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24 DE ABRIL DE 1987 2739

matéria difícil. Difícil, desde logo, porque é preciso definir o que é crime político, saber se a natureza de crime político agrava ou atenua.
Em meu entender, crime político é aquele que está ligado ao exercício da função, como, aliás, a Constituição refere. Acho que a circunstância de se tratar de um agente, que é particularmente poderoso e competente, só pode agravar a responsabilidade e não diminuí-la. Daí, que no projecto de lei de que fui subscritor apareçam as penas agravadas.
Por outro lado, há uma outra necessidade, que torna ainda mais dramática a falta desta lei: é que, quando demos livre curso ao Código Penal, estabelecemos um artigo - por sinal, o último - que diz que sempre que no código se fala de crime imputável a funcionário, portanto, cometido no exercício de funções públicas, há-de vir uma lei a estabelecer a equiparação entre o funcionário e o titular de cargo político. Essa lei nunca foi feita e o Código Penal já está em vigor há quatro anos.
O Código Penal diz «o funcionário que...», e nós, como não somos funcionários, poderemos dizer que estamos impunes; só não o podemos dizer porque, no último Governo, por minha iniciativa, se fez uma «leizinha», pequena, a submetê-lo aos crimes de corrupção e a outros crimes que tinham significado no exercício das funções.
Uma das dificuldades do projecto é a de se saber se poderemos, por exemplo, fazer decorrer da aplicação de uma pena a demissão ou cessação do mandato do agente. A primeira vista parece que não, porque o artigo 30.º da Constituição diz que nenhuma pena acessória decorrerá necessariamente da aplicação de uma pena que limite o exercício de direitos políticos.
Entendo que não se trata de atacar o agente, mas a função. A própria Constituição remete para a lei as incompatibilidades, em matéria eleitoral, com o exercício de funções políticas. Sobretudo, acho que é aberrante que a própria Constituição diga que se o Presidente da República for condenado por um crime de responsabilidade é exonerado, é destituído, e nós, ou os restantes titulares de cargos políticos, o não sejamos. Quer dizer, um político comete um crime grave e continua sentado na sua cadeira, a despachar os seus assuntos, como se fosse um anjo do céu?! É claro que não pode ser!
No meu discurso escrito levanto alguns problemas de carácter técnico, que seria interessante discutirmos aqui. Há problemas em que eu nunca tinha pensado, mas nos quais reflecti agora, pela primeira vez, e que são muito curiosos - levantam-se até em torno das imunidades de que hoje gozamos. Por exemplo, somos isentos de responsabilidade criminal pelas nossas opiniões e pelos nossos votos. Mas se o voto for resultado de um facto criminoso? E se a opinião for emitida de forma injuriosa para o cidadão A, B ou C? Se eu vier aqui dizer que o José Joaquim é um gatuno, sou imune por isso? Se eu vier dizer aqui que o Sr. Deputado tal exerceu um voto que não é o da sua consciência, mas sim porque fez um contrato, estou imune? Temos de pensar nisso um dia; as imunidades têm a sua justificação na necessidade de salvaguardar a nossa independência, mas não devem ir além da sua própria justificação.
Muitos outros problemas são interessantíssimos e seria também interessante traze-los para aqui.
Verificamos que existem iguais estruturas em todas as outras legislações, como, por exemplo, a própria punição do Presidente da República.
Os regimes monárquicos acham que o rei, por definição, não erra - e ali o nosso amigo sabe que é assim - porque descende directamente do poder divino e se, por definição, Deus não erra, não comete crimes, como é que o rei poderia cometê-los?

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Você não percebe nada disso!

O Orador: - Diz-se: mas o rei é homem e como homem pode cometer crimes e, se os comete, o que é que acontece? A resposta é sempre esta: não, porque aí estará em causa a própria instituição monárquica e então entrará no seu ocaso.
Acontece que cada vez que pensamos nos Borgia e no uso do cianeto para ocupar as cadeiras que eram ocupadas pelos reis de então, verificamos que muitos terão sido os ocasos e talvez só o sol consiga ter mais ocasos do que a própria monarquia terá tido, e ela ainda está florescente nalguns regimes.
As repúblicas são diferentes, mas mesmo aí restritivas. Em regra, são muito poucos os crimes que se imputam ao Presidente da República: normalmente, o Presidente da República só é susceptível de cometer dois crimes, o crime de traição à pátria e o de ultraje à Constituição.
A nossa Constituição é mais exigente, pois não limita substancialmente a imputação da responsabilidade criminal ao Presidente da República, dizendo que sempre que ele seja condenado por um crime de responsabilidade é destituído. Não recua perante isso. Aí, vimos nós, subscritores do nosso projecto, uma boa razão para sermos rigorosos, quer na tipificação dos crimes, que na relação deles, quer ainda nas penas, que aparecem normalmente agravadas, exactamente em funções da especial obrigação que todos temos de não cometer erros em geral e crimes em especial.
Meus senhores, poderia aqui dizer muitas outras coisas, mas penso que isto chega para que estejamos muito preocupados com a necessidade de rapidamente aprovarmos esta lei.
Peço a todos os Srs. Deputados um sacrifício: o de ainda hoje fazermos a aprovação, na generalidade, destes projectos de lei. Já tenho da 1.ª Comissão a promessa de que ainda hoje os começaremos a discutir na especialidade. Ambos têm virtudes e, necessariamente, defeitos. Dos dois há-de sair o texto de alternativa que aqui traremos na próxima semana, por fornia que possamos fazer ainda a sua aprovação final global, pois eu não sairia daqui tranquilo - se é que a legislatura vai acabar - sem que esta lei fosse aprovada.

Aplausos do PS, do PSD, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Constituições portuguesas anteriores à actual enumeraram e definiram quer os sujeitos quer os objectos dos chamados crimes de responsabilidade. E as duas últimas, a de 1933 e a de 1911, quase que decalcaram uma da outra tais tipos legais de crime, conforme se alcança de uma simples leitura dos rés-