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I SÉRIE - NÚMERO 36

Por todas estas razões, tão fugazmente referidas, creio que será legítimo que, nesta Câmara, fique, ao menos, uma baliza a anotar o fim de uma notável carreira universitária, fechada, aliás, com chave de ouro: a lição sobre a obra de Cesário Verde, que ficará, para além de tudo, como um contributo importante neste ano em que o poeta é relembrado e sublinhado com contributos de vários quadrantes e de mérito variado.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Osório.

O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar de cultura hoje, em Portugal, pressupõe um esforço no sentido de aprender, compreender e aprofundar a investigação da realidade. Não uma realidade abstracta, fora do tempo, num pais imaginário, mas a realidade do País em que vivemos, nos múltiplos aspectos de que se reveste o fenómeno cultural.
Tal como foi afirmado na 1.8 Assembleia do Sector Intelectual do Porto, do PCP, realizada na passada semana: «Os problemas que nos rodeiam são nossos; nada do que acontece no mundo, ao nosso lado, nos é estranho, porque somos homens é homens de cultura.»
No Porto, como no resto do Pais, a obra dos governos de direita nos últimos dez anos tem sido uma obra de aviltamento da cultura, de destruição dos avanços democráticos que, na vida cultural, o 25 de Abril nos trouxe.
No plano da política cultural, estes governos pouco se distinguiram, na substância, da orientação imprimida neste domínio. Umas vezes ministério, outras secretaria de Estado, nuns casos com mais demagogia e instrumentalização, noutros com uma acção menos exuberante e pretenciosa, mas sempre com a mesma concepção elitista e mercantil, com igual prática autoritária ou falsamente dialogante.
A política seguida pelo governo de Cavaco Silva continua e agrava os aspectos negativos das orientações que têm vindo a ser seguidas neste domínio: promovendo o progressivo decréscimo das verbas destinadas à actividade cultural, particularmente para o lançamento de novos investimentos e para o estímulo, apoio e subsídio à produção artística e cultural, quer de artistas e organismos culturais autónomos, quer de associações e grupos amadores; não definindo nem implementando políticas que possibilitem o desenvolvimento independente do teatro, do livro, da música, da dança, das artes plásticas e do cinema, bem como da sua promoção e divulgação junto das populações; degradando as condições de funcionamento e a actividade desenvolvida pelas instituições culturais dependentes do Estado ou para-estatais; mantendo a níveis muito reduzidos a intervenção no campo do levantamento, estudo, defesa, valorização e divulgação do património artístico, cultural e arquitectónico, bem como da tradição cultural popular e da investigação etnográfica; falta de apoios à descentralização cultural e à itinerância; desvalorizando e subalternizando a cultura e os autores portugueses, particularmente no domínio da música, do cinema e da televisão.
Esta política é, no distrito do Porto, a principal responsável pela insuficiência, degradação ou desaproveitamento dos equipamentos culturais e pelas acentuadas

assimetrias regionais, pelo adiamento de diversos projectos culturais, pela brutal destruição do património urbano, monumental, cultural, industrial e natural da região, pelo empobrecimento da vida cultural e artística.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Orquestra Sinfónica do Porto persiste a braços com enormes carências de instrumentos e instalações, bem como de músicos. Não há uma companhia de dança e são insuficientes os apoios - ao Circulo Portuense de ópera. Das 134 bibliotecas do distrito, apenas 20 são públicas e só 6 dispõem de mais de 20 000 volumes, ao passo que mais de metade tem menos de 2000 livros. A adaptação do Convento de São Bento da Vitória a centro nacional de música e a recuperação das zonas históricas do Porto e de Gaia não avançam. O Museu de Literatura não é contemplado com qualquer verba no Orçamento do Estado para 1987 e o seu encerramento é mesmo admitido pelo governo. Demorou dez anos a aquisição das instalações para o Museu de Arte Moderna, cujo projecto inicial está em risco de ser desvirtuado caso se concretizem os propósitos do actual governo de entregar a sua propriedade e direcção a uma fundação constituída pelo grande capital privado. Os subsídios regulares ao teatro independente foram reduzidos apenas a duas companhias, e a 17 000 contos para 1986-1987, persistindo a discriminação do TEP - uma companhia de grandes tradições na cidade, que, apesar de não dispor nem de instalações próprias e condignas nem de subsídio regular, vem persistindo e progredindo. O teatro para a infância deixou igualmente de ser contemplado. O FITEI não recebe o apoio indispensável à sua consolidação e expansão. A aquisição e readaptação do Teatro de São João continua adiada, apesar de ter sido proposto pelo Grupo Parlamentar do PCP que figurasse no Orçamento do Estado para 1987. Também a instalação de uma cinemateca não se concretiza. O Orçamento do Estado não prevê qualquer verba para a defesa do património etnográfico, para a recuperação de monumentos classificados, para a preservação e defesa de valores culturais, para a adaptação e instalação de recintos culturais no distrito e para o apoio à actividade editorial.
Recentemente a Secretária de Estado da Cultura afirmou no Porto, a propósito da publicação da chamada «lei do mecenato»: «Os sectores empresarial e intelectual devem caminhar de braço dado»; «é importante favorecer uma intervenção privada na vida cultural do Pais.» Tais afirmações ilustram bem o objectivo do governo Cavaco Silva: subordinar a criação e actividade cultural aos interesses de classe, critérios e gostos da grande burguesia.
Esta política não serve os artistas, os intelectuais e o Pais. Ontem, como hoje, o PCP continuará, com determinação, a lutar por uma política alternativa: pela democratização, descentralização cultural e independência da cultura face ao aparelho de Estado; por apoios à actividade cultural e à produção artística; pelo desenvolvimento do ensino artístico; contra o corte de subsídios aos grupos de teatro e outros organismos culturais; pela defesa e promoção da cultura portuguesa contra a colonização cultural.
Tal política é possível, urgente e necessária; assim assumam os partidos da oposição democrática as responsabilidades que lhes cabem na criação de uma alternativa democrática ao governo de Cavaco Silva.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.