véspera das eleições (sempre são mais de 50% de votos) têm sido. nos mais profundos e reais problemas específicos do seu «ser mulher», tão sempre preteridas, tão propositadamente esquecidas... Isto não sucede por acaso. E este debate vai contribuir para tornar mais claras as verdadeiras causas dessa situação. Nele vão estar em presença concepções bem diferentes sobre a condição feminina, o papel da mulher na família e na sociedade, a relação homem-mulher.
Vão chocar-se mentalidades, vão confrontar-se pontos de vista opostos.
A tese de que a mulher é um ser inferior ao homem, tese oficial do fascismo, por ele propagandeada, e largamente consignada na legislação durante 48 anos, terá aqui hoje ainda os seus acérrimos defensores. O ideal de mulher oscilando entre a «gata borralheira» e a «boneca de porcelana», considerando «qualidades» inerentes à condição feminina a ignorância, a submissão, a futilidade, a ausência de vontade própria e de personalidade vai ser aqui retomado pelos representantes e defensores do regresso ao passado. De forma mais ou menos encapotada, com mais ou menos verniz, vão alguns no fundo assumir determinadas atitudes e até sentidos de voto porque querem manter a subalternização das aspirações, opiniões e capacidades da mulher e pretenderiam sobretudo que as mulheres não se considerem a elas próprias como seres com direito à felicidade e à realização pessoal, mas sim como simples peças diluídas num todo familiar, nelas assente, mas que as exclui como pessoas, para as reduzir a serviçais.
Pretendem, e teorizam ainda hoje em 1982 a confinação da mulher ao papel de reprodução e ao esgotamento no fatalismo do trabalho doméstico.
No fim do século XIX, a baronesa Von Staffe, num livro sobre a mulher ainda reeditado pelo fascismo como «guia seguro e completo para as senhoras portuguesas», escrevia: «A donzela é destinada ao casamento» e «numa sociedade bem organizada, a mulher, em qualquer condição, não tem outros deveres que não sejam ser a esposa, criar os filhos e governar a casa com ordem e com economia». Mal imaginava a baronesa que, em 1982, na Assembleia da República Portuguesa, ainda vai haver não só quem se bata pelas suas teses como até quem as tenha tentado transpor para proposta de lei a chamada «Lei de Bases da Família» que há meses aguarda votação...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas se resquícios destas teorias retrógradas e historicamente ultrapassadas vão ter aqui certamente os seus defensores (e até. ironia suprema, as suas defensoras) cá estaremos também todos os deputados e deputadas que em consonância com o texto constitucional, defendemos a consagração na lei, tal como na sociedade, da plena igualdade da mulher.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Nós sabemos, Srs. Deputados, que a plena igualdade na relação homem-mulher, a alteração da tradicional divisão de papéis na família, a emancipação da mulher só são alcançáveis por inteiro com a construção - pela luta conjunta dos homens e mulheres- de uma nova sociedade que substitua a que hoje a ambos oprime. Mas são passos e conquistas de enorme significado todos os que resultem da consagração na lei de direitos da mulher que alterem e melhorem a sua condição.
A importância social deste debate advém também do facto de ele fomentar e incentivar a consciencialização por parte das mulheres e homens deste país sobre a sua forma de estar na família, na sociedade e na vida, pondo em causa concepções ideológicas seculares e retrógradas, e abrindo caminho a uma profunda e necessária alteração de mentalidades.
Criar as condições legais necessárias à garantia de que a maternidade seja um acto livre, consciente e feliz e não uma fatalidade biológica; permitir à mulher e ao casal decidir o número de filhos que desejam ter e quando; consagrar o direito da criança a ser desejada pelos pais, primeiro passo para uma infância e um futuro felizes - são objectivos fundamentais dos projectos de lei que trouxemos à Assembleia da República. Mas eles destinam-se também muito especialmente à mulher trabalhadora, àquelas que sentem na pele diariamente a carga do exclusivo do trabalho doméstico, toda a organização da vida familiar e até mesmo da educação dos filhos, depois de horas de trabalho na fábrica ou no serviço; às que são as últimas a arranjar emprego e as primeiras a ser despedidas; às que são penalizadas por serem mães e a cujos problemas, apesar das alterações verificadas desde o 25 de Abril, ainda não se deu resposta séria e prioritária, designadamente através da criação de estruturas sociais de apoio como creches, infantários, lares de terceira idade, centros de dia...
Permitir, pela consagração na lei de direitos fundamentais, que as mulheres conciliem a sua função de mães, de trabalhadoras e de cidadãs é pois outro dos nossos objectivos. Quantas mulheres têm de renunciar à sua realização profissional, mesmo que isso signifique um grande sacrifício pessoal e para economia da sua família, por não conseguirem conciliar as suas funções? Quantas mulheres se vêem impedidas de assumir responsabilidades cívicas, ou renunciam a actividades culturais, ou não têm nunca pura e simplesmente um minuto livre de descanso seu. porque a vida é demasiado difícil?
Como escreveu tão bem Maria Velho da Costa: «Elas são 4 milhões, o dia nasce, elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café»... «Elas brigam nos mercados e praças por mais barato»... «Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado»... «Elas sobem para