24 DE ABRIL DE 1987 2743
Rui Amaral, cuja tendência para o desvio de dinheiros públicos ganhou tristes foros de celebridade, transformando-se em verdadeira caricatura, ou o Ministro Álvaro Barreto, em rebelião com o poder judicial, fazendo dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo letra morta, adregando «reservas» para os grandes latifundiários e outros compinchas com a desfaçatez do delinquente crónico que conta com a permissividade instalada. A Comissão de Inquérito aos actos do MAPA, em cinco relatórios publicados no Diário, 2.ª série, apurou a existência de outros tantos casos de patente ilegalidade, propondo a remessa dos respectivos processos ao Ministério Público para os efeitos que tivesse por justificados, para além da eventual deliberação do Plenário quanto à efectivação da responsabilidade política. Apesar disso, os perigos rondam, a ameaça permanece, um ministro como este Álvaro Barreto, por ausência de normativos que só hoje ensaiam, age impune ante a indignada estupefacção dos democratas.
Entretanto, membros do Executivo houveram que, de maneira ufana, declararam pairar acima do Orçamento, gastando a bei talante, discricionária e irresponsavelmente, verbas saídas dos bolsos de todos - que, por não superabundante, pediam contensão, aplicações escorreitas, obra visível em benefício da comunidade nacional. Não eram esses ainda os dias do Dr. Cadilhe, que, tendo evitado, de maneira tortuosa, uma revisão orçamental em 1986, se arrogou a prerrogativa de proceder a alterações de facto, distribuições de montantes sem a mínima relação com as regras enquadradoras, num acintoso desafio a esta Câmara e à sua vontade soberana.
Outro tanto, com laivos agravantes, tem sido perpetrado pelo incorrigível Dr. Jardim, que, não obstante as condenações sobre a sua gestão financeira e sobre as ilegalidades permanentes da administração que empreende (condenações produzidas, designadamente, pelo Tribunal Constitucional) resiste à fiscalização judicial das contas regionais - a Sr.ª Deputada Cecília Catarino vai continuar a ouvir! -, empocha meios das autarquias, comportando-se como o dono autocrático de uma quinta sem norte nem lei que não os por si impostos.
E haverá que não esquecer autarcas inescrupulosos, - a palavra é de facto pouco vigorosa - os celoricos-da-beira que se multiplicam, as lesões ao património estadual e à dignidade da democracia.
Os titulares de cargos oficiais que esbanjaram, que gastaram para além do limite, com objectivos demagógicos, eleitoralistas ou mais vilmente singulares, cruzaram, oriundos de longe, e prosseguiam além do meridiano Alípio Dias, esse mesmo que desencadeou tempestades de protestos e determinou louváveis procedimentos - como, ocorre-me agora, o do Dr. Salgado Zenha, nos tribunais ou nos órgãos de informação não açaimados pelas conveniências dos governos. Só que, e eis o que era, é, grave, inexistia e não existe ainda a nova legislação prevista pelo artigo 120.º, n.º 3, da Constituição da República. Ora, tendo os tribunais entendido que é inaplicável o diploma de 1914, tudo redundava, na prática, no regabofe a coberto da anomia, no não sancionamento dos prevaricadores, no grassar de um perigoso clima de laxismo institucional.
Na realidade, como sublinhou o Provedor de Justiça recentemente, verificaram-se os pressupostos para o funcionamento da inconstitucionalidade por omissão, com os efeitos daí decorrentes.
Em primeiro lugar, os titulares de cargos políticos - e esta é uma abordagem mais técnica - respondem como qualquer cidadão pelos crimes praticados no exercício das suas funções previstas no título V, capítulos I e II do Código Penal, sendo a qualidade do agente relevante apenas para a determinação da medida da pena [...]; em segundo lugar, e na falta de publicação de lei especial a que se refere o artigo 437.º, n.º 2, do Código Penal - ainda há pouco mencionado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota - [...] os titulares de cargos políticos não estão abrangidos por nenhum dos crimes constantes do capítulo IV do título V [...], nos quais se incluem a corrupção, peculato, abuso de autoridade, violação de segredo e abandono de funções; em terceiro e último lugar a falta de incriminação leal de outras condutas lesivas dos interesses do Estado ou de particulares, que são exclusivas do exercício de funções políticas (na Lei n.º 226 previstas, nomeadamente, nos artigos 9.º, 12.º e 13.º) implica também a sua não punibilidade actual. De há muito que se reclama, aliás, um mais vasto e preciso elenco tipificador dos comportamentos condenáveis tendo em consideração o crescimento do Estado e das atribuições e competências dos membros da administração central, regional ou local.
A esta situação, sumariamente enunciada, visam atalhar, por vias várias, os projectos de lei em exame, surgidos na sequência da discussão travada sobre a matéria no âmbito nos trabalhos para a aprovação do Orçamento de 1987.
Enquanto o Partido Socialista nos traz à apreciação um articulado sistemático, que principia pela definição do titular a abranger e se desenvolve por preceitos que tipificam, penalizam, ordenam critérios gerais, o PRD, conformando o feixo de comandos ao Código Penal, ataca aspectos sectoriais, sendo de realçar o incumprimento de decisões judiciais, o abuso de poderes, a violação das leis orçamentais e a cláusula da equiparação a funcionários públicos -, rematando com disposições de índole adjectiva. Não são coincidentes as veredas ensejadas, os dados de partida entre os dois textos, pelo que será inevitável um enorme empenho para harmonizá-los. Cremos, de facto, que é possível no labor da especialidade fundir num só diploma os contributos agora em apreço, acrescidos dos que não deixarão de ser facultados pelas restantes forças partidárias. Haverá que optar por uma matriz restrita ou outra mais englobante, quer nas opções pelo agravamento do já estabelecido pela lei penal e pelo seriar de inovações, quer também pela delimitação do espaço visado e dos escopos a atingir.
Restam por dilucidar, é óbvio, aspectos nada dispiciendos. Um deles consta do relatório da 1.ª Comissão e tem a ver com a desejabilidade de incluir claramente na legislação preconizada crimes definidos no título v do Código Penal, segundo modelos que excedem o proposto princípio da agravação.
Por outro lado a nossa opinião tende a coincidir com a advogada inclusão dos deputados no Parlamento Europeu, suscitando-se-nos, todavia, algumas dúvidas quanto à possibilidade de adoptar idêntica solução no que tange ao Provedor Justiça, dos membros do Tribunal Constitucional e do Conselho de Estado, um pouco pelas razões aduzidas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, sem que consideramos de todo em todo descabido o argumento do Sr. Deputado Licínio Moreira no que confere a estes últimos, sobretudo no relativo ao segredo de Estado.