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2301 - 25 DE MARÇO DE 1987

Com coragem e tenacidade, milhares de trabalhadores lutam e furam o cerco do silêncio e do isolamento que o Governo lhes quis impor. Sectores operários e trabalhadores dos serviços, professores, enfermeiros, médicos, estudantes, começam a abalar a arrogância do Executivo. Lutam pelo direito ao trabalho, ao salário, por melhores condições de vida e de estudo.
Homens íntegros da comunicação social, sectores da Igreja Católica e personalidades democráticas assumem posições públicas clamando pelo respeito de direitos fundamentais dos trabalhadores e em defesa da dignidade humana, todos os dias ofendida pelo Governo.
Acreditamos sinceramente que as forças democráticas aqui representadas saberão acolher o eco que vem das minas, das fábricas e das empresas, e, em conjunto, ponham fim a esta política de desastre social e a este governo.
Ninguém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em parte alguma pode defender os interesses dos trabalhadores ou fazer a sua felicidade sem eles. Eles são os autores do seu próprio destino e saberão ser os actores activos na construção do progresso do Portugal democrático, do Portugal de Abril, que pretendemos aqui, na nossa pátria.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: a grave situação social que foi descrita pelo meu camarada Jerónimo de Sousa não assenta apenas nas concepções retrógradas da política social do Governo, como é também o resultado da sua política económica.
Na verdade, não poderia deixar de ter nefastos efeitos na situação social uma política económica que desbarata os recursos que a envolvente externa colocou à disposição do País, degrada a estrutura produtiva e a produção nacional, agrava estruturalmente as contas externas e a independência nacional, aumenta a injustiça na distribuição do rendimento nacional e faz alastrar o desemprego, o trabalho precário, a exploração de mão-de-obra infantil e a pobreza.
Vejamos o que se passa com o emprego.
É profundamente martelada pelo Governo a ideia de que a situação de diminuição do emprego e de aumento do desemprego se inverteu em 1986. Mas é falsa. Não há manipulação estatística que consiga escamotear a realidade vivida por centenas de milhares de portugueses que não têm acesso ao mais elementar dos direitos: o direito ao trabalho. O Governo vai diminuindo permanentemente o número da população activa, designadamente transferindo estatisticamente mulheres desempregadas para a categoria de domésticas. Mas não consegue com isso reduzir o desemprego real.
O Governo considera como empregado quem, num qualquer biscate de ocasião, trabalhe, pelo menos, uma hora na semana do inquérito estatístico. Mas não consegue com isso aumentar o emprego efectivo.
Bem pode o Governo trombetear aos ventos que a sua política económica foi boa para o emprego e que o emprego aumentou. A falsidade e o ridículo dessa afirmação são comprovados pelos factos e pela vida.
A menos que o Governo pretenda dizer-nos que o problema não é o da sua política, que o problema é o de haver excesso de portugueses que querem trabalhar. Mas quem está em excesso não são os que procuram trabalho. Quem está a mais é um governo que, para além de minoritário, se mostra incapaz de uma política geradora de novos postos de trabalho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No que respeita aos salários, o limitado aumento do salário real registado em 1986 não pode, Srs. Deputados, escamotear um novo agravamento na distribuição do rendimento em prejuízo dos trabalhadores.
Desde logo é triplamente indecoroso que o Governo se atribua a «bondade» de ter «consentido» um tal aumento do salário real. Em primeiro lugar, porque o aumento dos salários reais não é, nunca poderá ser, uma benesse de um qualquer governo, mas um direito dos trabalhadores, um princípio básico e necessário da melhoria do nível de vida dos Portugueses e do crescimento económico.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, porque o aumento verificado se ficou a dever, fundamentalmente, à luta dos trabalhadores para ultrapassar os tectos salariais definidos pelo Governo. Em terceiro lugar, porque o Governo foi ele próprio ultrapassado pela evolução do ritmo de crescimento do índice de preços no consumidor face às suas previsões iniciais. Aliás, a evolução trimestral do salário real na indústria transformadora (e idêntica evolução para os salários na construção civil) é bem significativa da política governamental: à medida que aumentava a desaceleração da taxa de inflação diminuía a taxa de crescimento dos salários reais.
Mais significativo ainda da política de classe conduzida pelo governo Cavaco Silva, o limitado crescimento do salário real foi acompanhado de uma substancial diminuição do peso relativo da massa salarial no rendimento nacional. Do já baixo nível de 47% verificado em 1985, sem paralelo em qualquer país da Europa, a massa salarial caiu inconcebivelmente para a ordem dos 43%! Paralela e inversamente, o peso dos lucros aumentou de forma significativa.
Isto é, a política de rendimentos do Governo conduziu a uma nova e considerável transferência do valor acrescentado em detrimento dos trabalhadores e em benefício da acumulação financeira do grande capital. Acumulação financeira que, contrariamente ao apregoado pelo Governo, não beneficiou o emprego, antes pressionou a aceleração da redução de efectivos e foi a grande responsável pela elevada taxa de inflação na produção nacional e pelo incremento galopante da especulação bolsista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a crua situação social evidenciada nos números, particularmente nos relativos ao desemprego e à repartição do rendimento, tem necessariamente correspondência com a situação económica.
É facto publicamente reconhecido pelos mais diversos sectores da vida nacional que o Governo não aproveitou as condições favoráveis da conjuntura: desperdiçou-as.
Que o Governo não corrigiu alguns dos maiores estrangulamentos estruturais da economia portuguesa, como o da subutilização da capacidade produtiva instalada e o da elevada componente importada do investimento e da produção nacionais: agravou-os.