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12 DE NOVEMBRO DE 1986 207

Os centros regionais de segurança social davam indicações aos trabalhadores para recorrerem ao Decreto n.º 7/A-86. A Assembleia da República ainda não tinha iniciado a sua sessão legislativa. A operação tinha tanto de inteligente como de hipócrita e sinistra. Estava em causa uma das mais expressivas manifestações do direito à vida - o direito ao salário. Para o Governo de Cavaco Silva estava em causa o confronto e a desforra com a Assembleia da República, bem como os conceitos classistas em relação ao mundo laboral.
Mas os trabalhadores e as suas organizações souberam, no fundamental, recusar o decreto armadilhado do Governo reclamando a aplicação da Lei n.º 17/86.
Pressionada a Inspecção-Geral do Trabalho, começou aqui e acolá a movimentar-se, inventando mais uma burocracia: qualquer requerimento para a sua intervenção passava por uma folha de papel selado mais o correspondente selo de 100$. Lentamente, procedia a levantamentos, queixando-se, nalguns distritos, de falta de orientação do Governo, da falta de viaturas, da gasolina que acabava a meio do mês, da falta de agentes e de pessoal administrativo, cujo exemplo do Algarve é bem significativo. A intervenção concreta em cada situação concreta foi praticamente secundarizada para dar lugar a denominadas «operações globais», que servem de base às estatísticas do Ministério do Trabalho.
O processo é espantoso. O agente desloca-se à empresa com um inquérito. O contacto é estabelecido com a entidade patronal e nunca com as organizações representativas dos trabalhadores. No sector da construção civil, por exemplo, aconteceu que o tal inquérito era colocado na caixa do correio da residência da entidade patronal, já que era ali que a sede da empresa era referenciada.
Tem salários em atraso? Obviamente que não!
Tem subsídios e outras remunerações em atraso, contratos a prazo, etc.? Que ideia! Obviamente que não!
Entretanto, o número de empresas com salários em atraso, que encerravam ou eram conduzidas à falência prosseguia de forma acelerada.
A estatística estava pronta a ser servida à opinião pública. Cavaco Silva aparecia, uma vez mais, na Televisão, a garantir que em dois anos terminaria com os salários em atraso. O Ministro do Trabalho, nas suas contas, apontava para a existência de uns escassos 35 mil trabalhadores com salários em atraso, mais coisa menos coisa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O comportamento político do Governo em relação a este flagelo social dos salários em atraso define bem o seu conceito de justiça social. É uma manifestação extrema da sua conduta em relação ao mundo laboral. Mas ela vem na linha de outras decisões e condutas nas áreas do emprego e dos direitos dos trabalhadores.
Uma nova mancha alastra imparavelmente, denominada de trabalho precário. Os contratos a prazo já não abrangem todo o conceito da extensão e diversidade do carácter precário do trabalho, surgindo novas formas de exploração, como as empreitadas, o trabalho à peça, à hora, ao dia e à tarefa. Em certas zonas industriais, onde os desempregados são referenciados por contratantes de trabalho negro, ressurgem de novo autênticas «praças de jorna».
O Ministro do Trabalho afirma, publicamente, que tal facto não tem nada de grave, já que vale mais isso que nada. Até ajuda a provar que o desemprego está
a baixar em Portugal e a atacar a legislação laboral mais progressista. E, no entanto, centenas de milhares de trabalhadores, jovens e também já as crianças, acossados pela fome e pelas dificuldades económicas das suas famílias, sujeitam-se aos baixos salários, à falta de qualquer protecção da Segurança Social e ao mutilar de direitos inalienáveis, que ultrapassam a relação laboral e se transformam numa questão de dignidade humana. Também aqui, como na higiene e segurança no trabalho, é escandalosa a ineficácia da Inspecção-Geral do Trabalho.
Exemplo gritante é um relatório recente enviado pelo Ministério do Trabalho à Comissão Parlamentar respectiva, onde, perante centenas de queixas feitas pelo Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, denunciadoras da exploração de mão-de-obra infantil, a IGT afirma que nada fará, por estar impedida de verificar as situações nos locais de trabalho. Para o Governo é mais fácil cobrar taxas de televisão nas casas das pessoas do que pôr cobro a esta situação escandalosa que envolve a exploração desenfreada de crianças.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ainda no plano social, a ameaça de grandes despedimentos colectivos, nomeadamente na CENTREL, na UTIC, na INDEP, na Casa Hipólito, entre outras, demonstram o agravamento da situação dos trabalhadores.
Mas o Governo, baixando lentamente a máscara, não só não resolve os velhos e novos problemas sociais, como veio ontem atirar mais uma acha para a fogueira que alimenta a sua actuação classista.
Quer liberalizar os horários de trabalho e dos turnos; quer retirar às mulheres trabalhadoras direitos adquiridos; quer que as entidades patronais decidam e imponham aos trabalhadores não só a forma como trabalham, mas também como dispõem das suas vidas. Cínico argumento esse de que as mulheres são discriminadas nos horários de turno. Retiram-lhes as creches, restringem-lhes direitos de maternidade, discriminam-nas no acesso às promoções e actividades profissionais e, depois, choram lágrimas de crocodilo sobre um direito adquirido, que deve ser mantido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A grandeza dos problemas sociais silenciados pelo Governo reclama não só a denúncia, como a actuação urgente das forças democráticas.
Nas vésperas do debate do Orçamento do Estado torna-se necessário salvaguardar e acolher justas aspirações dos trabalhadores e das suas organizações representativas. A Assembleia da República, na questão dos salários em atraso, assumiu, através da aprovação da Lei n.º 17/86, um imperativo de solidariedade nacional e um compromisso com esses milhares de trabalhadores, visando atender às situações mais dramáticas provocadas por esse flagelo social. Reforçar as verbas inscritas para 1987 é um acto político de firmeza e de justiça, visando reparar os danos provocados pelo Governo. Mas, para além dos salários em atraso, para além do trabalho precário, do desemprego e da repressão, os trabalhadores, partindo destes e doutros problemas concretos com que se debatem, começam a perceber quem é na realidade este Governo e quais são os verdadeiros resultados da sua política. A televisão e a propaganda não vão conseguir sobrepor-se à vida e à realidade objectiva. E porque eles nunca foram