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2299 - 25 DE MARÇO DE 1987

não abrange todo o conceito de trabalho precário. Procurando subsistir e sobreviver, milhares de trabalhadores sujeitam-se ao trabalho por empreitada, à peça, à tarefa, ao dia e até à hora.
Com um cinismo chocante, o abuso dos contratos a prazo e do trabalho precário, nas suas diversas manifestações, não é entendido pelo Governo como um mal menor, como gosta de dizer o Ministro do Trabalho: é realmente encarado como instrumento fulcral da repressão e chantagem sobre a legislação laborai progressista, amnistiando assim permanentemente todos aqueles que não cumprem as leis da República.
Estes governantes são capazes de encarar sem um arrepio o ressurgimento das autênticas praças de jorna, ali mesmo no mercado de Cacilhas, em aldeias minhotas e em vários locais onde os desempregados são referenciados! E acham um belo espectáculo quando o administrador da LISNAVE, à frente das câmaras da televisão, se gaba do recurso ilegal ao trabalho precário depois de o Governo ter autorizado a consumação de um gigantesco despedimento colectivo!

O Sr. António Mota (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Tem a Inspeccão-Geral do Trabalho (IGT) a força e a vontade para intervir numa Dan Cake onde as jovenzitas têm medo de falar da exploração desenfreada a que estão sujeitas, sabendo que se o fizerem são imediatamente despedidas?
Onde chegámos, Srs. Deputados! O grande objectivo do Governo é que volte a haver medo nas fábricas, nas empresas, nos serviços, na administração central. Que haja medo de exercer direitos, de denunciar a ilegalidade, porque o cutelo do desemprego pesa sempre sobre a cabeça de quem, já por si, vive em permanente insegurança. E falamos de centenas de empresas, da administração central, falamos de SOO 000 ou 600 000 portugueses e portuguesas, a quem a lei do medo é imposta, com sacrifício, muitas vezes, da liberdade, dos direitos individuais e colectivos e da própria dignidade humana.
Já nem as crianças escapam. A exploração de mão-de-obra infantil, que começa a estender-se numa vasta zona do Norte do País e pontualmente no Centro e Sul, transforma-se num grito de acusação a exigir a denúncia nacional que deve ser analisado nas suas causas mais fundas. Para o Governo, no seu jeito de passa culpas, a questão reside essencialmente na ganância dos pais. Ë um desabafo cruel e empedernido, que não pode ser subscrito por quem se identifique com a justiça social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foram muitas as fábricas onde vimos crianças entrarem para trabalhar. Em Felgueiras, em Braga, em Guimarães, elas fugiram de nós com medo de falar. Medo de perder os 7 ou 8 contos mensais que ganham e que entregam em casa aos pais, muitas vezes doentes e desempregados, quando o Governo considera que apenas existe ganância, da sua parte. Medo, sempre o medo, neste país de Abril.
Isto conduz-nos à quarta acusação sobre a existência dos salários em atraso e à forma como o Governo subverte o espírito e a forma da lei aqui aprovada na Assembleia da República. Diz o Governo que já ninguém fala nos salários em atraso. Brande com estatísticas fabricadas e consegue inculcar em certa comunicação social a discussão aritmética de mais ou menos trabalhadores vitimados por este flagelo social. Depois do seu comportamento social e moralmente inaceitável, que levou ao adiamento da aplicação da Lei n.º 17/86, deixou que o patronato se adaptasse mais uma vez à ilegalidade. Em primeiro lugar, não considera no plano dos salários em atraso os retroactivos, o subsídio de férias e o subsídio de Natal. Em segundo lugar, não actua face ao novo esquema inventado pelo patronato, ou seja, o pagamento em jeito de conta--gostas: 5 contos hoje, 10 contos amanhã e na outra semana logo se verá!
Até o não pagamento do salário é já usado como arma de arremesso para atirar os trabalhadores para reformas compulsivas, para venderem o seu posto de trabalho e travar a sua luta por melhores condições de vida.
Apesar da manipulação estatística, apesar da demagogia e sonegação da realidade, apesar da liquidação e encerramento de dezenas de empresas que viviam essa situação, para além da aplicação da Lei n.º 17/86, os salários em atraso continuam a ser uma mancha de vergonha no Portugal democrático.
Braga: 163 empresas, envolvendo 17 142 trabalhadores, com um montante de dívida na ordem dos 3 milhões de contos; Porto: 104 empresas, 18 800 trabalhadores, 3 400 000 contos de dívida; Lisboa: 162 empresas, 17 000 trabalhadores, sendo em 1986 a dívida acrescida em mais de 400 000 contos.
Como dado esclarecedor: em 1986, 400 empresas do distrito de Lisboa passaram por situações de salários em atraso.
Leiria: 62 empresas, 6600 trabalhadores abrangidos, com uma dívida de 400 000 contos; Santarém: 60 empresas, 7000 trabalhadores, com l SOO 000 contos de dívida; Coimbra: 25 empresas, 2000 trabalhadores, montante da dívida por apurar; Setúbal: só no sector metalúrgico, em 27 empresas, o montante da dívida aos 7700 trabalhadores ronda os 3 milhões de contos; Algarve: só no sector conserveiro, mais de 35O 000 contos de salários em atraso; e Aveiro: só no sector metalúrgico, existem 1194 trabalhadores com salários em atraso, credores de 286 000 contos.
Não dará certa com os números acima referidos a estatística do Ministério do Trabalho. Ficará de fora quem não recebeu subsídio de Natal, quem não recebeu subsídio de férias, quem não viu actualizado o seu salário, apesar de ter havido aumento salarial contratual, quem, como os trabalhadores da UTIC e da INDEP, que estão a receber a conta-gotas, recebendo agora o vencimento ao Hm do mês, tem dívidas acumuladas ao longo dos anos, ou aqueles trabalhadores cujas empresas foram abatidas, por falência ou encerramento, das listas do Ministério do Trabalho. Nas estatísticas sem emoção, completas ou incompletas, há números. Mas em centenas e centenas de empresas os números são substituídos por homens e mulheres privados de uma questão que está ligada ao direito à vida, que é o direito ao salário.
Tudo isto é possível porque se criou, pela mão do Governo, um sentimento de indulto constante e generalizado a uma larga faixa do patronato e às administrações das empresas.
Para o Governo, o que está mal não são as descaradas violações à lei e aos direitos dos trabalhadores. Para o executivo de Cavaco Silva o que está errado são