O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

942 I SÉRIE - NÚMERO 21

A que se devem pois estes resultados? Na nossa perspectiva, em primeiro lugar, às vantagens decorrentes da descentralização.
A descentralização permitiu responsabilizar as populações, ao eleger de entre si aqueles que as representam e a quem encarregam da resolução dos seus problemas básicos. Está agora nas mãos .das populações a possibilidade de os manterem ou de os substituírem e tem-se assistido a múltiplos casos em que os partidos perdem nas eleições legislativas a nível municipal e vêem os seus representantes saírem vencedores nas eleições autárquicas. Em muitos concelhos do País -sobretudo nos de pequena e média dimensão - tem-se vindo a assistir, sucessivamente, a esta forma superior de decisão política, que é o cidadão votar, no mesmo momento, num partido para a câmara e noutro para a assembleia municipal ou para a de freguesia, assim premiando ou penalizando o comportamento dos partidos a nível local.
Permitiu ainda a descentralização que as prioridades fossem decididas a nível local, o que é absolutamente fundamental para o bem-estar das populações. Quando é que as prioridades de Ponte da Barca, ou de Vila Nova de Poiares ou de Almodôvar seriam alguma vez prioridades nacionais? Por mais importantes, por mais indispensáveis que fossem a nível local, hierarquizadas a nível nacional ficariam sempre na cauda da lista, a não ser que algum cacique local imperasse no Governo de Lisboa.
A descentralização, aliada à autonomia financeira, permitiu que as prioridades locais fossem enfim respondidas. As populações de muitas regiões do País só assim tiveram oportunidade de compreender que eram cidadãos como os restantes, que tinham os mesmos direitos, que pertenciam a uma civilização que se diz ocidental e europeia.
Deu-se conta o País que, desde 1979, o Estado não construiu uma única sala de aula do ensino primário?
Que desde então todas as escolas novas que foram surgindo - e foram tantas - foram exclusivamente construídas e financiadas pelos municípios?
Deu-se também conta o País que, com exclusão de Lisboa e Porto, em todos os municípios do continente os transportes escolares estão assegurados e são gratuitos no ensino obrigatório? E que este sistema é exclusivamente garantido, organizado e financiado pelos municípios?
Em quantos países existe este sistema? Quem o julgaria possível há dez anos?
As infra-estruturas, o saneamento básico, a habitação, a educação, a saúde, o desporto e a cultura são sectores que têm merecido a atenção fundamental das nossas autarquias.
Mas se se vive melhor na generalidade dos municípios portugueses e se as perspectivas que se abrem para a próxima década são optimistas, é preciso ter bem presente que esta não é a realidade em todos os municípios portugueses.
Refiro-me, sobretudo, aos municípios das áreas metropolitanas e, em especial, às cidades de Lisboa e Porto, em que as condições de vida se têm vindo a degradar.
Nem a nível legal nem a actuação governamental deste e doutros governos, nem o trabalho realizado pelos autarcas, tem sido capaz, nestes concelhos, de encontrar resposta global para os problemas existentes.
A invasão diária a que Lisboa e Porto estão sujeitos pelos munícipes dos concelhos vizinhos; a população carenciada e sem emprego que, devido à ineficácia da política de desenvolvimento regional, continua a ser atraída para estas duas cidades; a descoordenação das políticas de habitação, transportes e saneamento básico entre municípios limítrofes; e a tentativa de solução casuística dos problemas, têm vindo a agravar e a tornar cada vez mais caro e mais difícil aqui viver.
Também nós, na Assembleia da República, não fomos capazes de, pelo menos em termos financeiros, aprovar uma legislação que atacasse sem sofismas estes problemas.
É fundamental que a solidariedade seja uma palavra também cara ao poder local e que a demagogia não faça sempre prevalecer o pequeno, porque é fraco, ou bonito, ou numeroso, sobre o grande, que se está a tornar ingovernável e a atingir um estado de degradação que quaisquer princípios de justiça social tornam impossível de manter e muito menos de esquecer, como se não existisse, como se esta situação e esta miséria não fossem reais.
Nem tudo corre bem no poder local e há aspectos que urge corrigir. Um maior controle de despesas, por forma que os fornecedores não sejam financiadores da administração local, com graves incidências ao nível do emprego e da viabilidade das empresas. Um melhor apetrechamento técnico das autarquias, para que os autarcas, que são políticos, sejam devidamente assessorados e não cometam algumas das ilegalidades que só o desconhecimento das leis - que são complexas, múltiplas e sucessivas, convenhamos - justifica.
Um maior controle urbanístico, tendo em vista ordenar o respectivo território, proteger o ambiente, porque as populações começam a sentir que estes também são direitos que a democracia lhes permite exigir e que ao poder local cumpre realizar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Dez anos estão passados. Devemo-nos perguntar: que futuro para o nosso poder local?
Responderei, em primeiro lugar, que o nosso poder local merece mais descentralização.
O desenvolvimento económico e a criação de emprego, uma maior participação no apoio social, nos cuidados básicos de saúde, no fomento da educação, do desporto, da cultura, no ordenamento do território e protecção do ambiente, serão certamente domínios a que, de futuro, muitas autarquias darão a maior atenção.
E assim esperamos que nos próximos anos se veja, após negociação com os órgãos representativos do poder local, em especial a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, as autarquias receberem mais competências e, simultaneamente, os meios técnicos e financeiros existentes na administração central, enquanto responsável pela sua execução. Mas a descentralização deve ser feita de forma gradual e optativa.
A descentralização não deve ser imposta de forma uniforme; deve ser assumida sempre e só quando cada autarquia se sente com capacidade para a realizar.
E descentralizar não pode e não deve ser só da administração central para a municipal. Os municípios devem, progressivamente, proceder à descentralização, para as freguesias, daquelas competências que estas autarquias, porque estão mais perto das populações, possam estar mais aptas a dar uma melhor resposta.