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19 DE ABRIL DE 1989 2255

Aparece-nos agora a solicitar uma nova autorização legislativa e, significativamente, nem sequer faz, referência, e muito menos justifica, na respectiva exposição de motivos, as razões e eventuais consequências da não utilização atempada da primeira autorização legislativa que, sobre esta matéria, lhe foi concedida.
O que é verdade, porém, e já aqui foi referido, para além do atraso não justificado, é que o Governo propõe agora limites de penas que ultrapassam, em muito, os definidos pela Assembleia da República há dez meses atrás.
O que nos conduz, aliás, à análise de um primeiro aspecto da presente proposta de lei, que é para nós, controverso. Refere o Governo que as novas penas propostas têm como ponto de referência a dosimetria do Código Penal. Não nos parece, porém, que isso seja verdade - e já há pouco julgo que fiz a demonstração pela leitura do artigo 47.º do Código Penal.
Em primeiro lugar, porque o limite de 1000 dias de multa, face à referida dosimetria do Código Penal, consubstancia antes uma enorme brutalidade.
Em segundo lugar, porque, contrariamente ao regime do Código Penal, o Governo não prevê o pagamento da multa em prestações, nem admite a hipótese de ser feita a execução dos bens do infractor. Isto é, a alternativa que o Governo deixa ao não pagamento integral da multa é a prisão imediata. Este regime brutal que o Governo pretende consagrar para as penas fiscais contrasta, aliás, com o regime de benevolência (provavelmente excessiva) de que tem vindo a usar nos últimos anos com amnistias fiscais disfarçadas.
Importaria conhecer as razões de tão súbita e radical alteração da filosofia e prática governamentais.
Um segundo aspecto da proposta de lei que consideramos que deverá ser alterado, reporta-se à alínea b), do n.º 2, do artigo 4.º Aí se prevê a possibilidade de uma autoridade, para já desconhecida, poder determinar o arquivamento de processos-crime antes da remessa dos autos para o Ministério Público. Não sendo, como não são, definidos clara e expressamente os casos em que tal possa suceder, é um facto que fica aberta a porta ao arbítrio. Impõe-se, por isso, a análise cuidada do preceito proposto pelo Governo e a sua necessária precisão.
O terceiro aspecto que, em sede de apreciação na generalidade, entendemos ser merecedor de referência, tem a ver com o seu artigo 5.º, isto é, com o prazo concedido para a utilização pelo Governo da presente autorização legislativa.
Depois de tanta demora, depois do atraso de vários meses de que já padece a legislação sobre as infracções fiscais ao IRS e IRC, é incompreensível que o Governo solicite um prazo de 90 dias para legislar.
Aliás, é incompreensível que o Governo, depois de um atraso de vários meses, apresente a proposta de lei da Assembleia da República e exija o seu agendamento para cinco dias depois, sabendo-se que, entretanto, decorre um fim de semana. É uma situação inaceitável, na medida em que não houve possibilidade prática, sequer, de qualquer comissão da Assembleia da República poder fazer a sua apreciação prévia. À Comissão de Economia, Finanças e Plano esta proposta de lei foi enviada ontem - dia em que a Assembleia normalmente não funciona.
Mas para além disso, é inaceitável que o Governo solicite para a legislação sobre infracções fiscais um prazo de 90 dias e para a legislação sobre as garantias dos contribuintes proponha um prazo duplo de 180 dias.
É bem revelador da filosofia governamental de postergação dos direitos dos cidadãos, no caso vertente do cidadão-contribuinte. Para o Governo o que interessa, o que é prioritário, é a punição, e pesada, do contribuinte, as garantias deste virão mais tarde, se é que alguma vez virão.
Aliás, também é significativo que no ofício em que o Governo envia a proposta de lei à Assembleia da República, embora contendo o artigo em que pede autorização legislativa para legislar sobre as garantias dos contribuintes, se refira exclusivamente a autorização para aprovar o regime jurídico das infracções fiscais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A presente proposta de lei não pôde ser objecto de apreciação prévia, como há pouco referi em qualquer comissão especializada, já que foi agendada antes de ter, sequer, dado entrada na Assembleia da República, e só ontem foi enviada à Comissão de Economia, Finanças e Plano. Mas o atraso de meses que traz sobre si, da exclusiva responsabilidade do Governo, não pode justificar, não justifica, que possa sair desta Assembleia sem a necessária e cuidada apreciação, nomeadamente em sede de especialidade. Pela natureza do seu conteúdo, parece-nos imprescindível que sobre ela se debrucem atenta e nomeadamente os membros da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
São, fundamentalmente, garantias dos contribuintes que estão em causa. Não podem ser tratadas de forma atabalhoada e menos ponderada, como o tem feito o Governo!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estados dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr.ª Presidente, em primeiro lugar e para minha informação, queria pedir ao Sr. Deputado que indicasse, com rigor, algum país onde existe a chamada lei geral tributária.
Por outro lado, também gostava que esclarecesse um pouco melhor se o «o sistema mais brutal» é o da multa convertível em prisão, se não pagar, ou o da prisão em multa. É que, de facto, em princípio, não há dúvida nenhuma que a pena de prisão convertível em multa é uma pena que, por razões económicas, leva a privação das pessoas à sua liberdade - a menos, é claro, que não considere a liberdade como um aspecto caro da vida do homem. Mas se porventura vê que, apesar de tudo, ela é menos penalizante é porque reconhece que o instrumental a utilizar para repor a verdade das coisas, através das sanções que os tribunais venham a determinar, não conduz a esse objectivo e, por consequência, não é isso que interessa, isto é, não é a reposição da verdade no domínio fiscal que nos preocupa mas, antes, encontrar chavões para atingir objectivos que não são necessariamente aqueles que se desejavam.