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1996 I SÉRIE - NÚMERO 58

outros Srs. Deputados. Por isso pedia a quem tem urgência em trocar impressões que o faça fora do hemiciclo.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando aqui discutimos o programa deste primeiro Governo de maioria absoluta julguei apropriado exprimir alguns receios.
E agora - perguntei então: Que separação de poderes? Que fiscalização do Executivo pelo Legislativo? Que veto político e que leis? Que resistência ao clientelismo?
Implícita estava uma questão de base: Que democracia?
Receava eu, não sem motivo, que o poder não partilhado acabasse por minar a legitimidade do sistema, por conduzir à confusão entre o partido dominante e o próprio sistema, à alternância de sistemas e já não de maiorias.
E concluí: «Espero, sinceramente, que não venhamos a ter saudades do poder partilhado».
Viemos!
Coloquei então em segundo plano os riscos ligados à concreta personalidade do Primeiro-Ministro e líder do partido maioritário. Isto apesar de se lhe não conhecerem antecedentes de fervor democrático e de serem nele inocultáveis sinais exteriores de um perfil autoritário.
Afinal, foi a mistura que deu o resultado que deu.
Reconduzida a vontade do partido maioritário à vontade de um só homem - ou poucos menos -, acaba por ser esta vontade a vontade do Governo e a vontade do Parlamento.
O resto - sintetizado na Administração Pública, nesta incluída uma boa fatia autárquica e a empresarial - vem por acréscimo, com focos esparsos de rebeldia, aliás passíveis de procedimento disciplinar.
O Governo, esse, malbarata os favores da conjuntura e da fortuna e enreda-se em flagrantes desconchavos. Limita-se, aliás, o Governo a ser, ou pouco menos, a sala de aula de um Primeiro-Ministro que entrou na política a presumir de infalível (nunca erra, nunca se engana, como sabemos), em postura de ultraje a Deus no céu e ao seu Pontífice na terra.
Só mesmo essa relação de mestre e discípulo pode explicar que, também ao nível de alguns Srs. Ministros, de novo se negue que a terra se move, quando um mínimo de objectividade e inteligência aconselharia alguma contrição e alguma modéstia.
Sirva de exemplo o folhetim ao famoso inquérito à política do Ministério da Saúde, sobre cuja génese o Primeiro-Ministro e o Procurador-Geral da República apresentam versões públicas antípodas. Por mim, não resisto à afirmação de que acredito no Procurador.
Mas não é tanto o erro que choca! É a soberba da sua irracional recusa!
Eis no que deu o «Sermão da Montanha» do Sr. Primeiro-Ministro: o compadrio e o clientelismo cresceram mais do que o PI B; a corrupção está no podium dos pecados mortais; o diálogo institucional ou de facto está sem concerto; a greve tem mais uso do que o cigarro; os mais eminentes valores de uma política social - nomeadamente a saúde, a educação e a justiça - enfrentam o recuo do envolvimento do Estado e as inclemências das leis do mercado; a retoma
de caprichismos liberalizantes na economia, que nunca deram boa conta de si, de gorra com proclamações de «menos Estado», conflitua com teimosias e práticas de reconcentração do poder; os protestos cismáticos de base corporativa - os médicos, os juizes, os advogados, os militares, os funcionários públicos, os trabalhadores - ameaçam comprometer equilíbrios sociológicos fundamentais; medidas de voracidade fiscal, inspiradas em psicose de piranha, depois de terem incluído e gorjeta entre a matéria colectável, hesitam agora em face da esmola.
Para quê ir mais longe?
A liberdade de opinião refugia-se, de novo, no interior dos autocarros; as rádios convertem-se em prendas de amigos e a televisão em tempo de antena do Primeiro-Ministro e seguintes.
Tudo isto e uma chocante pertinácia na inflação do palavrório auto-elogiativo em que o Primeiro-Ministro é igualmente o primeiro.
Era perfeito, infalível, providencial, missus a deo, a caminho de uma canonização secular.
Apesar disso, deixou que o País descambasse para «o último grau da barafunda».
O Primeiro-Ministro goza ainda do benefício de um certo receio difuso, mas já não conta com o privilégio do respeito político colectivo.
Eis-nos, pois, a responder às perguntas de 1985:
Separação de poderes, ao nível do Executivo e do Legislativo, não há. Salvam a regra o Presidente da República e os tribunais, o primeiro ainda respeitado pelo Primeiro-Ministro, o Tribunal Constitucional já nem isso! E se o Primeiro-Ministro parou para respirar nos seus ataques ao Parlamento foi só porque, mandando nele, se atacaria a si mesmo!
Fiscalização do Governo pela Assembleia, incluindo a da via da ratificação dos decretos-lei do Executivo, deixou de haver.
Veto político, nem pensar! Se o Presidente da República veta a lei para as eleições de deputados ao Parlamento Europeu, a maioria parlamentar agrava a solução!
A resistência ao clientelismo reflecte negativamente o alargamento das clientelas!...
Temos ainda democracia? Formalmente impecável é a que continuamos a ter! De facto não tão impecável assim!
As eleições democráticas fazem a democracia - pelo menos à democracia formal - mas não fazem o democrata! E não há verdadeira democracia sem democratas!
O que temos então?
O Professor Adriano Moreira responde assim: «Um presidencialismo do Primeiro-Ministro».
Em que exemplo histórico terá o ilustre professor pensado?!...
Um circunspecto analista político prefere o qualitativo de «ditadura plebiscitaria».
É manifesto o exagero!
Mas o próprio Presidente da República, que manifestamente não tem do seu múnus uma concepção de hipercriticismo militante, julgou necessária uma reboante advertência.
E mesmo a Igreja Católica, pondo termo a uma pragmática de silêncio veio denunciar a «degradação moral», a «insegurança dos cidadãos», a «desonestidade reinante».
Acho eu que a situação criada se reveste, antes, dos matizes do «cesarismo democrático».