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24 DE MAIO DE 1989 4203

Uma vez que citou um artigo por mim escrito em 1987, gostaria de dizer que é evidente que não entendo que da alteração agora proposta emerja «outra Constituição». Também lhe digo que é evidente que não acho que da alteração resulta uma IV República. Portanto pode V. Ex.ª ficar tranquilo. É essa a minha leitura.
Mas pelo seu lado, o Sr. Deputado não nos satisfaz quando, dando algumas explicações, deixa em aberto as duas perguntas cruciais que lhe fiz. Por exemplo, o Professor Jorge Miranda já sustentou publicamente que esta revisão «está no limite» do constitucionalmente possível. 0 que responde V. Ex.ª a isto?
Em segundo lugar, quanto ao precedente aberto, V. Ex.ª silenciou-o e não abriu nenhum «catrapásio» para se pronunciar sobre esta matéria, mas creio que tem o dever de o fazer.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

0 Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, é óbvio que até poderia parecer estultícia da minha pare tentar explicar-lhe a si, que tem um posicionamento ideológico que é conhecido, o valor das análises históricas e o idealismo reprovável das leituras a históricas da vida política. Poderiam ser trazidas a esta sede imensas citações, que documentassem o que cada um dos nossos partidos pensa sobre o Estado de direito democrático, sobre o significado da democracia parlamentar, sobre a afeição ou a desafeição da direita portuguesa à democracia... mas não vale a pena.
Assim, a única nota histórica que lhe faço é no sentido de pedir que repare atentamente que estes limites materiais constantes do artigo 290.º só são alterados ao fim de treze anos de experiência constitucional, ao fim de um longo período de maturação sobre o significado e alcance da respectiva alteração.-
Esto( não é, pois, uma alteração feita com ligeireza, nem de afogadilho, nem é a histórica no sentido em que não tenha em linha de conta as condições históricas objectivas em que se desenvolveu a luta política, desde l976 até hoje. Nem é tão pouco uma alteração que não tenha em linha de conta que, nos últimos treze anos, não houve nenhum acto de apropriação colectiva dos principais meios de produção. Também não é uma alteração que não tenha em linha de conta que aquilo a que assistimos foi ao definhamento de qualquer concepção política que se baseasse nas organizações populares de base e que a reconversão útil do preceito consiste em explicitar o seu conteúdo actualista reportando-o às comissões de moradores.
Peço-lhe que tenha em linha de conta que após a revisão é possível que, com base na Constituição, hajam novas apropriações colectivas de meios de produção no futuro. De facto, nada impede que tal possa suceder já que a Constituição consagra no artigo 82.º instrumentos de apropriação colectiva, como as nacionalizações e, nesse aspecto, o programa económico constitucional passa a ser mais plural sem ser excludente. Nesse sentido, não há uma inversão da nota constitucional, o que há é uma pluralização, uma flexibilização do modelo. Mas se, amanhã, por força do sufrágio, um poder político entender que é de voltar a nacionalizar, que é de voltar a promover a apropriação colectiva de meios de produção e de solos então, fá-lo-á porque tem cobertura constitucional.
Quanto ao problema do que é que acontecerá no futuro a estes limites materiais face a este aditamento, Sr. Deputado, José Magalhães, não é possível pensar...

0 Sr. José Magalhães (PCP): - É um precedente!

0 Orador: - Não é, verdadeiramente, um precedente no sentido que lhe quis atribuir. É que se o Sr . Deputado José Magalhães defende que se admite novos limites mas que não se subtraia nenhum tem que admitir em tese que ao aditar-se um novo limite pode encontrar-se em contradição com outros limites já existentes, criando-se uma situação bem mais inextrincável e pouco saudável para o texto constitucional no seu todo.
0 problema é o de saber se, dos limites materiais, continua ou não a constar o núcleo essencial da Constituição económica. A resposta é afirmativa, continua a existir no artigo 290.º esse núcleo essencial do ordenamento económico. Porque se, em 1976, o legislador tivesse querido que a irreversibilidade das nacionalizações fosse o seu núcleo central e por isso constituísse limite material do poder de Revisão Constitucional, tê-lo-ia previsto expressamente em sede do artigo 290.º e contudo não o fez. Portanto, ao alterarmos o artigo 83.º não estamos a alterar o núcleo essencial da Constituição económica protegido pelo artigo 290.º, estamos é a torná-lo mais coerente na nossa óptica. Não há, pois, nenhum precedente desarticulado do significado e do- alcance dos limites materiais.

0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção: Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por altura da discussão do artigo 290.º da Constituição, não resistirei à tentação de repetir, nesta sede, uma citação que já tive ocasião de fazer no âmbito da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Kant, que marca o início do pensamento político e filosófico moderno, dizia: «( ... ) uma época não pode coligar-se e conjurar para colocar a seguinte num estado em que se deva tornar impossível a ampliação dos seus conhecimentos, a purificação dos erros e, em geral, o avanço progressivo da ilustração. 15to seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste, justamente, neste avanço (... )». Mais adiante, pergunta: «(...) poderia um povo impor a si próprio essa lei»
Kant fazia esta afirmação quando definia o iluminismo. Ao defini-lo, referia que o Iluminismo representava exactamente a saída do homem da menoridade a que tinha vindo a ser votado. Ora, a recusa da evolução era, precisamente, um dos ingredientes dessa menoridade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma Constituição democrática como a nossa não pode, se não de modo contraditório, impor-nos limites tão rígidos como os que algumas forças políticas pretendem denotar que ela contém. Seria contraditório, porquanto a democracia potencia a possibilidade de pôr em marcha opções políticas diferentes, resultantes da própria alternativa democrática. Potência, ainda, a comunicação dos diferentes ideários, a possibilidade de os eleger em sufrágio e de os realizar em acção. A democracia só não significa