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10 DE MAIO DE 1985

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causa de um desgosto de todos. No velho regimento do Marquês de Pombal, cuidadoso das honras e respeitos devidos, estabelecia-se que apenas dá honras quem as tem; por isso, nos desfiles universitários, são os mais importantes que vão no fim. No dia em que o seu corpo foi transportado da Universidade para o túmulo, o espírito do Dr. Mota Pinto estava, por direito próprio, no último lugar do cortejo dos doutores. E, também por direito próprio, no primeiro lugar das meditações dos estudantes que o acompanhavam, porque o seu ensino e o seu exemplo avultam no património com que a Universidade os habilita para enfrentarem a batalha do futuro, em cujo combate faleceu.

Aplausos do CDS, do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não evocaremos hoje aqui nem as diferenças (conhecidas), nem os momentos de confronto (de que todos nos lembramos), nem as distâncias que nos separaram de alguém que politicamente combatemos, frontalmente, no plano das ideias.
Só a história ajuizará em definitivo os méritos e deméritos. A nossa presença aqui tem, concretamente, o significado de expressão de pesar, que manifestamos, pela morte de um deputado (que aqui esteve desde a Assembleia Constituinte) e pela morte de um homem que deixou, inquestionavelmente, assinalada a sua passagem por aqui.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, teria agora a palavra o representante do Grupo Parlamentar do PSD. Porém, a pedido deste - e com natural compreensão e generosidade do PS -, ficará o PSD para o final, para usar da palavra em representação do Parlamento.
Assim, por amabilidade e compreensão do PSD, concedo a palavra ao Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A minha amizade com Mota Pinto é anterior às nossas filiações partidárias, estava antes delas e para além delas. Sobreviveu a divergências e antagonismos e não foi sequer atingida pela circunstância de termos sido cabeças de lista dos nossos respectivos partidos no mesmo círculo eleitoral.
Outros, melhor do que eu, evocarão o professor, o dirigente partidário, o estadista. Eu guardo sobretudo a memória do jovem assistente que, no início dos anos 60, não tinha medo de conviver com estudantes antifascistas perseguidos pela PIDE, evoco um dos poucos docentes que se sentava à nossa mesa e passeava connosco na Praça da República, um dos raros que partilhava as nossas angústias e as nossas esperanças e já então acreditava, como nós, na superioridade política e moral da democracia. Não posso esquecer que, depois de ter saído da prisão, quando fui colocado em Coimbra com residência fixa, Mota Pinto manteve esse convívio, apesar da presença ameaçadora e provocatória dos agentes da polícia política. Era um tempo de ameaça e de mordaça, mas era também um tempo de sonho, de luta, de generosidade e fraternidade.
Um tempo sem cálculo, nem intriga, nem baixa política no campo dos que se opunham à tirania. Ser democrata era um risco, mas também uma honra. Ser solidário era uma forma de coragem, mas também uma moral. Mota Pinto soube correr esse risco e viver na prática essa moral, que era a moral do companheirismo, da solidariedade e - devo dizê-lo - do antifascismo.
Era uma outra forma de estar na política, nesse tempo em que nada havia a ganhar senão a íntima satisfação do dever cumprido.
Data desse tempo a nossa amizade. E é essa a imagem que guardo de Mota Pinto: a imagem de um homem para quem o imperativo cívico se sobrepunha às conveniências, ao cálculo e à carreira.
Talvez por isso ele não tenha nunca conseguido adaptar-se ao percurso armadilhado em que tem vindo a transformar-se a nossa vida política. Dividido, como realçou o nosso comum amigo Barbosa de Melo, entre dois apelos, o da vida universitária e o da intervenção política, creio que Mota Pinto se sentiu sempre um pouco exilado num quotidiano político marcado por enganos e mentiras, armadilhas e emboscadas. Tenho a certeza de que ele preferia o convívio com os seus amigos em Coimbra às tensões dos jogos de corte e de poder. E sentir-se-ia, sem dúvida, mais ele próprio no ritmo tranquilo da sua Universidade do que no frenesim da grande e baixa política da capital.
Algumas vezes desabafámos um com o outro.
Algumas vezes, falando da nossa cidade e da nossa Académica, recordámos com nostalgia o tempo do nosso romantismo e da nossa ingenuidade; esse tempo em que nada sabíamos ainda das solicitações e emboscadas do poder. Seja como for, creio que nada alterou a confiança de Mota Pinto na democracia e nos valores nacionais que foram sempre para ele a preocupação primeira e a motivação fundamental da sua actividade política.
Pode-se ter discordado - e não foram poucas as vezes em que discordámos - das suas opções e dos seus actos políticos; mas creio que não se pode negar a Mota Pinto a sinceridade do seu empenhamento cívico, o seu patriotismo, a sua profissão de fé democrática, a sua frontalidade, a sua fidelidade aos princípios em que acreditava.
Como socialista, inclino-me perante o social-democrata que atribuía à política uma dimensão ética e era particularmente sensível à necessidade de conciliar os valores da liberdade e da justiça social.
Como deputado por Coimbra, presto homenagem ao conimbricense de coração, ao académico e ao universitário que sempre foi fiel às tradições e aos valores culturais de Coimbra, como parte integrante do património cultural português.
Como democrata, rendo o meu preito ao constituinte a cuja inspiração se deve a designação da nossa Assembleia e ao republicano que acreditava nos valores da igualdade cívica, na força do patriotismo, na superioridade da democracia sobre qualquer outra forma de organização política.
Da sua morte prematura, tenhamos a coragem de retirar a lição de que é necessário e urgente uma outra forma de encarar e viver a política. Para vencer a descrença, é preciso restituir à democracia a sã alegria do