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19 DE ABRIL DE 1989 2251

Assim, um contribuinte que no final do ano se enganou no somatório da sua declaração, não obstante as verbas poderem estar certas, e, de tal facto, resultar imposto a menos para o Estado, nos termos do que nos é proposto nesta proposta de autorização legislativa, pode ver-se a braços com um processo de criminalização fiscal, porque fica autenticamente na mão de alguém que vai julgar da sua própria intenção.
Permitam-me que lhes pergunte, Srs. Membros do Governo, por exemplo, se no domínio do IRC e do IRS, quando ao conceito de custos para efeitos de formação de matéria colectável, a interpretação de um contribuinte diferir da interpretação da Administração Fiscal e daí resultar imposto a menos a pagar ao Estado, porque há, necessariamente, alteração da matéria colectável, qual é a pena que se vai aplicar, uma vez que nada nos é dito nos termos desta proposta de lei?
Quando os serviços da Administração Fiscal, como acontece hoje em muitas situações, de liquidações oficiosas que não têm nenhuma razão de ser por parte dos serviços do I VA e que estão em execução fiscal nos tribunais das repartições de finanças, liquidarem indevidamente IVA - no futuro teremos que estar precavidos com o novo processo de liquidação do IRS e do IRC no âmbito das direcções de finanças -, qual vai ser a penalização para a administração quando o contribuinte for lesado? Nada nos diz esta proposta de lei.
Pela sua leitura parece poder concluir-se a partir dos pressupostos da presente proposta de lei, que o Governo entende que a Administração Fiscal é imune a falhas e, portanto, não é necessário defende o contribuinte porque tudo o que a Administração Fiscal faz é perfeito.
Dizia há pouco um Sr. Deputado do PSD que só sei fazer contabilidade. Srs. Deputados, devo dizer que sei mais do que apenas fazer contabilidade. Na verdade, tenho sensibilidade para estas coisas, porque todos os dias centenas de pessoas, neste domínio, dependem das minhas interpretações e do meu trabalho. Assim, não admira que tenha uma sensibilidade própria para estas questões e que muitas vezes não vá atrás de conversas fáceis, na medida em que sei o que isto custa aos contribuintes.
Sabemos que no dia-a-dia isto acontece, que existem situações de verdadeira aberração fiscal, com liquidações indevidas, processos de execução fiscal sem matéria de facto para subsistirem e actos de plena prepotência da máquina fiscal, consubstanciadas em actos arbitrários de presunção, perante os quais o contribuinte é perfeitamente impotente e nada pode fazer.
Por outro lado, a matéria fiscal abarca um vasto universo da vida do cidadão. Praticamente tudo o que fazemos no nosso dia-a-dia, o que comemos, o que calçamos, quando andamos no nosso carro, tem uma relação directa com a vida fiscal. Ora, com a evolução dos sistemas de controlo - é importante este pormenor -, que tendem a controlar cada vez mais, à distância e apertadamente, a vida do cidadão, e como são vastos e impessoais, a luta que, a partir daqui, se tem de travar é no sentido de aperfeiçoar e constituir verdadeiros meios de defesa dos contribuintes contra a Administração Fiscal.
É bom não esquecer que não temos uma administração técnica, psicológica e humanamente preparada para conceber e aceitar o contribuinte fora do espírito
- que, desde há muito, se lhe vem incutindo - de evasor e fraudulento. Esta é uma realidade que temos de aceitar.
A nossa Administração Fiscal está, pelo espírito que há anos lhe foi incutido, muito mais vocacionada para visionar um contribuinte como um potencial fraudulento do que visionar um contribuinte como cumpridor e merecedor de respeito a que tem direito.
Não temos, neste momento, uma Administração Fiscal humana, psicológica e profissionalmente preparada para conceber um contribuinte, a não ser fora deste âmbito.
Pelas razões apontadas, a presente proposta de lei enferma de diversos vícios, de entre os quais me permito destacar alguns.
Desconhecimento, de facto, da situação do Estado tributário, no que concerne à implementação de um sistema penal fiscal que seja sério e biunivocamente exigente, no sentido de se movimentar numa dualidade de exigência-cumprimento. O que temos nesta proposta de lei, Sr. Secretário de Estado e Srs. Deputados, é apenas uma das componentes do sistema penal fiscal, isto é, uma exigência para com o contribuinte, mas a exigência para que a administração seja correcta e isenta não é formulada nesta proposta de lei nem em diploma algum. Não há, por isso, uma relação de exigência entre Estado-contribuinte, ou seja, cumprimento por parte do Estado para com o contribuinte.
Dado o vasto universo de situações que pretende abarcar, falta uma definição das situações que deverão integrar os conceitos de penalização criminal e os de natureza contra-ordenacional fiscal.
Manifesto desequilíbrio no que concerne à imposição do cumprimento das obrigações aos contribuintes, sem manifestar qualquer tendência positiva no que concerne ao relacionamento entre a administração e o contribuinte, tendo este que comprovar tudo, não se exigindo àquela qualquer ónus de prova dos seus actos para com o contribuinte.
Alheamento absoluto, por parte do Governo, dos meios de defesa dos contribuintes, no que se relaciona com o novo sistema fiscal penal e contra-ordenacional.
Desfasamento no tempo da discussão, aprovação e aplicação da lei, tendo em atenção as matérias que se pretendem regular. Sr. Secretário de Estado, não compartilho, de maneira alguma, da ideia há pouco avançada de que isto não é importante. Ora, isto é de uma importância capital. Não se concebe a função e a prática de qualquer sistema fiscal se não lhe tiver conexo, como é óbvio, um sistema penal fiscal que privilegie os contribuintes cumpridores e penalize, de facto, os contribuintes fraudulentos. Não podemos continuar a meter tudo no mesmo saco, a fazer salada russa, a dizer que todos são iguais, que todos precisam de comer da mesma maneira, que todos são ladrões. Não é verdade! Há contribuintes cumpridores e há contribuintes incumpridores. Respeite-se os cumpridores e penalize-se os incumpridores!
O PS entende que o País carece de uma lei penal fiscal com o claro objectivo de penalizar os incumpridores, mas lamenta que matéria de tão elevada importância para a vida dos cidadãos tenha estes processos de discussão, bem como a inexistência possível de um espaço de tempo que deveria intermediar entre a publicação e a aplicação da presente lei, com o objectivo de os cidadãos dela se compenetrarem e conhecerem as suas obrigações fiscais.