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20 DE NOVEMBRO DE 1986 437

Em terceiro lugar, sublinhe-se que o Governo mistifica os dados sobre as finanças da justiça.
Face à crise, o Governo gaba-se até lançando o foguete de que a verba deste ano é «colossal», «a maior de sempre», «nunca tal se tinha visto». «São 3500 contos para o PIDDAC, batam palmas, por favor», disse-nos o Governo. Infelizmente, não é assim!
O relatório da 1.8 Comissão revela que acabou a «era dos cofres gordos». Só nos últimos anos, de 1981 a 1986, face à míngua das verbas do Orçamento do Estado, os Governos puderam dispor, para além dos 33 milhões de contos debitados pelo Orçamento, de uma verba de 89 milhões de contos para as finalidades da justiça. Assim sendo, não foram gastos só os 33 milhões de contos de que usualmente se fala, mas 33 milhões de contos, e só isso explica que não tenha havido o colapso absoluto do sistema. O discurso miserabilista do Sr. Ministro da Justiça escamoteia sistematicamente estes aspectos.
Em 1980, os cofres tiveram um saldo de gerência de 2 500 000 contos. Em 31 de Dezembro de 1985 o saldo era de 334 000 contos. Acabou, pois, definitivamente a época em que os cofres - geridos sem transparência e como uma espécie de dotação provisional donde se tiravam e punham coisas, ás vezes pendurando no prego as facturas e pagando sem vinculação a projectos - serviam para tudo, incluindo, naturalmente, para financiar certas viagens, para ocorrer a certas despesas sem cabimento algum, numa situação de absoluta ilegalidade que, de resto, já originou a demissão do director-geral respectivo.
Este ano as receitas dos cofres cresceram a 2 % ou 3 % e as despesas cresceram ao ritmo de 21 %. Isto diz tudo sobre a situação actual.
Mais: o Ministério da Justiça, que tinha previsto um PIDDAC para 1986 de 2 500 000 contos, este ano não está em condições de executar uma verba de 2 milhões de contos desse PIDDAC, o que quer dizer, Srs. Deputados do partido do Governo, que quando se ufanam de ter 3,5 milhões de contos para 1987, o que têm é um PIDDAC em atraso. O PIDDAC do Ministério da Justiça não é exemplarmente abundante: é o exemplo de uma realidade orçamental que não está na proporção das necessidades do País. E o seu volume significa que só um ano depois vamos fazer aquilo que deveríamos ter feito este ano.
Por outro lado, segundo o cálculo dos serviços, já excluindo as segundas e terceiras prioridades e para só cobrir as primeiras prioridades, seriam necessários 5 milhões de contos, e não 3,5 milhões de contos.
A restrição foi drástica no cálculo que foi feito. O Governo cortou numerosos projectos; por exemplo, cerca de dezanove projectos previstos em 1986 para a construção de palácios de justiça e para reparações e remodelações urgentes nos tribunais que não serão feitas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Isto quer dizer que as viagens do Sr. Ministro da Justiça a anunciar novos tribunais - como ainda agora sucedeu em relação a Braga - são verdadeiramente uma démarche propagandística sem o mínimo fundamento e lamentáveis face às verbas reais de que o Governo dispõe.
Por outro lado ainda, haverá que acentuar que verbas como a da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais continuam subdotadas. Em 1986, esta Direcção-Geral foi dotada com verbas 30 % inferiores às despendidas em 1985, o que é toda uma revelação do que é para o Governo um orçamento de verdade, completamente viciado quanto às inscrições.
Este ano, calcula-se que as verbas para manutenção e funcionamento estão tão subdotadas que se esgotariam antes do 4. º trimestre de 1987, se fossem mantidas no montante previsto.
A própria Polícia Judiciária, que teve um acréscimo de verbas, tem verbas para funcionamento inferiores ao valor nominal das do ano em curso, isto é, tem verbas para pagar ao pessoal, mas não tem verbas para funcionar. preciso tomar bem nota do que isto significa quando o Governo se gaba dos reforços de que se gaba.

Por outro lado, o Instituto de Reinserção Social viu cortada em 54 000 contos a exígua verba de que dispõe. O Gabinete de Planeamento do Combate à Droga tem 240 000 contos para a prossecução das suas finalidades. É verdadeiramente « David contra Golias»! Como é evidente, vence a droga, com grave prejuízo para o País.
Permitam-me que sublinhe ainda que o Governo ainda não explicou como é que vão ser os aumentos dos magistrados. A Procuradoria-Geral da República foi consultada sobre, por exemplo, a forma como os magistrados vão ser tributados. Neste momento esse sistema ainda não está estudado, o que quer dizer que eles correm o gravíssimo risco de uma diminuição substancial de rendimentos face á complexidade das operações necessárias. Em todo o caso, o Governo nada diz sobre esta matéria, apesar de interrogado.
Tudo o que expus tem consequências graves, de entre as quais sumarizo as seguintes: primeiro, não estão criadas condições para a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, anunciada pelo Governo para Março, ou, então, o Código entraria em vigor sem condições, o que acarretava o risco gravíssimo de policialização da instrução. Creio que é preciso tomar consciência do que isto implica em termos políticos e de responsabilidade política!
irresponsável a atitude propagandística que o Governo adopta; segundo, o Código Penal continuará por aplicar na sua vertente humanizadora; terceiro, será mais uma vez adiada a reorganização jurídica: e é pura propaganda, destituída de qualquer alcance, a afirmação governamental de que vem aí a nova organização judiciária, pois não há tostão inscrito na proporção necessária para garantir esse desiderato; quarto, muito gravemente, a humanização das prisões e a reinserção social continuarão a ser uma larga ficção.
Digo isto e não posso deixar de sentir que são conclusões algo arrepiantes porque querem dizer mais injustiça, mais sofrimento para milhões de portugueses, especialmente para aqueles que já são vítimas das maiores injustiças.
É nosso entendimento, por isso insistimos em trazer esta questão aqui hoje, que é preciso fazer convergir esforços para inverter a situação existente no sector da justiça.
O relatório da 1.ª Comissão refere a necessidade de um plano de modernização da justiça. Pela nossa parte, estamos de acordo. Faça-se esse plano com ampla participação, rigor e verbas. Apele-se também à solidariedade social!
Em nosso entendimento, a Assembleia da República deveria organizar um amplo debate nos termos regimentais, não no quadro de uma interpelação, mas no