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24 DE ABRIL DE 1987 2747

Creio que é por essa razão que para muitos não é tolerável a responsabilidade. Responsabilizar-se é, de algum modo, admitir que a pertinência e a própria bondade das suas posições possam ser objecto de dúvida. E daí o refúgio no dogma.
Estes projectos de lei foram apresentados para dizer que «todos somos mortais» e que a democracia é isso mesmo. E creio que não é necessário estarmos particularmente atentos ao que se passa no mundo do direito penal e da criminologia para sabermos como basta o conhecido fenómeno da selecção ou da selectividade para mostrar, precisamente, que é importante criminalizar de forma transparente os titulares dos órgãos políticos, sob pena de esse mesmo mecanismo de selecção os tornar, de facto, acima do comum dos cidadãos e, como tal, insusceptíveis, até, de obediência as leis.
Por exemplo, o que se passou em Portugal com a legislação sobre a obrigatoriedade das declarações sobre rendimentos dos titulares de cargos políticos é só por si elucidativo de como, com alguma facilidade, estes responsáveis podem considerar-se isentos de qualquer suspeita e, mais do que isso, isentos da simples obrigação de cumprirem as leis.
Só que em democracia não são possíveis os muros de silêncio. A democracia acomoda-se mal com a sombra ou, sequer, com a penumbra. E prestar contas, desde que com dignidade, significa assumir uma responsabilidade, significa que não assumimos nem queremos uma ordem à parte e que repudiamos inteiramente as manifestações de proteccionismo intergrupos que, mais do que funcionarem como consciência de classe, neste caso funcionariam como consciência de casta.
De facto, foi assim ou, pelo menos, penso que foi assim que actuou a nobreza do antigo regime face ao terceiro estado. Isso nós recusamos. Recusamos, portanto, que os titulares dos cargos políticos não sejam responsáveis pelos seus actos; queremos que o sejam. Daremos o nosso contributo para que os projectos de lei em discussão sejam melhorados. Naturalmente, votaremos favoravelmente o do nosso partido e fá-lo-emos também em relação ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, e votamo-las com uma consciência profunda que é a de que os que se julgam donos de tudo não são proprietários nem do Estado, nem de Portugal e muito menos do futuro!

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está na Mesa um requerimento subscrito por vários deputados do Partido Socialista que diz o seguinte:
Nos termos do n.º 5 do artigo 61.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista requer a V. Ex.ª a votação imediata do projecto de lei n.º 377/IV, que rege os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos.
Ora, é um direito do Partido Socialista requerer a votação na sessão de hoje do seu projecto de lei. No entanto, o Sr. Deputado Lobo Xavier está inscrito para intervir, pelo que, se não houver oposição, faremos um prolongamento até que o Sr. Deputado Lobo Xavier termine a sua intervenção e seja lido um pequeno relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais de Direitos, Liberdades e Garantias, para depois então procedermos à votação. Tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cabe-me o papel ligeiramente antipático de fornecer algum contrapeso às exultações das várias bancadas a propósito destes dois projectos.
Julgamos que soluções de compensação e de responsabilização são saudáveis para a democracia e achamos também que o objecto destes projectos constitui uma consideração de crimes importantes para um novo sentido funcional da distribuição dos poderes que a Constituição estabelece, pois de facto existe, em relação àqueles que se pretendem punir em termos gerais e abstractos, uma posição especial que lhes fornece mais confiança e por isso mais responsabilidade. Aliás, esta deveria ser - como sugeriu há pouco o Sr. Deputado José Manuel Mendes - uma questão prévia em relação ao Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos.
Mas, atenção, não fique deste debate, pelas exultações que aqui têm existido, a ideia de que os titulares dos cargos políticos tenham até agora estado impunes. Não saia daqui essa ideia para que a opinião pública mais desprevenida não vá acordar amanhã e, ao ler os jornais, pensar que havia uma impunidade absoluta dos titulares dos cargos públicos. E preciso corrigir o seguinte: estes projectos referem-se à responsabilidade civil e criminal dos titulares dos cargos políticos, mas essa responsabilidade já existia e sobre ela não havia dúvidas!
A grande mudança destes projectos é, sobretudo, a questão, pedida pelo final do Código Penal, sobre a equiparação dos titulares dos cargos políticos a funcionários, isso é o importante.
Mas a parte mais importante destes projectos que hoje apareçam à Câmara tem que ver com a questão da responsabilidade financeira. Julgo, com licença dos autores dos projectos, que a forma como nesses projectos está resolvida a questão da sujeição a penas aplicáveis aos agentes da violação de normas financeiras, está exageradamente empolada em relação a um novo sistema financeiro do nosso tempo.
Todas as constituições portuguesas falavam dos crimes de responsabilidade, todas elas davam ênfase à questão da responsabilidade em matéria de violação de normas financeiras. Simplesmente, isso era um entendimento clássico, a Assembleia votava então um Orçamento e depois já não havia mais meios para controlar a forma como o Executivo o cumpria. Hoje as coisas não são assim: há um Tribunal de Contas, há um controle a priori dos actos administrativos que implicam realização de despesas, há o Tribunal Constitucional que controla a posteriori actos que eventualmente violem as leis ou a Constituição; estamos, portanto, num outro ambiente, no qual a responsabilidade pela violação de normas financeiras deve ter outro sentido. Quanto mais não seja, se um Ministro ou um Secretário de Estado viola normas financeiras ou exagera a sua competência em relação ao Orçamento, o resultado negativo que daí advém está acautelado no nosso ordenamento jurídico. Portanto, é necessário desdramatizar a questão da responsabilidade financeira.
Quero dizer com isto que nem tudo o que está nestes projectos me parece necessário ou sequer possível. Não me parece que, por exemplo, os deputados possam