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10 DE NOVEMBRO DE 1982 261

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Evitar que ao público passasse despercebida, como passou, que o que estamos a discutir, é sobretudo e acima de tudo a salvaguarda da maternidade consciente, da saúde dos indivíduos e que defender um quadro legal para a interrupção da gravidez, é tolerá-la apenas como último recurso e condená-la como prática anticonceptiva normal. Era o que devia ter sido feito para fazer face ao flagelo social que é o aborto clandestino.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Lamentavelmente, muito embora todos os partidos dessem o seu acordo à criação da referida comissão ad-hoc, tacitamente todos se recusaram, pelas mais variadas razões, a levar para a frente a proposta formulada e agendada. A vontade e o empenho de alguns deputados, mostraram-se mais uma vez ineficazes, face à inércia e ao modo de funcionamento deste órgão de soberania. A Assembleia não cumpriu o seu dever como lhe competia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Esta Assembleia contribuiu assim, com acrescida responsabilidade da maioria AD, para o imobilismo político e cultural que caracteriza hoje a sociedade Portuguesa e a paralisa na busca de soluções para os problemas mais gritantes.
Nestas condições o debate que hoje iniciamos é um debate viciado. Pode ser porém, um desafio aos deputados que se assumem conscientemente e se recusam como robots partidários. É muito especialmente um desafio às mulheres que aqui se encontram qualquer que seja o partido em que se situam. Esta discussão não nos pode deixar de tocar a todas, sobretudo nas condições em que é feito: sem estudo profundo e rigoroso, sem debate político prévio inter grupos-parlamentares e comissões especializadas, sem audiência de especialistas. Debate mergulhado hoje em interesses eleitorais de conjuntura, em objectivos estratégicos partidários, debaixo de pressões de grupos sociais preponderantes.
Estes assuntos de tão graves repercussões na vida de todos nós, a concluir pelo esforço que foi despendido neles comparativamente ao que se fez para a revisão constitucional, a Lei da Defesa Nacional e se fará, estamos certos, para o próximo Orçamento Geral do Estado, valem, concluímos, para esta Câmara, pouco ou nada. Isto é: que milhares de mulheres morram por ano por aborto clandestino, que muitas mais sofram na sua vida de falta de condições para o exercício de uma maternidade que assumem e aceitam, que os nossos filhos e as nossas jovens filhas não sejam ajudadas no desabrochar da sua afectividade e sexualidade, é assunto de pequeno interesse para a Assembleia da República. São assuntos, para muitos, demasiado domésticos para ter honras de órgão de soberania.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Um debate, nestas condições, humilha-nos enquanto deputadas; humilha as mulheres no seu espirito, na sua inteligência, no seu coração e nos nossos corpos. É, além disso, desesperante verificar que é uma Assembleia de homens e só de algumas mulheres que vai decidir punir ou definir condições a quem não pode, em sua consciência, conceber. Os homens que não geram, fazem as leis que podem transformar o que de imensamente feliz uma mulher pode ter -a maternidade consciente- numa fatalidade a que as obrigam. É difícil e incómodo. Mas não posso deixar de afirmar que, sentindo bem a inutilidade imediata dos esforços na acção política, estamos de novo perante um longo caminho cheio de obstáculos a combater. Mas sei que estou acompanhado e em consonância com todas as outras que nesta Assembleia nos entregaram a sua voz qualquer que sejam as suas opções políticas, convicções religiosas ou classe a que pertençam. Esta não é uma luta em nosso favor. É uma luta nossa que desafia a tolerância e a procura em conjunto - homem e mulher - a plena dignidade de cada um.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegada a esta altura creio não ser tempo já, para esgrimir argumentos que, há 6 ou 7 meses, teriam razão de ser. Nomeadamente, a auscultação da população através do referendo que defendi desde o início da discussão pública e, nos mais variados sítios por onde passei em esclarecimento político - não necessariamente imprescindível, como mostra o exemplo de França- mas para ultrapassar o facto, de nenhum partido político ter introduzido no seu programa eleitoral, expressamente esta matéria.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Por culpa de quem?

A Oradora: - Esta questão, infelizmente, também já hoje se não põe uma vez que, apesar de algumas vozes nesta Assembleia o defendessem, não se consagrou na Constituição o referendo para matérias como esta.

Vozes do PSD: - Ah!

A Oradora: - Tenho a certeza que, a ser feito, revelaria bem a irresponsabilidade, se não a hipocrisia, desta Assembleia.
Não é altura muito menos para aqui se representarem teatralmente as clássicas polémicas sobre o começo de vida, o conflito entre o direito à vida da mãe e do feto, a inviolabilidade de consciência da mulher ou dos médicos e pessoal de saúde, os efeitos moralizantes ou não da penalização do aborto, a definição no mais alto nível de jurisdicismo do crime contra a vida, as preocupações das teorias natalísticas, da ciência e embriologia, etc., etc. Querer, ainda agora, refugiar-se nestes argumentos, fugindo a encarar a realidade do concreto, do flagelo social do aborto clandestino; das condições pessoais em que é cumprida por tantas mulheres a função social da maternidade; as condições humilhantes e deseducativas em que se impede o planeamento familiar a jovens; as recomendações das instituições internacionais e especificamente do Parlamento Europeu; e a Europa em que vamos entrar pelos vistos, às arrecuas; dá provas do mais profundo imobilismo político e cultural em que caiu a vida Portuguesa.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

A Oradora: - Argumentar deste modo é uma forma