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I SÉRIE - NÚMERO 83

de modo mais ou menos directo engrossam a chamada «guerrilha institucional».
Por isso mesmo, criticamos, nesta tribuna, o modo como foi recentemente exercido o direito de veto presidencial, arriscando-se a aparecer aos olhos do País como um acto mais, a acrescentar a tantos outros, de crítica menos reflectida da instituição parlamentar.
Por sua vez e no plano do exercício das nossas responsabilidades, enquanto oposição, temos vindo a denunciar os casos em que o Governo tem sido responsável por actos de menos respeito para com a instituição parlamentar e por aquilo que ela significa no contexto do regime.
Sobranceiramente apoiado na ideia de que a existência de uma maioria de dois terços lhe permite relegar o cumprimento das disposições constitucionais sobre as suas relações com o Parlamento para a categoria dos actos meramente formais, o Governo assume com demasiada frequência atitudes menos correctas para com a Assembleia da República.
E sobretudo não se tem furtado, como devia, a utilizar, com boa dose de leviandade, os argumentos fáceis da ineficácia dos parlamentos para encobrir as suas próprias deficiências, com destaque para a que resulta da indisfarçável ausência no seu seio de uma clara orientação de conjunto.
E ainda pior do que isso, não tem sabido, ou querido, impedir que todos os problemas de relacionamento com os grupos parlamentares da maioria acabem por se reflectir aos olhos do público como defeitos da própria Assembleia da República.
Falam por si, neste domínio, com eloquência mais do que suficiente, o modo como têm vindo a ser conduzidos certos processos legislativos, como é o caso do respeitante à lei da segurança interna e à lei quadro da criação de autarquias, para não me alargar nas citações.
O Governo não se entende, falta-lhe um mínimo de coerência programática e quem paga é o Parlamento. Esquece-se o Executivo de que, por si e pela maioria que o apoia, lhe está, sem dúvida, reservada a parte mais importante das iniciativas destinadas a fazer funcionar a Assembleia, enquanto órgão legislativo.
Mas a fazê-la funcionar e não a silenciá-la, como agora inaceitavelmente aconteceu com um tema e um diploma que tem ocupado o primeiro lugar da atenção dos órgãos de opinião do nosso país.
Refiro-me ao recentemente publicado Código do Direitos de Autor.
Trata-se, com efeito, de um processo paradigmático, que poderia, como nenhum outro, ser invocado como exemplo daquilo que não deve ser feito, se ainda valesse a pena tentar ensinar alguma coisa a este Governo.
Vale, porém, sempre a pena apontá-lo como denúncia, desmascarando aqueles que farisaicamente se considerem detentores do monopólio da defesa da democracia e que, depois, nos actos, se mostram desrespeitadores descarados da instituição que verdadeiramente a caracteriza.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Como é sabido e como devia ser, pelo menos, do conhecimento do Sr. Ministro da Cultura, o CDS apresentou nesta Assembleia um projecto do novo Código dos Direitos de Autor, subscrito pelo presidente e por um dos vice-presidentes da sua comissão política, que no VIII Governo Constitucional desempenharam os cargos de Ministro e de Secretário de Estado da Cultura.
Recebido pela Mesa, o projecto recebeu o n.º 291/III, baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação e foi publicado no Diário, 2.ª série, de 3 de Março de 1984.
A manifesta desactualização do Código, aprovado em 1966, constituiu justificação mais do que suficiente para a oportunidade da iniciativa destinada a colmatar uma lacuna do nosso ordenamento jurídico, em aspecto tão relevante da vida dos Portugueses.
Tendo, entretanto, chegado ao seu conhecimento o facto de o Governo estar a elaborar um texto próprio, os subscritores da iniciativa do CDS e com eles o grupo parlamentar entenderam por bem não recorrer ao processo de urgência, nem tão-pouco à fixação da ordem do dia, como era seu direito.
O entendimento foi sempre o de que a questão do tempo não deveria nunca prejudicar a possibilidade de conseguir a revisão do obsoleto Código em vigor, conhecidas como são as susceptibilidades do Governo e da maioria em matéria de iniciativas legislativas, susceptibilidades que têm já sido arrogantemente alardeadas nesta Casa.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Foram, porém, agora levadas estas susceptibilidades ao seu último extremo. Com efeito, e como é de todos sabido, o Governo entendeu desrespeitar a iniciativa da Assembleia e publicou o seu próprio [...] Código, sob a forma de decreto-lei (o Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de Março).
A natureza da matéria em discussão não teve peso suficiente para o levar a reflectir sobre a necessidade de respeitar a iniciativa política dos deputados.
E ao desrespeitar essa iniciativa o Governo desrespeitou também a arquitectura constitucional da organização do poder político que atribui, sem dúvida, ao Parlamento, o primado da função legislativa, como resultava já do texto constitucional de 1976 e como foi acentuado com a revisão de 1982.
Mais um acto, portanto, a juntar a tantos outros de guerrilha institucional contra a Assembleia da República.
E em nome de quê? Da grande tecnicidade da matéria a tratar, incompatível, por isso, com o estilo e as possibilidades de trabalho da Assembleia?
Se foi esse o objectivo, cuja invocação é desde logo incompatível com o espírito e a letra da Constituição, deverá dizer-se que não foi minimamente alcançado.
O Governo acabou por fazer obra apressada, carregada de imperfeições técnicas e além disso obra inconsiderada carregada de erros e de más, para não dizer péssimas, soluções, conforme aqui será demonstrado ainda esta semana e como resulta do enorme coro de protestos que o Código tem, por toda a parte, levantado.
Bem pode, pois, o Governo guardar os direitos de autor desta obra-prima que não honra ninguém.
E a culminar todo o processo, o Sr. Primeiro-Ministro numa manifestação de leviandade indesculpável que já lhe é característica, confundiu, em declaração pública, o decreto-lei com uma simples proposta, remetendo para a Assembleia a responsabilidade última pelo Código.

Aplausos do CDS.