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24 DE OUTUBRO DE 1986

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora às declarações de voto acerca do voto de pesar, aprovado na última sessão, pela morte de Samora Machel, dispondo cada grupo parlamentar de cinco minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nascido em 1932, Presidente desde a independência de Moçambique, em 1975, Samora Machel morreu na noite do passado domingo.
O destino atribuíra-lhe a alta e difícil missão de liderar o processo de independência de Moçambique.
Já em 1974 os sociais-democratas tinham a consciência de que a paz e a cooperação internacionais eram condições essenciais de garantia da liberdade dos povos. E anunciavam como um dos objectivos globais a atingir a promoção da paz, através do repúdio do colonialismo, do imperialismo, do neocolonialismo e de qualquer outra forma de exploração e domínio de um povo sobre outro.
Também em 1974, o Programa do Movimento das Forças Armadas, assim como o Programa do I Governo Provisório, reconheciam que a solução das guerras coloniais era essencialmente política e não militar. E prometiam a instituição de um esquema destinado à consciencialização de todas as populações residentes nesses territórios, para que, mediante um debate leve e franco, pudessem decidir do seu futuro, no respeito pelo princípio da autodeterminação.
Não quis a história, sob a pressão dos acontecimentos, que fosse esse o evoluir político dos territórios coloniais.
Mas a independência de Moçambique consumou-se. Com ela esteve o povo português e por ela lutou Samora Machel.
Como diria Maurice Duverger, Samora Machel foi um chefe real, e não apenas aparente, que exerceu praticamente o poder.
Para os Portugueses, o seu nome poderá ter significados diversos e trazer recordações diferentes. Mas a todos se impôs naturalmente a sua envergadura de estadista, que foi, sem controvérsia, protagonista fundamental na procura da paz na África austral.
Combatente contra o colonialismo português em África, Samora Machel adquiriu legitimamente o direito de participar no história de Portugal.
Chefe da FRELIMO após o assassinato de Mondlane, em 1969, reconhecido e glorificado pela Revolução em 25 de Abril, coube a Samora Machel a missão e a dignidade de ser o primeiro Presidente da República Popular de Moçambique.
Como Chefe de Estado não teve uma tarefa fácil: enfrentou a guerrilha; combateu a seca e outras intempéries; deparou por vezes com a incompreensão e mesmo a hostilidade. A independência, em 1980, da vizinha Rodésia, agora Zimbabwe, não lhe trouxe melhorias na segurança.
Mas Samora Machel, embora político doutrinário rigoroso, mostrou-se pragmático na governação, quer interna, quer externamente - o Acordo de Incomáti, em 1984, foi disso um flagrante exemplo.
A morte de Samora Machel é um rude golbe para a República Popular de Moçambique.
Para nós, Portugueses, seja qual for a perspectiva em que nos situemos e com que se encare a nossa história recente, o desaparecimento de uma figura como Samora Machel traz-nos tristeza e consternação.
Diria apenas, para terminar, como Anatole France: «Quando um homem se extingue, novas formas aparecerão.»

Aplausos do PSD e do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando há pouco mais de três anos visitou a Assembleia da República, o Presidente Samora Machel afirmou-nos, num discurso inesquecível pela profundidade política, a generosidade revolucionária e a emoção com que foi pronunciado, que - e cito - «a vitória de Moçambique era também uma vitória do povo português».
Os comunistas portugueses fazem agora sua a dor e a consternação que desabou sobre o povo moçambicano. Entendem que é a nossa vez de reconhecer que a morte trágica do camarada Presidente Samora Machel não é só uma enorme perda para Moçambique e o Partido da FRELIMO, para a causa da libertação dos povos da África e do Mundo; é também uma grande perda para o povo português, de quem foi um verdadeiro amigo.
Samora Machel foi, antes de tudo, um revolucionário e um patriota ardente, que impulsionou os primeiros passos da luta armada contra o colonialismo em Moçambique, que se transformou, pela sua acção e o seu papel, no mais destacado dirigente da guerra de libertação do seu povo até à vitória - a independência.
Têm sido evocados nestes dias muitos dos seus escritos estratégicos, produzidos no mais aceso da guerra da libertação. Tive pessoalmente o privilégio de o ouvir falar sobre esse período e gostaria de testemunhar a enorme impressão que me causou, a firme posição de princípios e o profundo humanismo com que abordava todas as questões da guerra colonial, especialmente a questão dos prisioneiros. Para Machel o homem era a causa e o fim da revolução - não mudou depois da vitória. Ainda numa entrevista recente a um jornal português, afirmou (cito): «Não são as casas que importam. Não são as paredes. Não são os prédios. É o homem [...] Esse é que é a cidade.»
Samora Machel impôs-se rapidamente como estadista, não apenas no seu país. A sua poderosa inteligência e a sua irradiante personalidade transbordaram para África e para o Mundo, e ficará na história (por muito que doa aos seus inimigos e detractores das arraias do colonialismo e do imperialismo) como uma marcante personalidade da nossa época.
Dedicando-se por inteiro aos problemas da sua pátria, Machel não negligenciou as grandes tarefas internacionalistas. Foi figura destacada do Movimento dos não Alinhados. Foi um dos obreiros do Grupo dos «Cinco» países africanos de expressão oficial portuguesa. Foi um dos impulsionadores do movimento dos países da linha da frente. Dedicava especiais esforços, nestes dias, ao combate ao apartheid e ao regime racista da África do Sul, visando reforçar o seu isolamento internacional. Morreu tragicamente neste combate, em circunstâncias que estão ainda para apurar.
Na linha de outros dirigentes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas, Samora Machel distinguiu sempre o fascismo e o colonialismo português, contra quem dirigia o combate, do povo português, com quem queria estabelecer e reforçar os laços de amizade e de solidariedade.