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1754 I SÉRIE-NÚMERO 45

O «Poeta militante» não entravou o passo do cidadão militante que participou activamente em todas as grandes batalhas pela cultura, pela liberdade, pelo bem--estar do nosso povo e pela paz entre os homens. Com a sua inscrição como militante do PCP, em Fevereiro de 1980, quis ele dar plena coerência ao sentido e ao conteúdo da sua vida, mas foi mais um acto de grandeza exemplar, pois não escolheu os dias mais felizes e mais propícios ou a hora de acontecimentos espectaculares, escolheu precisamente o momento em que as realidades e os presságios não eram favoráveis ao PCP e ao regime democrático saído da revolução de Abril.
A voz de José Gomes Ferreira é uma chama imperecível na nossa literatura, na nossa história e no nosso combate.
A companhia do camarada poeta José Gomes, essa, é insubstituível.
É para nós um grande vazio. Uma grande saudade.

Vozes do PCP, do MDP/CDE e da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Moura.

O Sr. Vieira de Moura (PS): - Seria, evidentemente, impensável que a bancada socialista deixasse de votar, favoravelmente, um voto de pesar pela morte física do poeta José Gomes Ferreira, que, durante um largo período temporal, perfumou a literatura portuguesa com o eflúvio dos seus poemas - dos poemas que sob o magistério lírico de João de Deus marcado nos Lírios do Monte - lhe assinalou a presença viva no nosso panorama das Letras.
Personalidade rica, destituída de artificialismos literários, a sua pena molhada numa tinta a que, em grande parte, a boémia literária fornecia pigmento, nunca se mostrou engomada de literatice nem impregnada de embófias intelectuais.
Desde os sonetilhos de Longe - o livro que a Seara Nova distribuiu - e onde, sem grandes sondagens inquiridoras no subsolo, era fácil encontrar o poeta que tão exuberantemente veio a revelar-se José Gomes Ferreira, foi uma presença sempre viva no nosso panorama cultural ao longo de mais de 60 anos.
E solicitado, embora, por caminhos variados de expressão, quer compondo como «músico amador» um poema sinfónico sobre o «Idílio Rústico», de Trindade Coelho, quer alinhando rimas nos seus sonetilhos, quer a acertar, espontaneamente, o passo, não com modismos invertebrados e de frágil consistência, mas com caminhos limpos de descoberta, José Gomes Ferreira foi uma presença sempre viva e, sobretudo, nova, que toda a vida se recusou - como, aliás o confessa - a ter mais de 20 anos.
E, fossem quais fossem os caminhos que trilhou, nunca enjeitou o suplemento de lirismo herdado do seu «padrinho e mestre João de Deus» - segundo a sua própria expressão - e o perfume que se evolava do Campo de Flores, mesmo quando, como poeta militante, cantava: «Bem sei, covarde, choras a Flor/Para te esqueceres da Criança que te pediu esmola.»
Mas, mesmo que a pena lhe resvalasse para crónicas - onde, aliás, o poeta permanecia - o mesmo viço rescendente se evolava e a mesma frescura lhe impregnava a tinta que, «quixotescamente», como agudamente pressentiu Leonardo Coimbra, lhe molhou a caneta para contar a história de João sem Medo.
Coração largo, era insuperável na capacidade de admiração pelos confrades das Letras, situassem-se eles em que ponto cardeal se situassem. Quer se tratasse de um Raul Brandão, a quem chamava mestre, quer de um Teixeira de Pascoais, figura grande da sua galeria, quer lhe surgisse na frente um Aquilino - personalidade grande mas tão dissemelhante da sua, ou de um Pina de Morais, hoje tão injustamente esquecido, sempre lhe saiu da pena a mesma palavra generosa e pura para o louvar com a sinceridade mais estreme.
Nascido em 1900, viveu intensamente períodos conturbados, imerso num mar de paixões e de lutas: primeiro, como menino de bibe, testemunha o fim da Monarquia; depois, adolescente precoce, vive os primeiros entusiasmos da República. E, em determinada altura, já homem, investe com a bruma escandinava, recebendo na fronte o baptismo da neve. Um lugar de cônsul obriga-o a trocar a pena de poeta pelo carimbo de funcionário numa repartição de cujas vidraças sente o exílio do sol de Portugal.
E, nostálgico das tertúlias de Lisboa, da boémia literária irisada de projectos, não aquece lugar e decide vir viver, por inteiro, o seu destino de poeta - de poeta, sempre poeta, mesmo quando assume, como ele próprio diz: «O ateísmo por humildade em frente do mistério.»
Sem basófias literárias e, ao mesmo tempo, sem falsas modéstias, confessa-se «o aprendiz de escritor que fui e desejo continuar a ser até ao bafo final no espelhinho dos moribundos».
Entretanto, dá à estampa A Imitação dos Dias - o livro de memórias mais desprendido que um escritor é capaz de deixar atrás de si, e deixa, ainda, A Memória das Palavras que subintitula como «o gosto de falar de mim» e, ainda aí, não se exime a falar dos outros, fazendo da obra um paradigma de humildade confessional.
Novo, sempre novo, morre José Gomes Ferreira com 84 anos, mas com apenas 20 anos de idade, como sempre desejou, não sem pedir que: «Quando eu morrer não compliquem/O mistério/Com pios de coruja/Nem me levem para o cemitério/Da morte, da nuvem suja.»
Pois não sejamos nós, pela via da retórica, a soltar os pios de coruja sobre o seu cadáver - nós que queremos levá-lo, isso sim, para as alturas da nuvem mais branca e mais pura que possamos encontrar.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, farei uma declaração conjunta quando for lido o outro voto de pesar.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª não visse inconveniente também eu me reservaria para fazer a minha declaração depois de lido e votado o voto de pesar relativo ao escritor Nuno Bragança.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.