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534 I SÉRIE - NÚMERO 16

pelo Plenário, dou a palavra ao Sr. Deputado Octávio Cunha para uma declaração política.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apraz-me verificar a presença de muita gente jovem, provavelmente estudantes. E diria que - não se ofendam nem os ouvidos nem os sentidos -, porque aquilo que vou dizer já foi dito por Camões, por Gil Vicente, por Fernando Pessoa, por Natália Correia...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E por mim!

O Orador: - ... e por Graça Rodrigues.
Venho falar-lhes, muito rapidamente, sobre a censura, desde a Inquisição até ao Dr. Palma Carlos.
Srs. Presidente, Srs. Deputados: País cinzento este que é o nosso onde ao longo dos séculos o génio tem sido fruto do acaso mais do que resultado da investigação, da procura persistente da verdade e da coerência.
Intelectualmente somos de certo modo parente directo de um Santo Ofício que só não queimou Gil Vicente porque ele teve a sorte, e nós a graça, de ter morrido no momento em que em Portugal nascia a Inquisição.
País cinzento este que se dá ao luxo de se iluminar do fogo que ateou por baixo do cidadão António José da Silva, o Judeu, maldito queimado na fogueira ateada pela fé ortodoxa dos inimigos do progresso, da verdade e do espírito.
País cinzento este feito de «adoradores estáticos no melhor dos casos e hipócritas refinados no pior...», «inventores geniais de concórdia» e «verdades médias»...
País cinzento este onde nos «resta a consolação de não ter contribuído em nada para chegar através das famosas cadeias de razões até à bomba atómica. ..».
País que é o nosso e que é como é que transitoriamente se agita e é criador para logo acabar no «tinha de ser».
País de génios fugazes e vontades inabaláveis, mas logo país opaco, obseuro, prisioneiro dos tentáculos dos funcionários obedientes e agradecidos.
«Ou o tudo ou o se nada», como dizia Pessoa.
País onde o «tudo» ou até o «quase tudo» sempre foi curto e o nada sempre tão longo. Um nada gerador de frustração e indiferentismo, do «depois vemos», «vamos ver o que se arranja», «o seu pedidozinho será atendido se...», etc.
Que não se pense que com isto queremos dizer, que ao longo da nossa longa história, não se notem esforços para atingir o que nos eleva à dignidade humana. Só que neste percurso são mais longos os períodos em que predomina o «gosto da glosa jurídica, da astúcia formal, da conciliação do inconciliável quando o mais empírico interesse pessoal ou social está em jogo, sem jamais pôr em questão o sistema que sob conteúdos diferentes em cada época, mesmo aos que aparecem sob a exigência da libertação e ruptura com a mentira social e intelectual institucionalizadas, se reconstitui e de novo se fecha sobre si mesmo».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1539 - 50 anos após a impressão do primeiro livro de que temos conhecimento ter sido publicado em Portugal, O Tratado de Confisson, impresso em Chaves, a 8 de Agosto de 1489 - aparece o primeiro livro censurado, O Ensino Cristão.
A 2 de Novembro de 1540 o inquisidor-geral, o infante D. Henrique, confia a censura disciplinar dos livros a 3 dominicanos e a 29 de Novembro de 1540 o inquisidor João de Melo legisla no seguinte sentido: «Que não deviam imprimir cousa alguma sem primeiro mostrarem aos censores nomeados, sob pena de execução e de dez cruzados de multa para as despesas da Inquisição.»
A partir daí poucos são os momentos em que oficialmente a censura deixa de existir.
Curiosamente, e tal como durante o regime salazarista e hoje no exemplo particular que daremos - o do Sr. Dr. Palma Carlos -, já a 13 de Fevereiro de 1821, no primeiro Parlamento português o deputado Anes de Carvalho justificava a censura com a seguinte argumentação: «A Nação não está preparada, nem pela opinião nem pela instrução, para tamanha largueza de liberdade (...). Um povo que geme há três séculos debaixo do regime inquisitorial; um povo que longo tempo sujeitou o seu pensamento a triplicada censura...», etc.
Em 1933, o artigo 3.º da Constituição diz textualmente: «A censura terá somente por fim impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade», e em 1944 a Direcção dos Serviços de Censura de Instruções diz: «Parece desejável que as crianças portuguesas sejam cultivadas não como cidadãos do Mundo, em preparação, mas como crianças portuguesas que mais tarde já não serão crianças, mas continuarão a ser portuguesas.»
A 29 de Outubro de 1984 Palma Carlos, presidente do conselho de gerência da RTP, determina no ponto 2 da ordem de serviço n.º 59: «Após esse visionamento deverá o funcionário que a ele tiver procedido elaborar um breve relatório sobre o filme, em que informe, sob a sua responsabilidade, qual o tema de que trata e se contém imagens ou textos susceptíveis de ofenderem os telespectadores, tendo em conta os valores morais por que se regem a maioria dos portugueses.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Curiosa coisa é o modo como a história se repete. Assim, por ironia dos que persistem em chamar à estupidez destino, hoje Novembro de 1984 como ontem Novembro de 1540, alguém, neste caso o presidente do conselho de gerência da RTP, chama a si poderes extraterrestres, assumindo-se como verdadeira consciência moral da maioria dos Portugueses.
Mas não se fica por aí o Dr. Palma Carlos. Utilizando poderes, que efectivamente a lei lhe concede, mas que são estranhos à razão e ao respeito devido a qualquer profissional - que só pode ser julgado pela sua eventual incompetência -, na sua divina tarefa de inquisidor-mor decide expurgar o mal que flagela os telespectadores portugueses reenviando à procedência o Sr. Jornalista José Mensurado. Não está aqui em causa defender o Sr. Jornalista José Mensurado. O que está aqui em causa é que nenhum trabalhador, seja de que sector for, possa ser marginalizado por razões políticas, ideológicas ou pessoais.