O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1832 I SÉRIE - NÚMERO 48

nês. Entra sozinho, porque não teve com que constituir defensor. Acusado de furto; tem aparência de ladrão. O próprio defensor oficioso, defensor de ocasião, alheado e bocejante, está, no fundo, convencido de que ele tem cara disso. Com as aparências contra ele, é óbvio que a aparência passa a ser a realidade.
B é justamente acusado. Mas ;é douto e rico. Conhece os meandros da engrenagem. Aparece de Hmousine, de sobretudo de astracã e de estrela do foro em punho. É a imagem do cidadão enquadrado, bem sucedido, temente a Deus. Embarrila, não é embarrilado. Junta pareceres pagos a peso de ouro. Se necessário, mete incidente, mete agravo, mete viagem ao estrangeiro. Em última instância, fica por lá. Até à primeira amnistia. Até ao primeiro perdão.
São iguais perante a lei? Iguais no acesso ao direito? Iguais no acesso aos tribunais? Iguais no acesso à justiça? Direi antes que é alta a cotação da aparência na bolsa da hipocrisia!...
A pensar nestes e noutros «sonhos por haver», introduzimos no nosso texto constitucional, quando o revi-mos, mais esta bela proclamação:

1 - Todos têm direito à informação e à protecção jurídica, nos termos da lei.
2 - A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

Endereçámos esta mensagem ao Ministério da Justiça, mas já se disse que ele dormia e esquecemo-nos de o acordar.
Honra seja ao actual Ministro, que em diversos escritos e momentos tem ido buscar à sua alma de advogado, que nunca deixa de ser, a indignação mais viva contra esta iníqua situação. Mas ou não tem encontrado eco ou não tem dado sobre a mesa o murro. A caminho de cinco anos volvidos sobre a entrada em vigor daquele belo texto, apuramos isto: a abertura na Avenida do Infante Santo de uma experiência piloto de gabinete de consulta jurídica gratuita! Nada mais! Quanto a informação jurídica, zero! Quanto a patrocínio judiciário, o velho, iníquo e grotesco regime de assistência judiciária, concebido como esmola e praticado ao seu nível. Quanto à defesa oficiosa em processo penal, a mesma vergonha: o defensor nomeado pelo juiz, com direito a remuneração de miséria se tiver o talento de perder a acção; se distrair e tiver êxito, a remuneração é tê-lo tido. Como expressão de farisaísmo, dificilmente se encontraria melhor!
Lembro sempre, quando reflicto nisto, aquela saborosíssima história em que um pobre diabo, vítima de um erro judiciário, cumpriu dez anos de cadeia até que se descobriu o verdadeiro culpado. Recebido no Parlamento para lhe serem apresentadas públicas desculpas, entre discursos e flores, tudo rejeitou. E exigiu, mal-humorado, o direito de delinquir, sem ser preso, até ao limite da prisão já cumprida. A história prossegue naturalmente com ele a delinquir e a mandar pôr na conta!...
Não é terrivelmente lógica?
Está aí para discussão um projecto do Grupo Parlamentar do PCP sobre este tema. Um bom projecto, com o «senão» de algum irrealismo no imediato. Mas que serve como tema para a profunda reflexão que devemos a nós mesmos.
Pelo que me diz respeito, morro de vergonha. E já se viu que o actual Ministério da Justiça tem destas coisas uma visão miúda, vagarosa e baratucha!
Já fomos capazes de ir à Lua e estamos a entrar e cada vez mais fundo nos segredos da vida. Mas continuamos incapazes de encontrar um sucedâneo em liberdade para as penas de prisão.
Não obstante, todos sabemos que o sistema prisional destrói!' Por mais que o douremos com preocupações ressocializantes, sabemos que mais ensina ó crime do que o evita e que mais desumaniza o delinquente do que o recupera.
Mas se a privação da liberdade é em muitos casos um mal infelizmente necessário, não se segue dai que não devamos tentar reduzir o recurso a ela e humanizar o mais possível esse recurso.
Entretanto, as velhas prisões regorgitam de presos (8500 depois da última amnistia) e o Ministério da Justiça faz a «gestão hoteleira» dos edifícios. Não trata, não reeduca, não recupera. Hiberna, enquanto o sistema se degrada.
Sete anos de gestão social-democrata, sete anos de resignação e de promessas. Ainda não se quis perceber que o que se poupa no sistema prisional é malbaratado pelo reforço da criminalidade não só não prevenida como gerada pelo próprio sistema.
Portugal gasta com os reclusos, per capita, doze vezes menos do que os Países Baixos e catorze vezes menos do que a Suécia. A capitação alimentar diária é de 200$. Há camaratas instaladas em refeitórios. Em cada cela são, quando calha, encaixotados três reclusos. Que melhor marketing para a promoção da homossexualidade? Comem, por vezes, em cima das próprias camas. Apesar de nos últimos cinco anos o Ministério ter aumentado 80 % em termos de pessoal (dado fornecido pelo actual Ministro), nas prisões há 86 vagas de educadores, 580 vagas de guardas prisionais, o quadro médico está praticamente por preencher e não há praticamente enfermeiros profissionalizados.
Na cadeia de Monsanto os presos dormem em enxergas, nos corredores, e tem, pela calada da noite, a visita da rataria. Não existem critérios para a distribuição e instalação dos detidos preventivamente ou já condenados, dos delinquentes primários e dos habituais, dos jovens e dos curtidos em anos e em práticas delitivas, dos senhores de si e dos toxicodependentes: A ordem reinante é a da promiscuidade. De sorte que o que já recebeu ordens maiores inicia o noviço, o devasso sexual corrompe o inocente, o traficante de droga faz o que quer do que agoniza sem ela.
Já não será o inferno de Dante. Mas não está tão longe como isso de uma página de Dickens!
E claro que, para que tenha podido ser assim, não foram os Ministros da Justiça do PSD os únicos a dormir. Dormiram de algum modo todos os que os precederam, sem excluir eu próprio.

Vozes do PSP: - Muito bem!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Tem toda a razão!

O Orador: - Dormiram todos os governos e dormiu por longo tempo a própria comunidade, que só reage saudavelmente quando sacudida pela notícia de que nas cadeias ocorrem suicídios em cadeia, pese o facto de isso poder representar mais uma campainha de alarme do que um sintoma. Suicidam-se incomparavelmente